Os arrojados lances brasileiros lá fora

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Carlos José Marques: "Lula acredita que pode impulsionar um comércio paralelo que não ficaria sujeito aos humores e ressalvas dos americanos" (Crédito: Montagem/ Istockphoto/ Divulgação)

Por Carlos José Marques

O Brasil vai trilhando um caminho muito peculiar no front externo que passa por ousadias como a de criar uma moeda comum entre os vizinhos do Mercosul, envolver o Brics — o grupo dos países emergentes — em uma ampliação de estrutura não planejada e ainda ameaçar a União Europeia com o rompimento do pretendido acordo de blocos caso os parceiros insistam na ideia de suspensão das compras governamentais que hoje alimentam as médias e pequenas empresas locais.

É muita confusão em um palco de disputas já difusas. Sob sanções, os russos simpatizam com a ideia de driblar o dólar, passando a fechar contratos com empresas daqui em outro patamar, com uma unidade monetária diferente que não beneficie o arquirrival EUA.

Mas isso é pouco para que o plano idílico de um dinheiro latino-americano comum e forte decole. Qual o sonho de Lula nesse pormenor? Embora não haja detalhamento técnico, o movimento teria um objetivo muito mais político. Uma resposta às pressões de Tio Sam e a suas incômodas interferências nas economias da região.

O presidente brasileiro acredita que pode impulsionar um comércio paralelo que não ficaria sujeito aos humores e ressalvas dos americanos.

Soaria quase como um grito de independência. Mas o setor produtivo, daqui e de fora, rechaça com veemência a alternativa. Acredita que uma moeda única diminuiria a relevância e o papel do Brasil frente aos demais e ainda geraria prejuízos.

Enquanto o governo vai criando espuma nessa história também tenta mostrar protagonismo na patota dos Brics, ainda mais agora que assumiu a presidência do banco da organização, entregue nas mãos de Dilma Rousseff.

A ideia é ampliar o número de participantes da estrutura, incluindo Arábia Saudita e Indonésia. Venezuela também quer entrar e tem o aval e simpatia de Lula. Especialistas dizem que, mais uma vez, caso levado adiante, será um tiro n’água em termos de diplomacia internacional.

O Brasil, em vez de conquistar espaço, terá sua voz diminuída justamente devido a maior quantidade de participantes do Brics. A redução de poder também pode ser verificada a partir de uma gradativa diminuição de oportunidades, afinal o bolo a dividir será menor.

Dentro de um bloco que já conta com duas grandes potências como China e Rússia, Arábia Saudita irá, decerto, arrancar nacos importantes dos negócios nacionais, tal como a Indonésia, que se desenvolve a olhos vistos.

É por essas e outras que as articulações externas do governo Lula já começam a ser encaradas com alguma desconfiança. Ninguém leva muito a sério mesmo que ele seja capaz de inviabilizar o já arrastado entendimento entre o Mercosul e a União Europeia.

Pode fazer charme para valorizar o passe brasileiro, mas sabe que tem muito a perder postergando o acordo. A expectativa é de uma conclusão de entendimentos e das negociações até, no máximo, o final do ano.

Para os europeus, o movimento é não apenas comercial como também político e pode mudar a composição de forças no tabuleiro global.

Parcela significativa das exportações e importações nessa via bilateral foi perdida nos últimos tempos e interessa a ambos os lados a recuperação e incremento desse comércio. Pelo visto, é preciso mesmo que o Brasil calcule melhor as suas próximas jogadas globais.

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três