O final da alta de juros nos EUA: as causas e as (muitas) consequências
Por Vitoria Saddi
Nesta semana o Fed optou por parar o ciclo de alta de juros iniciado em março de 2022. Tal parada tem implicações para o mundo todo. E em várias frentes. Os rumos do dólar frente as principais moedas, os caminhos das políticas monetárias dos países — dada a nova configuração de política americana — e a própria inflação desses mercados serão influenciados. Esse é o tema central deste artigo. Mas um tema secundário, e extremamente relevante, é o fato de os países, em diferentes graus, ainda estarem enfrentando inflações acima das metas. Na nova configuração de pausa de aperto monetário eles irão observar uma pressão deflacionária que pode estimular seus bancos centrais a seguirem a postura do Fed.
O Fed possui uma meta implícita de inflação que é tradicionalmente de 2%. Com a alta dos preços após a pandemia, ele começou a falar em meta ‘flexível’, tanto em termos de números quanto em termos de prazo. Num primeiro momento, o mercado ficou um tanto incerto quanto ao real compromisso do Fed em relação à inflação. Entretanto, dada as reiteradas altas de juros, que levaram a Fed Funds de 0,0% a 0,25% para 5,00% a 5,25%, um total de 500 pontos base, entendeu-se que o Fed nunca deixou de se preocupar com a inflação.
No entanto, a autoridade monetária também foi clara ao mostrar que pretendia calibrar a política monetária e as altas de juros de modo a evitar uma recessão desnecessária. A ideia teórica subjacente que está pautando a decisão do Fed é que é possível parar de subir juros, mesmo com a inflação acima da meta e o desemprego muito abaixo do natural, sobretudo porque a política monetária opera com um lag de no mínimo seis meses e que diversos indicadores da economia estão apontando para um desaquecimento. Isso ocorre porque, em parte, os Estados Unidos passaram mais de dez anos com uma política monetária expansionista, com as reiteradas políticas ‘quantitative easing’, e o mercado apagou um pouco da memória os ciclos de aperto monetário. Para confundir ainda mais, surgiram estudos mostrando que é possível trazer uma inflação de 10% para 2% sem produzir recessão desnecessária, o chamado ‘soft landing’.
A desvalorização do dólar deve promover significativa alta no preço de commodities. Países como o Brasil deverão se beneficiar de tal movimento, dada a estreita correlação entre variação do preço de commodities e variação do PIB
A parada de juros deve ter algumas implicações macro relevantes. A primeira diz respeito aos rumos do dólar no mundo. Frente às principais moedas, o dólar vem caindo de modo tímido desde outubro de 2022, quando o Fed sinalizou que iria desacelerar o ritmo de alta da taxa Fed Funds. Tanto frente ao real quanto ao euro, por exemplo, observamos valorizações importantes em relação ao dólar. Com o anúncio formal da parada de alta de juros americanos, esperamos significativa apreciação das moedas frente ao dólar. Isso significa que tanto o real irá se apreciar em relação a divisa americana quanto o euro, a libra, o dólar australiano, o dólar neozelandês. A certeza dessa afirmação é pautada na crença de que o Fed é quem comanda tal dança da política monetária no mundo. Quase impossível que algum dos bancos centrais queira contrariar o Fed e continue a subir juros. Nesse sentido, o final da alta de juros americanos deve marcar o final do ritmo de alta de juros no mundo: Europa, Austrália, México, Brasil e outros já pararam ou devem parar em breve de subir juros.
Outra implicação relevante é o preço das commodities — preço inversamente relacionado à taxa real de juros americana e, consequentemente, ao dólar. Nesse caso, uma desvalorização da divisa americana deve promover significativa alta no preço de commodities. Assim, países como o Brasil deverão se beneficiar bastante de tal movimento, dada a estreita correlação entre variação do preço de commodities e variação do PIB.
Vitoria Saddi, PhD em economia pela University of Southern California, é estrategista da SM Futures. Atuou como economista-chefe da Roudini Global, do Citibank, da Queluz Asset e do Salomon Brothers