Inconsistência? Não, fraude contábil
Em depoimento à CPI da Câmara que investiga a crise na Americanas, o atual diretor-presidente acusa antigos executivos de esquema nas demonstrações financeiras para ocultar prejuízos. Ações da empresa disparam com possível socorro de acionistas
Por Celso Masson
Ainda longe de seus últimos capítulos, a novela da Americanas teve uma semana de revelações surpreendentes, com a divulgação de detalhes sobre as irregularidades que eram praticadas pela gestão anterior. Convocado pela CPI da Câmara dos Deputados que investiga a crise na companhia, seu atual diretor-presidente, Leonardo Coelho Pereira, afirmou na terça-feira (13) ter provas de que antigos executivos cometeram “fraude contábil”.
O esquema montado por ex-diretores havia sido publicado horas antes, em documento assinado pela diretora financeira e de Relações com Investidores Camille Loyo Faria.
“Pela primeira vez, a Americanas não chama mais essa crise de inconsistências contábeis, ela chama de fraude”, disse Pereira aos parlamentares.
Ele apresentou à CPI e-mails que evidenciam as irregularidades e que, segundo ele, demonstram certa conivência das empresas de auditoria KPMG e PwC.
Escândalo contábil para ficar na história
O escândalo sobre a situação financeira da empresa veio à tona em janeiro deste ano, quando o executivo Sergio Rial, que permaneceu no cargo de CEO por apenas uma semana, divulgou prejuízos não declarados que somariam R$ 20 bilhões.
Após a revelação do rombo e da impossibilidade de honrar os pagamentos a mais de 4 mil fornecedores, seguiram-se estimativas que elevaram a cifra para cerca de R$ 46 bilhões e a empresa entrou em Recuperação Judicial.
Porém, o modo como a antiga diretoria conseguiu mascarar as contas, lançando como lucro o que na realidade era prejuízo sem que isso fosse notado por auditores, permanecia um mistério.
Agora, após a criação de um comitê de investigação independente, foram identificados manobras para falsear a realidade da companhia.
Uma delas era a criação de contratos de verba de propaganda cooperada, conhecidos pela sigla VPC e usualmente utilizados no varejo para melhorar os resultados operacionais. Só que esses contratos não existiam.
Isso permitiu gerar um saldo fictício de R$ 21,7 bilhões (dados de 30 de setembro de 2022). Ainda de acordo com o fato relevante, outros R$ 3,6 bilhões resultaram da ausência de lançamentos de juros sobre operações financeiras. Só aí já são R$ 25,3 bilhões. Mas ainda há mais.
“A incorreta contabilização das operações de financiamento de compras e de capital de giro minorou sua dívida financeira bruta em R$ 20,6 bilhões.”
Camille Loyo Faria, diretora financeira e de Relações com Investidores
A soma beira R$ 46 bilhões. Como isso passou sem ser notado?
Responsabilização
Embora demonstrando cautela ao citar o envolvimento de auditorias, em seu depoimento à CPI o diretor-presidente Leonardo Coelho Pereira apresentou e-mails em que a diretoria da Americanas à época alterou o teor de declarações enviadas à KPMG para fazer crer que determinados temas não precisariam passar pelo conselho de administração.
No caso da PwC, a diretoria teria alterado a expressão risco sacado por outras mais genéricas, o que poderia induzir a um erro de avaliação do problema.
O comitê apontou que as fraudes tiveram a participação do ex-CEO Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
A assessoria de José Thimótheo de Barros afirmou que o fato relevante “contém inverdades e faz acusações que precisarão ser provadas”.
Segundo os escritórios Nunes Pereira Advogados e Moraes Pitombo e França, que defendem o executivo, os fatos apresentados na CPI, “de modo parcial para perturbar as apurações”, seriam parte de um relatório de investigação feita pelos advogados da empresa e não pelo comitê independente.
Alta no pregão
De seu lado, a Americanas teve de se manifestar sobre outro fato: o possível lock-up dos principais acionistas, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, sócios da 3G Capital.
Juntos, eles detêm cerca de 30% do controle acionário da Americanas. O termo lock-up se refere à proibição de negociar ações de uma companhia. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a B3 pediram esclarecimentos à varejista sobre a decisão do trio de manter os papéis da empresa por três anos.
A empresa afirmou que um grupo de credores solicitou o lock-up, mas que não há consenso sobre a proposta. Segundo Camille Loyo Faria, “a abrangência desse lock-up ainda está em discussão no âmbito do acordo mais amplo”.
Enquanto aguarda essa definição, o mercado aposta em um socorro da 3G Capital, que injetaria R$ 10 bilhões imediatamente na Americanas, podendo aportar outros R$ 4 bilhões em 2026 e 2027.
Ainda que não tenha sido confirmada, a informação elevou a cotação das ações em 12% no pregão da terça-feira (13). No ano, os papéis da empresa acumulam queda de 87%.