Inteligência artificial: o bicho de seis cabeças
Crescimento rápido da tecnologia assusta não somente pessoas comuns, mas também grandes especialistas. Entenda a raiz desses medos e o que precisamos fazer para contorná-los
Por Victor Marques
Se um bilionário excêntrico e sem muitos limites morais (segundo seus detratores) como Elon Musk tem seus medos quanto aos avanços da inteligência artificial (IA), acredito que todos deveríamos ter pelo menos um pé atrás. “Há risco de que o desenvolvimento avançado de inteligência artificial elimine ou restrinja o avanço da humanidade”, disse o CEO de Tesla, SpaceX e Twitter durante um evento de CEOs do The Wall Street Journal. Quando uma nova tecnologia chega aos palcos, gera, querendo ou não, burburinhos, dúvidas e, é claro, medos. É exatamente esse processo que vivemos hoje com a IA, uma tecnologia totalmente inovadora e que traz possibilidades nunca vistas, mas que também levanta algumas dúvidas pertinentes sobre seu uso.
Em seu nascimento, toda tecnologia é agnóstica. Na teoria é lindo. Na prática, significa que ela será manipulável. Em mãos erradas, o potencial destrutivo é sem precedentes.
Foi com isso em mente que personalidades como Elon Musk, Steve Wozniak (um dos fundadores da Apple), Bill Gates (fundador da Microsoft), Eric Schmidt (ex-CEO do Google) e o próprio CEO da OpenAI (Sam Altman), criadora da máquina mais famosa do mundo da IA — O Chat GPT —, afirmam que a IA precisa de controles e apresenta riscos como poucas vezes o muno da tecnologia trouxe.
Empregos
Vamos perder nossos empregos? Não. No geral, não. E, principalmente, não agora. Segundo Jefferson Nobre, especialista do IEEE (Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos) e professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a discussão vai tão a fundo quanto discutir nosso modelo econômico, o capitalismo, que não existe sem o proletário.
É possível, até provável, que funções muito repetitivas desapareçam, com a necessidade de menos pessoas para realizar uma tarefa que anteriormente necessitava de várias. Ao mesmo tempo, isso abre espaço para posições mais estratégicas, onde o mesmo funcionário que trabalhava com aquelas tarefas repetitivas assume posição mais analítica, contribuindo mais estrategicamente para o negócio. No resumo, é tudo sobre produtividade, e a inteligência artificial realmente tem essa capacidade de aumentá-la.
Desinformação
Assim como aumenta a produtividade, a inteligência artificial também cria um potencial gigantesco para a produção e proliferação de informações corretas ou falsas. Para André Miceli, CEO e editor-chefe da MIT Tech Review Brasil, essa é uma das preocupações mais válidas quanto à nova tecnologia. “Inclusive os vieses de qualquer recorte social podem ser amplificados”, afirmou. “As informações utilizadas pela IA hoje são pautadas em dados criados pelo ser humano e refletem esses vieses.”
Para minimizar o risco de questões como essas, Miceli sugere a utilização de conjuntos de dados isentos de vieses sociais. “Os dados têm de ser coletados de maneira cuidadosa e diversificada, considerando diferentes grupos demográficos e pontos de vista.” Para isso é fundamental que haja transparência na seleção.
Cibersegurança
Também veremos um grande incremento na velocidade em que as novas ameaças cibernéticas vão ser construídas. São duas novas possibilidades aos cibercriminosos.
A primeira é o uso de IA para auxiliar no desenvolvimento de códigos maliciosos.
A segunda é embarcar inteligência artificial dentro de códigos maliciosos para torná-los mais eficazes. “Essa aceleração de desenvolvimento cria um desafio para os profissionais de cibersegurança, que necessitam se atualizar rapidamente com relação a novas tendências, técnicas e ferramentas”, disse Rodolfo Mortean, gerente da Peers Consulting.
Deepfake
Em março deste ano, circularam pela internet imagens do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump sendo preso. As imagens eram falsas, mas enganaram muita gente pelo nível de qualidade. Alguns erros ainda podem ser identificados por especialistas, mas para o público geral, que muitas vezes consome apenas as manchetes e não visualiza o conteúdo por mais de cinco segundos, isso poderá ser um problema.
Conforme esse tipo de tecnologia evolui será cada vez mais difícil identificar problemas e falhas na geração dessas imagens e conteúdos. Para combater isso, Henrique Silva Pereira, professor e coordenador dos cursos de Comunicação, Cinema, Fotografia e Design do Ceunsp, acredita que o trabalho dos profissionais checadores de informação, como jornalistas, será cada vez mais importante. Terão, inclusive, de se especializar em novas tecnologias para isso.
Direitos autorais
A inteligência artificial levanta uma questão importante: como ela utiliza bases da internet e de diversos autores, quem deve ser intitulado como o real autor de uma obra? No momento, não dá para saber.
Sam Altman, CEO da OpenAI, tomou a frente e está ajudando o governo americano a criar essas novas regulamentações. Para Alexander Coelho, advogado especializado em direito digital e proteção de dados, sócio do escritório Godke Advogados, estamos em linha no Brasil com o que o restante do mundo está realizando, com um projeto inicial que atende as necessidades de uma tecnologia ainda incipiente. “Discute-se um modelo que garante a atuação da inteligência artificial de forma transparente e respeitosa para todos os atores envolvidos”, afirmou.
IA consciente
O primeiro filme Exterminador do Futuro data de 1984. A obra mostra uma sociedade na qual a IA evoluiu a ponto de tomar suas próprias decisões e se voltar contra os humanos.
Mesmo quatro décadas depois, o enredo está mais atual do que nunca. Mas ainda estamos longe, e é possível que nem cheguemos perto, de uma IA 100% consciente. Em junho do ano passado, Blake Lemoine, engenheiro do Google, disse ao Washington Post que a IA da Big Tech, a LaMDA, já seria consciente. A empresa negou.
Se você não acredita em Elon Musk, já em 2014 o físico Stephen Hawking disse que o desenvolvimento completo da inteligência artificial poderia acabar com a humanidade. “Precisamos, desde já, auditar e revisar os modelos de IA para identificar esses desequilíbrios”, disse André Miceli, da MIT Tech Review Brasil.