Inteligência artificial, Goodyear e imaginação versus execução
Por Norberto Zaiet
A presença maciça da inteligência artificial no mercado e nos meios de comunicação esconde o fato de que há muita coisa interessante no mundo dos investimentos sem relação alguma com a IA. Uma delas é a The Goodyear Tire & Rubber Company (NASDAQ: GT). Isso mesmo: a centenária Goodyear, fundada em 1898.
Passou quase despercebido, mas, no mês passado, a Elliott Investment Management, uma das maiores gestoras de investimentos norte-americanas, adquiriu 10% da GT e se tornou um dos principais acionistas da companhia. A Elliott é conhecida especialmente por seu ativismo corporativo. A gestora costuma adquirir uma participação significativa no capital das companhias investidas e exerce sua influência para transformar a maneira como elas são administradas. É especializada em identificar as value add opportunities, ou seja, empresas com baixa lucratividade que, com algumas mudanças de gestão, podem se tornar bastante rentáveis. Seria mais ou menos como comprar algo que vale R$ 1 por 20 centavos e mexer na gestão até que os 20 centavos se transformem, de fato, em R$ 1. No caso da GT, a Elliott indica que, caso suas recomendações sejam seguidas, o valor da ação pode mais que triplicar.
A Elliott acredita que, em primeiro lugar, é necessário recuperar a margem de lucro da companhia, hoje a menor da indústria, através da revisão completa da estrutura de despesas e o completo redesenho das estratégias de marca e distribuição. A gestora acredita ainda que existe uma quantidade importante de capital represado e subutilizado na rede de distribuição. Esse capital, se monetizado, traria uma folga de balanço importante, reduzindo o endividamento e permitindo mais flexibilidade. A venda das lojas de varejo poderia trazer mais de US$ 4 por ação de capital para a companhia. Para se ter uma ideia de como esse montante é significativo, antes do anúncio da Elliott a ação da GT era negociada por volta de US$ 10.
Implementar essas medidas exige um choque de gestão. O processo começaria com a indicação de cinco novos membros para o Conselho, provocando uma mudança cultural e ajudando a recompor a credibilidade após anos seguidos de surpresas negativas nos números.
“A Elliott Investment Management, uma das maiores gestoras de investimentos norte-americanas, se tornou um dos principais acionistas da Goodyear após adquirir 10% da companhia. Caso suas recomendações sejam seguidas, o valor da ação pode mais que triplicar”
A Goodyear é a maior fabricante de pneus nos EUA. É líder em pesquisa e desenvolvimento e é a marca do setor mais reconhecida pelos consumidores norte-americanos. São 125 anos de história, desde o fornecimento de pneus para o Ford T, passando pelas duas grandes guerras e colocando seus produtos para rodar até na Lua, como parte da missão da Apollo 14. Ou seja: a parte mais difícil já foi feita.
Como diz o ditado, porém, o diabo mora nos detalhes. O caminho parece claro, mas a execução de tantas mudanças em uma companhia tão tradicional não é algo simples. Leva tempo e pode não dar certo. Mas investidores ativistas, em geral, são pacientes e têm estômago para enfrentar esse tipo de risco.
Embora a inteligência artificial pareça surgir como solução para quase qualquer tipo de negócio, aqui ela seria uma ideia pouco atrativa. Há uma escolha entre execução e imaginação: mudar a trajetória da Goodyear requer execução — projetos de IA requerem imaginação. Sabemos que a imaginação vende mais que a execução. É por isso que histórias como a da Goodyear vão ficar escondidas, mas estarão presentes para os bons observadores e podem ser bastante lucrativas. Vale a pena estar atento.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York. Escreve para a DINHEIRO a cada duas semanas