“Penso, logo existo!” ainda é válido após o Chat GPT ?
Por César Souza
Apossibilidade de terceirizar aquilo que sempre acreditamos ser nosso diferencial único e intransferível — nossa capacidade de pensar — exige profunda reflexão. Repensar o pensamento. Esse é o enigma que vai muito nos afligir antes de ser decifrado.
Já não causa espanto o fato de os avanços tecnológicos que produziram o Big Data, a computação na nuvem, a disruptiva inteligência artificial e a sua mais recente derivada, o ChatGPT, estarem viabilizando a possibilidade de automatização do pensamento através de sofisticados algoritmos. Se o ato de pensar pode ser mecanizado, de forma muito mais rápida e acurada do que somos capazes de fazer, o que restará ao ser humano? Qual o impacto que essa tecnologia inacreditavelmente viral e perturbadora poderá causar nos nossos comportamentos, no mercado de trabalho e na nossa forma de viver, aprender e até amar?
O ChatGPT ainda está engatinhando, mas já tem protagonizado façanhas impensáveis como produzir em fração de segundos textos literários, livros e até mesmo poemas e músicas de razoável qualidade. À medida que evolui e se torna uma realidade acessível, já causa profundo impacto no mercado de trabalho, tanto ao criar novas oportunidades quanto ao perturbar profissões tradicionais, do Direito à Arquitetura, passando pela Contabilidade e por tantas outras, caso as mesmas não se reinventem.
A ferramenta também já afeta o processo de educação, ressignificando a relação professor-aluno muito além da sala de aula.
No exercício da liderança, o ChatGPT poderá acarretar inevitável valorização das chamadas soft skills — habilidades e atitudes que tenderão a ser ainda mais relevantes que o conhecimento técnico tradicional.
Mais do que nunca, precisamos estar atentos ao risco de perdermos relevância se ficarmos reféns das nossas competências atuais. Deveremos nos equipar com um conjunto de novos saberes que ainda nem compreendemos quais serão os de fato valorizados.
Aprender a desaprender e a reaprender não só a partir dos nossos pensamentos mas também a partir dos nossos sentimentos será o diferencial dos sobreviventes daquilo que, se usado de forma indevida, poderá ter efeitos devastadores para parcelas da sociedade. Teremos de sabiamente enfrentar o desafio ético da IA e de seus artefatos para que, sem utopias, criem benefícios de fato para a espécie humana.
A filosófica frase “Penso, logo existo!”, formulada pelo matemático francês René Descartes, em 1637, em O Discurso do Método, funcionou como uma espécie de certidão de identidade do ser humano. Mas se as máquinas e o arsenal tecnológico vierem de fato clonar nossa forma de pensar, nosso diferencial precisa ser enriquecido com o poder das emoções, algo que os algoritmos ainda não podem substituir.
Talvez o tempo me faça mudar de ideia, pois nem o Bug do Milênio e nem o metaverso causaram as temidas mudanças anunciadas, mas acredito que já seja apropriado reformular a proposta de Descartes para “Penso e sinto, logo existo!”