Biden mergulha no pleno emprego
Estados Unidos têm a menor taxa de desocupação desde 1969. Mas combater a combinação de inflação e juro alto estragará a festa do mercado de trabalho.
“For people, for a change”; “Yes, we can”; “America first”; “Buy american…” Alguns dos mais bem-sucedidos slogans presidenciais dos Estados Unidos nas últimas décadas — como os utilizados acima nas campanhas de Bill Clinton, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden, respectivamente — revelam a importância e a influência do mercado de trabalho para os rumos políticos da maior economia do planeta. Como definiu o economista e marqueteiro James Carville, em 1992, “é a economia, estúpido”, quando perguntado sobre o que decide a eleição americana. E é justamente a falta de confiança dos norte-americanos com o futuro da economia o grande vilão para a continuidade do sonho americano.
O fato é que os EUA vivem hoje dois paradoxos: um econômico e um político. No primeiro caso, ao chegar ao pleno emprego terão de derrubar o pleno emprego. Em abril, a taxa de desocupação foi de 3,4%, a menor desde 1969. Sobram vagas e faltam profissionais qualificados para todas as áreas. Os salários, consequentemente, seguem aquecidos: o valor pago por hora subiu 0,5% no mês.
Na comparação entre abril de 2022 e de 2023, a valorização média da renda foi de 4,4%. E a junção disso tudo — desemprego no chão e salário em alta — leva ao mesmo destino: a alta dos preços. E uma inflação resiliente fará o Federal Reserve (Fed) manter o juro turbinado. A inflação, na casa de 5%, e a taxa de juros, entre 5% e 5,25% ao ano, são extremamente altas para os padrões americanos. Em resumo, o desemprego precisa crescer para a inflação cair. Isso leva ao segundo paradoxo, o político. E é a expectativa desse movimento que faz a popularidade de Biden (aprovação de apenas 39% em abril, segundo a Reuters-Ipsos) ficar no menor patamar em seus mais de dois anos de mandato. Para piorar, as contas públicas estão sob risco de default, em junho, caso democratas e republicanos não entrem em acordo sobre um aumento do teto da dívida. Por fim, o efeito da política de juros altos do Fed começa a ser percebida — de janeiro a março, o PIB avançou apenas 1,1%, muito abaixo dos 2,6% do último trimestre de 2022 e menor do que a projeção de 2% feita no começo do ano pelo Departamento de Comércio, responsável pelas estatísticas econômicas.
O mercado de trabalho mergulhado no pleno emprego expõe uma falsa contradição frente à impopularidade de Biden e às dificuldades da economia. Para o economista Wagner Moraes, CEO da consultoria A&S Partners, a resposta está na desconfiança. “Mesmo com indicadores históricos animadores, o mercado está com temor grande com relação ao futuro do país”, afirmou. “Os americanos não estão acreditando nos seus principais líderes na Casa Branca, no Fed e no Departamento do Tesouro.” Um dos motivos da desconfiança, na avaliação de Moraes, é a elevada taxa de juros. Na última pesquisa de opinião pública, em abril, o presidente do Fed, Jerome Powell, teve avaliação positiva de apenas 36% dos americanos, 3 pontos percentuais abaixo do índice de Biden. “Os juros elevados inibem novos investimentos, os salários americanos continuam elevados, o que é um problema para as empresas, e a inflação ainda não deu a trégua suficiente para afastar o risco de recessão e estagnação econômica”, disse o economista.
O próprio presidente do Fed admite que o ambiente macroeconômico dos Estados Unidos não inspira confiança. “Ainda há um elevado nível de incerteza por conta de fatores incomuns, como a guerra na Ucrânia e problemas nas cadeias de abastecimento globais”, disse Powell, em ata divulgada após uma reunião do Fed, em março. “Ninguém sabe com confiança como as coisas vão se desenvolver à frente.”
O cenário de mercado de trabalho superaquecido e economia em marcha lenta pode gerar problemas adicionais para a competitividade das empresas e para o próprio governo Biden, na avaliação do economista Fernando Moulin, sócio da Sponsorb, empresa de business performance e professor do Insper e da ESPM. “Houve estímulos como a injeção de dinheiro [feita na pandemia e pós-pandemia] pelo banco central americano, fazendo com que as pessoas e empresas tivessem mais capital”, disse. “Numa economia que cresceu em ritmo acelerado, gerou muito emprego, é necessário pagar salários cada vez mais altos. Tudo isso alimenta a inflação.”
“Ainda há um elevado nível de incerteza por conta de fatores incomuns. Ninguém sabe com confiança como as coisas vão se desenvolver à frente” Jerome Powell, presidente do Fed
Parte dos especialistas sugere que as taxas de inflação atingiram um ponto de virada e os aumentos de juros podem começar a diminuir em breve. O Índice de Preços ao Consumidor dos EUA mostrou desaceleração significativa desde que disparou 9% em junho de 2022. A inflação, em 5%, é a menor desde maio de 2021. Alguns economistas acreditam que esse patamar é o ponto em que a inflação deixa de ser considerada questão emergencial. Isso significa que o Fed pode sentir menos pressão para estabilizar rapidamente os preços por meio de aumentos agressivos nas taxas de juros. “Se a inflação cair para menos de 5%, começa a desaparecer do noticiário”, afirmou o economista Laurence Ball, da Universidade Johns Hopkins, à CNN americana. “Se isso ocorrer, as pessoas devem voltar a se preocupar com déficits orçamentários, mudanças climáticas ou outras questões públicas.”