Fintechs, educação financeira e recuperação da capacidade de pagamento
Por Linconl Rocha
As fintechs já respondem por 5,5% do crédito para pessoas físicas e 1,3% para pessoas jurídicas no Brasil, segundo informações da última edição do Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central. No ano passado, o volume de crédito concedido por fintechs no País foi de R$ 12,8 bilhões, quase o dobro em relação a 2020 e 383% acima dos R$ 2,6 bilhões registrados em 2019. Embora sejam valores significativos, esses percentuais e bilhões de reais enganam, pois estão fortemente concentrados em nichos e segmentos da base da pirâmide econômica: microempresas, MEIs e pessoas físicas que ainda são novatas no uso do sistema financeiro. Adicionalmente, grande parte do crédito se faz por meio de cartões, a principal fonte de financiamento para as camadas de renda mais baixa.
Um estudo publicado pela Serasa Experian revelou que o setor de fintechs acumula alta no volume de crédito concedido de 1.045,1% entre 2016 e 2021, crescimento de 62,8% ao ano — 7,8 vezes mais rápido do que o do mercado de crédito em geral. O crescimento das demais instituições financeiras foi de 47,6% no período (ou 8,1% ao ano). Considerando o Sistema Financeiro Nacional (SFN), o volume oferecido passou de R$ 3,174 trilhões para R$ 4,685 trilhões, enquanto as startups do setor foram de R$ 4,8 bilhões para R$ 55 bilhões. Isso comprova que as fintechs estão cumprindo seu papel de propiciar a democratização, a inclusão e a maior competitividade dentro do sistema financeiro, principalmente nas atividades típicas de bancos comerciais e empresas de pagamentos.
“No cenário atual de elevado endividamento, não basta conceder crédito fácil e sem burocracia. É preciso promover educação financeira, hoje a cargo de entidades públicas e, parcialmente, de bancos tradicionais. O papel das fintechs é quase irrelevante nesse sentido”
Além disso, o aumento da participação das entrantes digitais ocorreu principalmente em modalidades de maior risco, caso do capital de giro para micro e pequenas empresas. Esse fenômeno se deu na contramão da piora na capacidade de pagamento dos tomadores de crédito em geral. Não vamos aqui explorar causas (pandemia, guerra, juros altos), mas sim o efeito. O comprometimento da renda das famílias com dívidas de crédito afeta toda a economia, e também as fintechs.
Na essência, essas entidades vieram para subverter lógicas consolidadas, quebrar paradigmas e criar a melhor experiência para o cliente, colocado no centro. Depois de atrair públicos com pouco domínio das questões financeiras e que não aceitam mais serviços presenciais, essas instituições inovadoras precisam dar um passo adicional para cumprir integralmente seu propósito. No cenário atual de elevado endividamento, não basta conceder crédito fácil e sem burocracia (a maioria das finctechs diz conseguir realizar a análise de crédito e a liberação do empréstimo em menos de 24 horas). É preciso promover educação financeira, hoje a cargo de entidades públicas e, parcialmente, de bancos tradicionais. O papel das fintechs é quase irrelevante nesse sentido.
Com um quadro de juros altos e endividamento em níveis absurdos, está na hora dessas empresas, ágeis, inovadoras, agressivas e com muita tecnologia embarcada, mudarem um pouco as suas prioridades. Recuperar a capacidade de pagamento das dívidas de seus clientes mantendo o atendimento às suas necessidades familiares básicas deve ser um mantra. Chamem seus gestores, especialistas em TI e consultores de marketing para criar agressivos programas de recuperação da capacidade de pagamento dos clientes. As fintechs estão devendo esse comportamento ao mercado. Sem isso, em pouco tempo não terão mais valor.
Linconl Rocha CEO da Trigg e presidente da Pagos.org