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Das vacinas aos genéricos: como a Sanofi cresce sem parar no Brasil

Com forte base em pesquisa & desenvolvimento, farmacêutica francesa cresce no Brasil com genéricos, duplica fornecimento para o programa Farmácia Popular e investe R$ 100 milhões na ampliação da fábrica da marca Medley em Campinas (SP)

Crédito: Claudio Gatti

Presidente da Sanofi no Brasil, Fernado Sampaio lidera a companhia com uma estratégia de diversificação (Crédito: Claudio Gatti)

Por Lara Sant’anna

Nos últimos 100 anos, o negócio do laboratório francês Sanofi no Brasil é criar soluções. A origem da companhia no País remonta a 1919, durante uma das mais avassaladoras pandemias da história, a gripe espanhola, que matou mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo ­— sete vezes mais que a Covid-19. A empresa se especializou em vacinas, medicamentos de alta complexidade e tratamentos para doenças crônicas. Mais recentemente, também encontrou uma fórmula para crescer no Brasil: os genéricos. Ao comprar a Medley, em 2009, a companhia se consolidou entre as protagonistas no mercado nacional de medicamentos.

Da pesquisa de ponta até o fornecimento de genéricos, a estratégia da Sanofi fez do Brasil um dos dez maiores mercados para a companhia, mesmo representando apenas 2% da receita. Dos 42,9 bilhões de euros em vendas reportados no ano passado, 927 milhões de euros saíram daqui.

O País, no entanto, representa a maior plataforma industrial da empresa fora da Europa. São duas fábricas com capacidade de produzir 420 milhões de doses de medicamentos por ano.

Para o presidente da Sanofi no Brasil, Fernando Sampaio, a capilaridade de atuação e o crescimento constante do setor nos últimos anos tornam a operação local estratégica para o grupo.

“Vemos a Sanofi com esse nível de faturamento, com esse crescimento e temos a expectativa de seguir dessa forma pelo menos na próxima década.”
Presidente da Sanofi no Brasil, Fernando Sampaio

O genérico, claro, é um dos impulsionadores do sucesso brasileiro. Apenas a Medley obteve faturamento de R$ 1,8 bilhão em 2022. A receita acompanha o desenvolvimento do mercado nacional.

Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), nos últimos cinco anos as vendas saltaram 73%, saindo de R$ 8,8 bilhões em 2018 para R$ 15,3 bilhões no ano passado. Além disso, 90% das doenças conhecidas possuem cobertura medicinal sem patente.

Sanofi possui duas fábricas no País capazes de produzir 420 milhões de medicamentos por ano. Estrutura é a maior da empresa fora da Europa (Crédito:Divulgação)

Uma história de pioneirismo

Para suportar o crescimento da produção da unidade de genéricos, a Sanofi está investindo aproximadamente R$ 100 milhões na ampliação da fábrica da Medley em Campinas (SP), que deve ser finalizada até 2025 e irá suportar o crescimento até 2028.

Além do investimento fabril, a Medley recebe um aporte importante, na ordem de R$ 35 milhões ao ano, voltado à pesquisa & desenvolvimento (P&D). Esse dinheiro é responsável direto por 10% a 15% do crescimento da Medley.

O desafio está na velocidade de disponibilização de medicamentos após a derrubada da patente, por isso 70 cientistas trabalham nessa frente. Em 2022, foram nove medicamentos lançados e para este ano, outros oito estão previstos.

A Medley surgiu no começo da história dos medicamentos genéricos no Brasil, em 1996. Foi criada por Alexandre Negrão, que faleceu aos 70 anos no mês passado, e incorporada pela Sanofi em 2009. Hoje, é a terceira maior produtora de genéricos, considerando o mercado total em valor e em volume. Analisado apenas as categorias em que atua, o crescimento foi de 33% em valor e 28% em volume.

Fábrica da Mdley, localizada em Campinas, recebe investimento de R$ 100 milhões para ampliar capacidade produtiva (Crédito:Divulgação)
Medley investe em comunicação com foco em saúde mental. À frente das campanhas nomes como Rodrigo Hilbert e Rebecca Andrade (Crédito:Divulgação)

Parte significativa dessa performance da Medley, e de todo o mercado de genéricos, é o programa federal Farmácia Popular. Enquanto no mercado geral de medicamentos os genéricos possuem 35% de participação, dentro do programa de distribuição do Ministério da Saúde correspondem a 85%.

