Negócios

Tecnisa ataca gargalos e dá a volta por cima

Construtora chega ao terceiro trimestre seguido de lucro após sete anos no vermelho e estuda retomar atuação no segmento econômico

Crédito: Divulgação

Fernando Tadeu Perez, presidente da Tecnisa: incremento nos resultados é resultado de uma nova cultura organizacional (Crédito: Divulgação)

A Tecnisa tem muito a comemorar. Depois de sete anos de resultados negativos, a empresa registrou no período entre janeiro e março deste ano o terceiro trimestre consecutivo de lucro, de R$ 4 milhões, revertendo prejuízo de R$ 7 milhões na comparação anual. O ganho acumulado nos últimos três trimestres chegou a R$ 22 milhões. A reviravolta no balanço financeiro é fruto da transformação na gestão iniciada, em 2021, pelo presidente Fernando Tadeu Perez.

O movimento incluiu uma série de ações, principalmente na administração de pessoas. Houve corte de pelo menos 30% do quadro de funcionários. “E tomamos diversas medidas impopulares, como a volta ao regime 100% presencial e o corte de custos em várias áreas. Você tira todo mundo da zona de conforto”, disse o executivo, com vasta experiência nas áreas de recursos humanos em corporações como Itaú e Volkswagen.

A receita líquida da Tecnisa também apresentou crescimento. Atingiu R$ 140 milhões, aumento de 194% em relação ao mesmo intervalo do ano passado.

O incremento nos resultados, segundo Perez, é resultado de uma nova cultura organizacional que tem como premissa dois itens: o primeiro foi o diálogo olho no olho com os colaboradores para entender onde estavam os gargalos, o segundo foi a implementação de benefícios a todos os setores, como reforço no programa de Participação nos Lucros e Resultados e pagamento de bonificações mais altas do que os anos anteriores.

“A meu ver, a única maneira de tirar uma organização do prejuízo e voltar à lucratividade é cuidando das pessoas e não apenas administrando as planilhas financeiras.”
Fernando Tadeu Perez, presidente da Tecnisa


O empreendimento Kalea Jardins teve a cobertura vendida por R$ 32 milhões de forma 100% on-line. O VGV total é de
R$ 380 milhões (Crédito:Divulgação)

A estratégia envolveu ainda o estabelecimento de medidas que beneficiem inclusive os profissionais terceirizados. Neste caso, foi criado o Projeto Toalha, que disponibiliza diariamente, em todas as obras, uma estrutura de cabines de banheiros com chuveiros, toalhas e sabonetes.

Também foram estruturadas padarias nos canteiros que, além de três tipos de pão, oferecem frios e sucos. A principal novidade é o programa de alfabetização adulta Ler e Construir, com duas horas diárias de aulas de segunda a sexta-feira.

A recompensa veio: a empresa conquistou este ano o selo Great Place To Work (GPTW) com 86 pontos de nota, sendo que a mínima para a certificação é 70. A organização tem no total cerca de 500 colaboradores.

Sem promover lançamentos no primeiro trimestre, a empresa obteve a maior parte do crescimento da venda dos estoques de lançamentos realizados no quarto trimestre de 2022. As vendas líquidas chegaram a R$ 114,3 milhões nos três primeiros meses de 2023, alta de 66,2% contra o mesmo período do ano anterior.

O presidente da empresa afirmou também que a companhia aguarda a realização de novos leilões dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) na região do Jardim das Perdizes, bairro nobre na Zona Oeste de São Paulo, onde a Tecnisa tem 80% do seu banco de terrenos.

Os Cepacs são certificados emitidos pela prefeitura da capital paulista que permitem que se amplie a área a ser construída em terrenos disponíveis. “O leilão deve dar uma agilizada nos lançamentos.”

Estratégia digital

Em 2022, os empreendimentos lançados pela empresa, todos na capital paulista, totalizaram um Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 993,4 milhões. Apenas a cobertura de 728 m² do empreendimento Kalea Jardins foi vendida em fevereiro por R$ 32 milhões, e de maneira totalmente on-line.

Antes de fechar o negócio, o comprador conheceu o apartamento e as áreas comuns por meio do Virtrueal Experiência 3D, tour virtual e imersivo lançado em dezembro pela construtora. “Foi a primeira vez que negociamos um apartamento de valor agregado tão alto de forma digital”, disse o presidente.

Na visão de Perez, os quatro lançamentos promovidos no ano passado e os cinco estudados para 2023, além de nova estratégia comercial, de redução dos custos e de reformulação dos processos, continuarão trazendo melhores resultados a cada trimestre. “Isso nos motiva a intensificar o trabalho para darmos prosseguimento à retomada da lucratividade”, afirmou.

Mas a tarefa mostra-se desafiadora. Diante da alta dos juros, que impactam no financiamento, e da tentativa de imposição de condições pelos clientes na hora da compra, as margens têm ficado muito pressionadas. “Trabalhamos com margens bem reduzidas, mas tem hora que é melhor não vender do que vender sem margem alguma.”

A aposta no segmento econômico

A mudança cultural e o turnaround promovido pelo executivo envolvem também a expansão dos segmentos atendidos. Focada no médio, médio-alto e alto padrão, a Tecnisa deve voltar a apostar em imóveis econômicos, com a criação de uma subsidiária. “A margem é menor, mas se ganha mais no volume”, disse.

O movimento não é novo nos 45 anos de história da empresa, mas antigamente ruiu, de acordo com Perez, por uma estratégia errada na condução do processo. “Sempre digo que se você observar uma Ferrari e um Fusca vai ver carros. Mas se falar para os caras que fazem a Ferrari produzirem o Fusca não vai dar certo”, disse. “É a mesma coisa no caso de moradias. A forma de produzir e de trabalhar é outra.”

De acordo com o executivo, muitas das características dos produtos de alto padrão da Tecnisa foram utilizadas na produção dos imóveis econômicos, o que encareceu bastante os projetos e prejudicou a rentabilidade. Por isso a empresa pretende buscar um parceiro para dar início ao processo ainda no segundo semestre deste ano.

Para Caio Carrato, diretor de operações da Ape11, plataforma digital para compra e venda de imóveis em São Paulo, a estratégia da empresa de novamente buscar espaço entre os players do segmento econômico é acertada. O alto déficit habitacional no Brasil – de 5,9 milhões de unidades, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) – e o subsídio oferecido pelo governo federal no programa Minha Casa, Minha Vida são vistos como atrativos.

“Você tem um viés político governamental, de incentivo, que impulsiona esse setor”, disse Carrato. Para o especialista, o risco é quando ocorrem os controles de inflação. “Aí, a margem que já é apertada fica praticamente espremida. Além do grande desafio da alta dos preços dos materiais.” Ao que tudo indica, um risco que a Tecnisa se mostra mais do que disposta a correr.