O marketing visto pelo provocador Chris Kneeland, da Cult Collective
Por Flávia Gianini e Celso Masson
Criado há dez anos em Banff, no Canadá, The Gathering Summit é um dos eventos mais exclusivos do mundo do marketing. Por trás do sucesso de cada edição, que reúne cerca de 2 mil participantes para discutir o futuro das marcas, está o provocador Chris Kneeland. Estudioso das cult brands (marcas que ocupam espaço na memória do consumidor em função de seu impacto cultural), Kneeland é também um crítico das práticas mais correntes do marketing, que considera frutos da preguiça e da preocupação exclusiva com o lucro.
Para ele, os fatores que levam uma marca a se tornar notável têm menos relação com o investimento em publicidade e mais com os esforços para entender e atender as necessidades do cliente. Sua empresa, a Cult Collective, é associada no Brasil à iN Consultoria de Marcas, que também representa o evento The Gathering no País. A empresa planeja uma edição nacional no ano que vem.
O que é uma marca cult e quais características as diferenciam das demais?
Marcas cult são as que desfrutam de níveis elevados de conexões emocionais com seus clientes. Eles não apenas compram, mas aceitam. Consideram a marca alinhada com seus valores e querem se associar a outras pessoas que também adoram a marca. As marcas cult colhem enormes benefícios associados à lealdade e ao boca a boca, bem como à mídia conquistada dos setores que atendem.
Quais os elementos necessários para construir uma marca cult?
Estudamos centenas de marcas nos últimos 20 anos. Marcas cult podem ser encontradas na maioria dos setores, tanto B2C quanto B2B. O mais importante são os ideais, ambições e expectativas do fundador ou líder atual. As marcas cult são especiais porque seus líderes querem que elas sejam especiais e fazem coisas difíceis e necessárias para que sejam especiais. A maioria dos líderes só quer ter sucesso financeiro. Receitas e lucros devem ser os meios para o fim, não o objetivo final. Quando os líderes se concentram apenas no dinheiro, eles não conseguem conquistar os corações e as mentes de seus clientes e funcionários.
Como uma marca pode construir uma comunidade de fãs em torno de si mesma e por que isso é importante?
O que é incrível é que a maioria das marcas cult têm seguidores que elas mesmas não criaram. Em vez disso, os fãs da marca encontram maneiras de se conectar e de se reunir. Considere um time profissional de esportes, por exemplo. Os torcedores vão ao estádio, pagam ingresso, gastam com comida e bebida, vestem a camisa de seus jogadores favoritos e até pintam seus rostos com as cores do time. Tudo por conta própria, ainda que as torcidas organizadas tenham alguns privilégios. Marcas de culto podem dar a seus seguidores ferramentas e acesso, mas eles fazem a maior parte do trabalho pesado por conta própria.
Quais são os exemplos mais notáveis de marcas cult e o que podemos aprender com elas?
Os exemplos mais populares do mundo de marcas cult são Apple, Nike, Starbucks, Disney, Tesla, Marvel… Mas eu gosto de focar em outras, como Porsche e Jeep, Levi’s e Converse, McDonald’s e até mesmo o estado do Texas ou a cidade de Las Vegas. O que você descobrirá ao estudar essas marcas é como elas são intencionais em afirmar algo além dos benefícios funcionais. Elas humanizam seus negócios e os tornam muito relacionáveis com tipos específicos de pessoas.
Como uma marca cult pode manter sua autenticidade e conexão com seus seguidores à medida que cresce e se expande?
Um famoso publicitário uma vez brincou: “Quão grande um negócio pode chegar antes de ficar ruim?”. O crescimento é difícil. Especialmente quando os fundadores da empresa se aposentam e são substituídos por novas equipes de liderança menos comprometidas com os nobres ideais de marca que governaram os primeiros dias de uma empresa. E abrir o capital muda a empresa, concentrando os líderes mais nos ganhos trimestrais do que no envolvimento do cliente. Manter a autenticidade requer muita coragem e o desejo de não seguir o caminho já trilhado.
Como se adaptar às mudanças do mercado e às necessidades do negócio sem perder identidade?
Canais e táticas de marketing vêm e vão, mas uma identidade de marca legítima deve ser atemporal. Pense na Coca Cola ou na Harley Davidson. Essas marcas existem há mais de um século e permaneceram relevantes por se manterem fiéis aos seus valores fundamentais, independentemente de qualquer modismo.
Como você vê o papel do marketing na era digital e como ele evoluiu ao longo dos anos?
Muitos profissionais de marketing pensam nas ferramentas digitais como uma forma de aumentar a publicidade e adquirir clientes. É por isso que o Google e o Facebook estão ficando tão ricos. O melhor uso das ferramentas digitais, porém, é melhorar a experiência do cliente. Torne os produtos mais fáceis ou mais divertidos de comprar. Facilite o compartilhamento de feedback. Facilite a recompra e a indicação. Os melhores profissionais de marketing estão menos focados na criação de anúncios e mais em criar defensores, aprimorando as principais propostas de valor de sua marca.
Quais são as principais estratégias de marketing que você considera eficazes hoje?
As melhores estratégias de marketing envolvem três questões: 1) a organização conhece seu cliente melhor do que ninguém? 2) a empresa está criando produtos e serviços que tornam a interação com o negócio irresistível? 3) a organização está medindo e distribuindo recursos adequadamente de forma a garantir o maior impacto?
Mesmo que as respostas para as três questões acima sejam sim, como criar uma marca forte e se diferenciar em um mercado altamente competitivo?
A chave para a diferenciação é ser melhor, não dizer que você é melhor. A maioria das empresas é medíocre e gasta muito dinheiro tentando dizer às pessoas como elas são incríveis. Quando isso falha, eles subornam as pessoas com grandes descontos e imploram para que comprem. As melhores marcas criam uma diferenciação significativa. Elas são realmente melhores, não apenas 10% ou 20% melhores, mas 50% ou 100% melhores. As marcas mais fortes desenvolvem os diferenciadores mais atraentes.
Como você pode medir esses diferenciais e o sucesso de uma marca além das métricas tradicionais de vendas e lucratividade?
Existem várias maneiras de medir o apego emocional a uma marca. As melhores métricas são preditivas do desempenho futuro. Desenvolvemos nosso próprio scorecard, chamado Quociente Emocional do Cliente (CEQ). Ele faz 16 perguntas sobre os motivadores emocionais e racionais mais importantes que afetam a afinidade com a marca e as compras. Estamos vivendo a era de intimidade de marcas: cada segundo de contato com seu público importa. Mas existe uma diferença entre uma cult brand e uma love brand. O amor pela cult brand não pode ser platônico.