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A briga contra o racismo deve ser comprada por todos

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Raphael Vicente: "Combate à discriminação, ao preconceito e, consequentemente, ao racismo, é uma ação de política pública, complementada pela iniciativa privada, e não o contrário" (Crédito: Divulgação)

Por Raphael Vicente

Comentando mais um lamentável caso de racismo na liga espanhola contra o jogador brasileiro Vinícius Jr., o jornalista Mílton Jung, âncora da rádio CBN, afirmou na segunda-feira (22) que não bastam as famosas campanhas de internet, comunicados, nota disso ou daquilo e hashtags. É preciso que mais pessoas comprem a briga com e por Vinícius Jr.. Milton tem toda razão.

Atletas do Real Madrid, da Seleção Brasileira, de outros clubes, dirigentes, a liga espanhola, a Fifa, os treinadores, a imprensa, todos deveriam comprar a briga contra o racismo. Mas a pergunta que me ocorreu imediatamente foi a segunte: e o papel do Estado em tudo isso?

A manutenção dos Direitos Humanos ou, mais especificamente, a Dignidade da Pessoa Humana, é uma atribuição fundamental do Estado. O racismo é uma constante tentativa de desumanização, um esforço permanente de retirar da vítima a sua condição de ser humano. Basta ver os xingamentos contra Vinícius Jr., que foi chamado de macaco.
A sociedade não é um organismo autorregulado, autogerido, muito menos um organismo que responde efetivamente às pressões das redes sociais. O racismo provoca resultados catastróficos na sociedade e já sabemos disso. Imaginem se fossem insultos remetendo a slogans nazistas, de supremacismo. O repúdio seria imediato. Duas formas de racismo, mas certamente dois resultados diferentes.

“O combate à discriminação, ao preconceito e, consequentemente, ao racismo
é uma ação de política pública, complementada pela iniciativa privada, e não o contrário. Basta observarmos o sucesso das ações afirmativas”

Ocorre que nós compreendemos razoavelmente a tragédia que o nazismo causou ao propagar o racismo, mas não compreendemos a tragédia que a escravização causou. Obviamente há profundas diferenças entre Brasil e Espanha, mas de um modo geral, o que explica a completa paralisia das instituições do Estado espanhol senão a negação do racismo sofrido pelo jogador? Em um primeiro momento, nenhuma autoridade com o dever legal de agir pareceu ter visto a gravidade do que aconteceu. Ministério Público, judiciário, polícia, ninguém percebe o que acontece de forma recorrente contra Vinícius Jr. e tantos outros jogadores? É verdade que nos dias seguintes houve várias manifestação e inclusive algumas pessoas foram presas.

E no Brasil? As autoridades do Estado brasileiro não sabem o que acontece nas empresas que atuam no País? Discriminação, mitigação nas oportunidades de acesso e possibilidade de ascensão, completa ausência de mulheres negras, de pessoas LGBTQIA+ negras, racismo institucionalizado, entre outros aspectos, todos esses muitas vezes documentados e relatados inclusive por órgãos oficiais do governo.

Olhando para a Espanha, talvez fique até um pouco mais fácil compreender as nossas contradições. O racismo não é um problema das pessoas negras e sim da sociedade, seja ela espanhola ou brasileira, uma vez que a sociedade como um todo acaba distorcida, ainda mais desigual e fragmentada.

O combate à discriminação, ao preconceito e, consequentemente, ao racismo, é uma ação de política pública, complementada pela iniciativa privada, e não o contrário. Basta observarmos o sucesso das ações afirmativas.

O que está faltando é o Estado exercer o seu papel fundamental e comprar uma briga que faz parte de seus deveres, ou seja, promover a todo custo a dignidade da pessoa humana sem permitir atos racistas.