Nos últimos 12 meses, a Medley mais do que dobrou o número de medicamentos no programa, mesmo com as dificuldades financeiras que ele impõe. “Apoiar o Farmácia Popular é um desafio, porque a rentabilidade é muito baixa ou não existe”, disse Sampaio.

Qual o ganho para a empresa em apostar no programa, então? O volume de produção é a resposta.

“Quando você aumenta sua produção você otimiza a utilização do sítio fabril e tem ganho em escala, que traz benefícios de custo. É um jogo.”
 Fernando Sampaio, presidente da Sanofi

Para o economista e especialista no setor farmacêutico Pedro Bernardo, essa dificuldade em rentabilizar é o que tira outros grandes grupos internacionais do jogo de volume, e traz um diferencial para a Sanofi. “É uma estratégia interessante, porque ela atua nas duas pontas. Tanto para o mercado de alto volume e baixo preço, como também de produtos para tratamentos mais personalizados e de alto custo”, disse.

A aposta em comunicação

Outra parte importante da estratégia de crescimento da Medley é a visibilidade. Para isso, entra o trabalho de comunicação e de marketing.

Este ano, a empresa anunciou o patrocínio ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), com foco na Olimpíada de Paris, no ano que vem, além de apoiar alguns atletas, como a ginasta Rebecca Andrade, a nadadora Ana Marcela Cunha e o corredor em barreira Alisson dos Santos. Junto deles, o time de garotos-propaganda da Medley traz o ator e apresentador Rodrigo Hilbert.

O mote das campanhas e a aproximação com o esporte têm como foco a saúde mental. Remédios para o Sistema Nervoso Central é a principal categoria de atuação da Medley e uma das principais do segmento de genéricos.

Segundo a PróGenéricos, 65,3% dos medicamentos para depressão e 72,07% para ansiedade são dessa categoria. Além disso, saúde mental é, infelizmente, um mercado crescente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 9,3% dos brasileiros possuem ansiedade, o que deixa o Brasil no topo da lista do transtorno.

Os genéricos são igualmente importantes aliados no tratamento de hipertensão, com 73,5% de participação, e do colesterol, com 79,4%. É claro que num país pobre como o Brasil, a preferência pelo genérico tem causa conhecida, o custo.

A PróGenéricos aponta que quatro a cada cinco pessoas decidem pelo genérico com base no preço, que por lei é no mínimo 35% menor que o produto de referência – com o aumento da concorrência, no entanto, a diferença sobe para 60% em média.

Em 24 anos, os genéricos geraram uma economia de R$ 241 bilhões para o consumidor. Além disso, a abrangência da categoria no mundo mostra o potencial para Brasil.

Nos Estados Unidos, onde a modalidade iniciou, a participação de mercado dos medicamentos sem patente é de 60%, enquanto no Reino Unido é de 74%. Para crescer o consumo, entram então as campanhas de conscientização sobre a modalidade e a seguridade da lei de patentes, por vezes revisitada pelas farmacêuticas na tentativa de ganharem mais prazo de exploração, hoje em 20 anos.

O prazo tem a ver com os pesados investimentos em inovação e descobertas de novas drogas. Para isso vale um breve passeio histórico. Quando a penicilina foi descoberta em 1928 por Alexander Fleming já existiam automóveis, aviões e a Primeira Guerra Mundial havia acabado. São apenas 95 anos que separam o controle de infecções bacterianas e a vacina de Covid-19.

Colocar isso em perspectiva ajuda a entender como a ciência e a indústria farmacêutica evoluíram rapidamente, tudo na base do investimento e da pesquisa, os dois impulsionadores de crescimento do setor.

Segundo dados do Statista, em 2022 foram gastos no setor o equivalente a 222 bilhões de euros no mundo em P&D. A Sanofi, considerando sua atuação global, figura entre as primeiras colocadas: foram 6,7 bilhões de euros. Atualmente, dos 78 projetos de P&D em andamento globalmente pela Sanofi, 24 são focados em imunologia e 23 em oncologia. Do total, 22 projetos estão na Fase 3 (estágio final de desenvolvimento) e dois em fase de submissão às autoridades regulatórias.

