Carro popular para quem?
Por Carlos José Marques
A ideia lançada pelo governo de incentivos para a volta da antiga bandeira do “carro popular” soou estranha e anacrônica a boa parte dos envolvidos e interessados. Não apenas por não atender efetivamente a chamada classe de baixa renda como também por incutir o equivocado instrumento de benesse fiscal — desproporcional e sem lastro — em tempos de disciplina orçamentária claudicante.
Mesmo a indústria automobilística, que diretamente ganha com a vantagem e estava a sofrer com a paralisação forçada das linhas de produção por falta de movimento, não se entusiasmou a ponto de soltar rojões. Sabe que é difícil adaptar seus modelos em linha atualmente aos preceitos pretendidos no programa.
Valeria a proposta para carros até R$ 120 mil, que poderiam cair para valores abaixo do teto de R$ 60 mil (segundo almeja o mandatário). É uma quimera difícil de virar realidade.
O próprio Ministério da Fazenda traz ressalvas importantes à proposta, que parece ter sido elaborada meio no improviso, de afogadilho, e que deverá custar alguns bilhões aos cofres públicos. Disse o ministro Fernando Haddad que o programa será temporário, algo para durar em torno de três meses, no máximo, como forma de atrair compradores que foram alijados desse mercado.
Não é crível imaginar que em um período tão curto exista uma reviravolta capaz de mudar e incrementar a produção nesse sentido. Nenhum administrador do chão de fábrica minimamente comprometido com metas e planejamento será decerto motivado a mudar a linha de produção para algo com uma vigência tão estreita.
O que se nota é mais uma derrapagem do governo no afã de revitalizar uma indústria que anda à míngua. Mesmo a equipe econômica torce o nariz quando trata do assunto.
Entre a regra e a realidade da compra de automóveis pela classe média remediada — alvo do intento populista — existe uma longa estrada de outras prioridades a serem vencidas, inclusive no campo do desemprego, da perda de renda, da inflação persistente e, principalmente, dos juros que inviabilizam qualquer negociação de crédito para pagar as prestações.
Há discordância sobre o incentivo inclusive na área jurídica do governo, por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os técnicos do Ministério da Indústria (MDIC) bancaram a decisão por uma orientação política dada diretamente pelo vice-presidente e titular da pasta, Geraldo Alckmin. Ocorre que nem ele ou Lula, muito menos, sabem ao certo as implicações que tal concessão pode gerar.
Mesmo que o programa seja realmente temporário, durando alguns meses, terá gerado um custo que não compensa o esforço. O czar Haddad, por exemplo, ficou na saia justa uma vez que vem defendendo sistematicamente o aumento de arrecadação, o corte de subsídios e a tributação de setores que hoje pagam menos impostos.
Como levar adiante tais premissas com um acesso dessa monta? A sinalização equivocada também acaba por contrariar os objetivos sustentáveis do setor que vinha se esforçando para mudar a matriz dos carros. Ao beneficiar veículos movidos a combustíveis fósseis, naturalmente mais baratos, o governo contraria a própria agenda ambiental. De todo, um tiro n’água, opção furada.