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Lula III: nau desgovernada

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Edson Rossi: "O Lula de hoje ajudará se não atrapalhar" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Lula, Lula, Lula. Estes seis primeiros meses de seu terceiro reinado podem ser resumidos até aqui no velho mantra “um é pouco, dois é bom, três é demais”. A sequência de bobajadas desferidas ultrapassa fronteiras — à parte o episódio Nicolás Maduro, chegou a dizer que a guerra na Ucrânia era culpa do país invadido. Percebeu a besteira e desde então quer ser o juiz desta paz. Esqueça, presidente. Esse papel tem dono e ele se chama Xi. No âmbito externo só não está pior que o desqualificado e agora policialmente intrincado Jair Bolsonaro. No âmbito interno vai ainda pior. Para recompor o desastre do quadriênio anterior, saiu distribuindo benesses de maneira fiscalmente irresponsável, o que obrigou Fernando Haddad a juntar os cacos, inclusive no Congresso.

Aliás, o ministro da Fazenda tem sido de longe melhor articulador político que a juvenil (e amadora) trinca Alexandre Padilha-Rui Costa-José Guimarães. Os ministros de Relações Institucionais (Padilha), da Casa Civil (Costa) e o líder do governo na Câmara (Guimarães) têm tomado lições básicas do Professor Arthur Lira. Não fosse a avalanche de entrevistas de Haddad se declarando fã número 1 dos deputados brasileiros, Lira não teria conseguido costurar a aprovação do Arcabouço Fiscal.

E o governo nem conseguiu comemorar direito. O Planalto, que já havia levado uma surra na tentativa de mudar o Marco do Saneamento, arrumou nova encrenca. A comissão mista (Câmara & Senado) que discutiu a MP 1154 aprovou (por 15 votos a 3) mudanças nas atribuições dos ministérios, esvaziando especialmente dois: o do Meio Ambiente e o dos Povos Indígenas. A MP 1154 foi a primeira enviada por Lula III, publicada dia 1 de janeiro no Diário Oficial da União, e estabeleceu a estrutura de governo ­— seus 30 ministérios e outros sete órgãos com status equivalente.

Presidente decepciona na agenda econômica e é amassado na agenda política

O texto original não previa esmagar as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, mas foi emendado para que isso ocorresse. Especificamente sobre a Pasta de Marina, Arthur Lira não usou de entrelinhas: “É um ministério com pouco apoio político dentro do Congresso”. E na mesma entrevista ainda arrumou tempo e espaço para dar recado nível ‘papo reto’ à intelligentsia lulista: “Você não pode viver desconectado à técnica da política, não funciona”.

Um recado e tanto para nosso derradeiro teste, a Reforma Tributária, que deverá entrar na pauta nos próximos 30 dias (na perspectiva mais otimista) ou até o fim do ano (na versão mais pessimista). Tema que não irá salvar apenas a temporada 2023/2024. Irá salvar o mandato de Lula. Provavelmente salvar este micropaís — feito de letras minúsculas — e ajudá-lo a encontrar seu destino como Nação. Nesse jogo derradeiro, de um lado está o secretário extraordinário Bernard Appy, especialista reconhecidamente talentoso e consistente. Do outro lado está todo mundo. Empresários, governadores, prefeitos, parlamentares… Todos querem a reforma. Com um adendo: todos querem a reforma apenas no quintal do vizinho.

Será batalha hercúlea. Para começar, é preciso amarrar as duas PECs que tratam do tema (45 e 110), especialmente sob o signo de sua paternidade. A primeira nasceu na Câmara. A segunda, no Senado. Elas condensam PIS-Cofins-IPI (União), mais ICMS (estados) e ISS (municípios). Na PEC 45, tudo ficaria sob uma única contribuição — que uns têm chamado por IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e outros, por IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Não importa se IVA ou IBS, importa que seja um só. O modelo é adotado em quase 170 países. Já pela PEC 110 haveria IBS-IVA dual. Um para recolher tributos à União, outro para estados e municípios. O próprio Appy afirmou recentemente que acredita que o modelo dual seja mais assimilável pelo Congresso.

E aí vem a parte 2 desse gigantesco problema: aprovar a PEC da Reforma Tributária. Por se tratar de emenda à Constituição, haverá duas votações na Câmara, outras duas votações no Senado, e são necessários pelo menos 60% dos votos dos deputados (308 de 513) e dos senadores (49 de 81). Com a fragilidade de articulação política da frente lulista até aqui, a aprovação dependerá fundamentalmente da performance de três nomes. Do próprio Bernard Appy, de Fernando Haddad e de Geraldo Alckmin. Talento para isso eles têm. Em diferentes gradações, os três são tanto técnicos quanto políticos.

Uma guerra crucial para o Brasil em que o Lula de outros tempos ajudaria muito. Porém, o Lula de hoje ajudará se não atrapalhar. Invertendo a máxima de Machiavel (“fazer o mal de uma vez e o bem aos poucos”), até aqui nosso soberano faz o mal aos poucos e rotineiramente — a última foi mexer com o suposto ‘carro popular’. Seu único grande mérito é ter vencido as eleições (na prorrogação e apertado: 50,9% dos votos), ejetando o lúmpen-pária da Presidência. Não é pouco. Mas não basta. Nestes seis primeiros meses de governo, Lula III decepciona na agenda econômica e é amassado na agenda política. Que comece a virar o jogo. Está mais do que na hora.

*Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.