O grosso desse trabalho fica concentrado na Europa e nos Estados Unidos, os principais mercados da empresa, mas, considerando a etapa de testes clínicos, o Brasil é contemplado.

Diversificação, a estratégia para crescer

A Sanofi se organiza em quatro grandes áreas de negócios:

  1. Vacinas, na qual é uma das principais fabricantes da vacina da gripe;
  2. Speciality care (cuidado especializado), com medicamentos de alta tecnologia e pesquisa disruptiva;
  3. Consumer healthcare (saúde do consumidor), com medicamentos para venda sem receita, como Dorflex, mais vendido no País na categoria;
  4. General medicine (medicamentos em geral), que inclui drogas tradicionais e de doenças crônicas.

No Brasil, essa área representa cerca de 50% do faturamento e é onde a Medley está inserida. A atuação ampla, de acordo com Sampaio, integra a estratégia de estar presente em todas as frentes da saúde da população.

Desde a prevenção, passando por garantir acessibilidade de produtos, até o desenvolvimento específico para doenças graves. “Quando você começa a entender as necessidades de quem você quer servir, vai adaptando e ajustando a sua forma de atuar”, disse.

Para o especialista Pedro Bernardo, a indústria nacional tem crescido na base dos medicamentos genéricos e biossimilares e com a compra de marcas já consolidadas das farmacêuticas internacionais.

A própria Sanofi fez alguns movimentos recentes que integram essa movimentação. Nos últimos anos, vendeu algumas marcas para a Hypera, por US$ 190,3 milhões, e ativos para a Eurofarma, por 67,8 milhões de euros, além da marca Dermacyd, para a EMS, por 66 milhões de euros.

O presidente Fernando Sampaio diz que o movimento integra a estratégia de priorização de portfólio. “Avaliamos regularmente como focar e simplificar nosso portfólio para fortalecer nosso negócio e acelerar nosso crescimento.” Ao que tudo indica, a Sanofi já aprovou sua fórmula brasileira.

ENTREVISTA
Fernando Sampaio presidente da sanofi no brasil

Por que o Brasil é importante para a Sanofi no mundo?
Justamente pela beleza e resiliência do mercado brasileiro, que vem crescendo de forma robusta e consistente durante mais de uma década. Além disso, quando você olha para o futuro vê que ele vai seguir na mesma direção. São poucos os países que promovem um crescimento do mercado privado e de saúde pública. Ou seja, temos várias frentes e vários mecanismos para geração de acesso.

Fernando Sampaio: “A transformação do modelo mental nos levou a dar o foco maior no paciente” (Crédito:Claudio Gatti)

Como é a relação da indústria com o poder público?
Fiquei sete anos fora do Brasil e quando voltei fiquei assustado com a transformação do mercado brasileiro. Eu vejo um Ministério da Saúde ainda mais engajado, envolvido e aumentando o nível de assistência à população, ou seja, gerando a oportunidade de a indústria crescer e da assistência ao paciente brasileiro também crescer.

E a relação com o privado?
Com o mercado privado, percebo evolução ainda maior. Podemos separá-lo em duas partes. O varejo, que é a parte de distribuição e de farmácia. Do outro lado, a área de pagadores privados e mercado hospitalar. É um enorme desenvolvimento. Saí do Brasil em 2015, o mercado crescia dois dígitos. Voltei em 2021, o mercado continua crescendo a dois dígitos. Ou seja, tem uma carência, tem uma necessidade, tem o potencial de expansão.

Quais os legados da pandemia para a indústria farmacêutica?
A transformação digital teve um papel de destaque nesse processo, com o avanço tecnológico que a gente teve nesse sentido, promovendo mudanças na forma de trabalhar e com a criação de soluções para atender os pacientes nos momentos de dificuldade.

Algum avanço marcante?
Outra coisa que avançou muito e é muito importante para a sociedade brasileira foi o desenvolvimento da bula digital. Hoje todos os medicamentos da companhia têm bula digital. Alguns deles, que são injetáveis, trazem vídeo de orientações de como utilizá-lo. Uma transformação do modelo mental que nos levou a dar foco no paciente, para simplificar sua jornada na busca da saúde.