Entendimento ainda difícil
Por Carlos José Marques
Surpreendeu principalmente os parceiros — que se esmeraram em salamaleques devido a sua visita, na base do tapete vermelho, banda de música e tudo o mais — o tom duro, absolutamente direto, que o presidente Lula usou, ao lado do anfitrião francês Emmanuel Macron, para se referir a ideia de acordo, em arrastada gestação, entre a União Europeia e o Mercosul. Lula não se fez de rogado e sem papas na língua classificou a proposta de “neocolonial”, avaliada por ele como “inaceitável”.
A forma da abordagem, que poderia significar um balde de água fria nas relações e colocado a perder toda a visita, funcionou, no entanto, como choque de realismo para os europeus.
Alguns até aplaudiram Lula após o discurso feito em um amplo e ornamentado salão de convenções com representantes de vários países. Macron, em pessoa, tratou de abrir as portas para um diálogo em novos termos.
A esperança é que, de agora em diante, o processo possa avançar — não mais baseado exclusivamente na prerrogativa estabelecida pelos europeus de que o Brasil terá de, necessariamente, cumprir as metas do Acordo de Paris e ir além em compromissos laterais, sob pena de suspensão da isenção em tarifas.
O presidente brasileiro estabeleceu que não irá assinar nada que não esteja “em conformidade com os interesses do País” e colocou como ponto vital um entendimento que preconize a recuperação da capacidade de industrialização do Brasil. Existe, decerto, um recuo significativo nessa área e o mandatário vislumbra as chances de retomada dos investimentos no setor a partir do acerto com a União Europeia. Estão dadas as cartas e o jogo toma outra dimensão.
No entender do petista, está faltando um pouco mais de “humildade e sensibilidade” dos europeus para que o tratado avance. Não há, alega, pacto onde uma das partes perde, e muito.
Os franceses, naturalmente duros, parecem ter percebido a firmeza de propósito de Lula, a tal ponto de Macron conceder a chance de reavaliar o que está na mesa.
Os diplomatas brasileiros estão batendo na tecla de que um acordo com tais premissas deve ser baseado na confiança e não na desconfiança. Aceitar sanções de forma antecipada é como admitir culpa por eventuais ilícitos que nem se sabe ainda em que bases poderá ocorrer. Os europeus ainda tentam avançar em cláusulas kafkanianas no campo das licitações públicas brasileiras, um mercado avaliado em mais de US$ 150 bilhões ao ano.
Eles querem tirar a preferência de empresas brasileiras nessas disputas, entrando com seus grupos de igual para igual nas concorrências, ameaçando a competitividade brasileira. Há um desequilíbrio nesse aspecto porque a via contrária não prevê o mesmo dispositivo. A negociação tem avançado pelo nível político.
O Brasil almeja cravar ao menos três eixos firmes no tratado: a garantia de pequenas e médias empresas de acesso preservado nas compras do governo federal; a exclusão das compras do SUS desse entendimento; e a ampliação das compensações (off-sets) em troca de acesso ao mercado.
De lado a lado, dado o leque de exigências, a relação segue ainda muito delicada para a finalização de um acordo.