Lira sela o destino das pautas econômicas
Presidente da Câmara tem nas mãos ao menos cinco temas relevantes para o andamento da economia — E que poderão ser ofuscados pela agenda particular do parlamentar
Por Paula Cristina
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é hoje a figura mais influente na política brasileira. Com ares e poderes que ultrapassam as limitações do próprio cargo, o alagoano de família política e que transita neste meio desde os anos 1990 equilibra o verniz de harmonia com o poder Executivo, a pressão da ala antipetista no Legislativo e, mais recentemente, a iminência de uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesse turbilhão de acontecimentos, Lira promete avançar com pautas econômicas que são, segundo ele, “de interesse do governo e do Brasil”. Medidas que envolvem revisões na construção civil, métricas novas para decisões jurídicas, estímulo à indústria e reformas estruturantes. Tudo isso antes do recesso parlamentar, que começa em 17 de julho. Mas, afinal, será que Lira está assim tão motivado em votar as questões econômicas?
E a resposta é: depende. O histórico de votação do deputado na Câmara impressiona. Desde 2010 a posição ideológica do político que se diz “liberal na economia e conservador nos costumes” é curiosa — e contraditória. Ao todo ele votou em 636 pautas diretamente ou indiretamente ligadas à economia.
Destas, 214 envolviam subsídios, benefícios, benesses, vantagens competitivas para empresas e em 139 das oportunidades Lira votou pela manutenção ou criação de dispositivos em que o governo socorre o empresariado. Em outras 55 ele se absteve de votar.
Lira também participou da votação de seis reformas estruturantes. E em cinco votou pela reforma e em três delas apresentou ou apoiou emendas que aumentavam as obrigações de despesas públicas, como a revisão da idade mínima na Reforma da Previdência. Os dados são compilados, apurados e periciados pelo Portal da Transparência da Câmara dos Deputados, com base nas atas de votação.
O presidente da câmara se diz liberal na economia, mas votou a favor de aumentar o tamanho do estado por meio de subsídios para empresas em 139 das 214 vezes que o tema foi para o plenário da casa legislativa
Bússola do voto de Lira é regida pelo poder
Ao olhar com mais profundidade as matérias ligadas aos subsídios em que Lira votou contra a criação ou a favor da extinção de benesses, um padrão. Todos os 20 votos aconteceram durante o governo Dilma Rousseff, sendo 14 deles textos encaminhados pelo próprio governo ou base governista, durante a crise institucional que resultou no impeachment da petista.
Isso significa duas coisas: primeiro que Lira tem, pelo seu próprio histórico, inclinação em aprovar medidas que ajudem empresários com recursos públicos, o que está longe do conceito de liberalismo econômico desenhado por Adam Smith. O segundo ponto é que, como membro-honorário do Centrão, Lira acompanha a maré da expectativa do poder para guiar seu comportamento muito mais do que qualquer viés ideológico.
Nesse ponto é que entra em cena a distopia única que o Brasil e seus ideologismos políticos produziram.
Hoje o governo Lula, historicamente menos liberal e mais adepto à interferência de Estado na economia, pede ajustes que diminuam as obrigações públicas com o empresário — com a meta de reequelibrar as contas públicas. Esse foi o objetivo do Arcabouço Fiscal e são os focos das Reformas Tributária e do Imposto de Renda.
O relator da Reforma Tributária e líder da maioria na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro, confirmou À DINHEIRO que a votação deve acontecer na primeira semana de julho. “Nosso sistema tributário atual é complexo, ineficiente e injusto”, disse.
O político do PP (partido de Lira) defende no relatório o imposto de consumo por meio do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Sobre as aplicações de tarifas especiais (nome usado para desviar do termo subsídio ou renúncia fiscal), a reposta ainda é vaga. “Queremos que sua aplicação seja em elos da cadeia e não em um setor como um todo.
Questionado sobre quais seriam esses áreas, ele citou educação, saúde e transporte público. “Precisamos considerar manter o regime especial para a cesta básica.”
O texto do relator ainda deve enfrentar resistência e ter alterações, em especial as que virão pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que preferia o avanço da reforma sob outros moldes. Para aliados, Pacheco tem questionado o posicionamento de Lira na condução das discussões e tem se mostrado mais próximo do presidente Lula do que de seu par no Legislativo.
Projetos sociais e de estímulo à produção
Outro tema que deve ser votado nas próximas semanas é a nova regulamentação para o Minha Casa Minha Vida. A relatoria ficou com o deputado Marangoni (União-SP), também escolhido por Lira. O relatório liberado em 1º de junho tira a exclusividade da Caixa, abrindo espaço para bancos privados e cooperativas de crédito.
O deputado também aumentou a fatia de subsídios para as construtoras em todas as faixas em três categorias: verde (para intervenções sustentáveis); de localização (para obras nos centros urbanos) e de qualificação (quando o empreendimento terá também estrutura comercial).
A estimativa do deputado é que o texto seja apreciado no plenário ainda no primeiro semestre. O parlamentar também deve guiar um projeto do governo de estímulo à industria, compromisso de Lula com o presidente da Fiesp, Josué Gomes. Os moldes — e o peso das desonerações —, no entanto, devem aumentar quando passarem pelo Legislativo.
Lula precisa de celeridade nas decisões do Congresso, em especial para aprovação de
medidas provisórias com prazo para caducar e as reformas estruturantes
Na prerrogativa do tempo, a questão do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) é urgente. Isso porque a validade de seis meses instaurada pela Medida Provisória editada por Lula no primeiro dia de janeiro perdeu a validade na virada de maio para junho.
O voto de qualidade (de minerva em caso de empate) a favor do Fisco foi uma solução do ministro Fernando Haddad e que poderia elevar a arrecadação do governo em R$ 50 bilhões.
Como a medida caducou, as ações empatadas voltam a ser favoráveis aos empresários. Também está no regime de urgência da Câmara a Reforma do Imposto de Renda, a criação de impostos para lucros e dividendos e grandes fortunas e a revisão dos subsídios de áreas específicas de fomento econômico, como a Zona Franca de Manaus.
E, enquanto todos esses temas se acumulam na mesa do presidente da Câmara, uma preocupação pode ser determinante para o bom (ou mau) humor de Lira. O andamento de investigações no Supremo Tribunal Federal. Na terça-feira (6) a Corte arquivou a denúncia aberta por ela mesma em 2019 sobre uma acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) envolvendo corrupção e propina em São Paulo.
Esse alívio, no entanto, não é eterno. Outras quatro ações contra ele correm no STF.