Taxação no paraíso
Medida provisória 1.171 reduz faixa de isenção fiscal para R$ 6 mil por ano e altera alíquotas sobre rendimentos de investimentos no exterior
A Divina Comédia, de Dante Alighieri, publicada pela primeira vez em 1472, descreve que os pecadores gananciosos e avarentos habitam o quarto círculo do inferno, condenados a rolar enormes pesos e a se injuriarem mutuamente. No atual século, mais precisamente desde os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York (EUA), governos de países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) tentam fechar o cerco em torno dos paraísos fiscais por causa da evasão de divisas e para evitar o financiamento ao terrorismo. Em 30 de abril, entre os trechos da Medida Provisória 1.171 que aumenta o salário mínimo, o governo tributou as aplicações no exterior. Parece o inferno dos investidores, mas como o Brasil possui tratados de bitributação com países relevantes como os EUA, é a taxação do paraíso.
Segundo o texto que entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024, mas que ainda passará pela aprovação do Congresso, o governo reduziu a faixa de isenção fiscal dos rendimentos auferidos por pessoas físicas residentes no Brasil originadas de aplicações financeiras em investimentos no exterior para R$ 6 mil por ano. Antes, a tributação só ocorria quando o dinheiro era repatriado para o Brasil e contadores orientavam a isenção até R$ 35 mil em vendas por mês, como regra para a Declaração de Ajuste Anual (DAA) da Pessoa Física à Receita Federal. Além da mudança na isenção, a medida estabeleceu alíquota de 15% para a faixa entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano, e taxa de 22,5% na faixa de rendimentos acima de R$ 50 mil por ano.
“A Medida Provisória 1.171 alcança todo e qualquer investidor que tenha imóveis ou aplicações financeiras no exterior com a tributação” Débora MarTINS Consultora da BT7
Na avaliação da consultora da BT7 Partners e especialista na área tributária Débora Casseb Martins, antes era mais vantajoso investir no exterior do que no Brasil. “A medida provisória alcança todo e qualquer investidor que tenha investimento no exterior, aplicações financeiras ou imóveis”, afirmou. Débora disse que a nova legislação iguala o Brasil aos países desenvolvidos em termos de tratamento aos paraísos fiscais. “É uma questão de justiça social. Antes a tributação só alcançava pessoas com patrimônio muito alto, em casos de repatriação acima de R$ 5 milhões”, disse.
Como a faixa de isenção caiu para apenas R$ 6 mil por ano, uma média de R$ 500 por mês, Débora diz que a tributação também irá atingir investidores de varejo que abriram contas em corretoras no estrangeiro nos últimos anos, e não apenas milionários com uma trust (estrutura financeira) em paraísos fiscais. “Para o investidor de varejo deve desestimular o investimento no exterior”, afirmou. Mas para grandes investidores, ela aponta a continuidade da diversificação de parte do portfólio no estrangeiro. “Muita gente foi pega de surpresa e terá de fazer as contas e rever se a manutenção de uma estrutura no exterior compensa.”
PONTOS POSITIVOS A visão é semelhante à da advogada tributarista da SFCB Advogados Patrícia Campos Soares. “A tributação pega o investidor de varejo e principalmente muitos investidores que abriram contas offshore em paraísos fiscais”, afirmou. Por outro ângulo, Patrícia observa alguns pontos positivos na medida provisória, como a compensação de prejuízo na Declaração de Ajuste Anual (DAA). “A alíquota máxima que era de 27,5% caiu para 22,5%. E quem deseja fazer a atualização do valor patrimonial de seus investimentos no exterior para a marcação a mercado terá uma alíquota definitiva de 10% com base no valor de 31 de dezembro de 2022”, disse.
Na prática, o governo abre uma brecha para que investidores milionários possam deixar seus recursos com valores atualizados na Receita por uma alíquota de 10%, ante uma taxação de 27,5% em casos de repatriação. Ou seja, o governo tira com uma mão e dá com outra, mas pode antecipar uma arrecadação bilionária para 2023 e 2024. Nas contas federais, há US$ 200 bilhões ou cerca de R$ 1 trilhão em ativos de brasileiros no exterior. O Brasil da Divina Comédia não tenta sair do inferno mirando o paraíso.