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O BC explica seu papel ­— basta ler

Executivo e Congresso precisam entender que gastanças sem lastro (quando não corrupção pura e simples) pressionam a Selic

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Edson Rossi: "Só tolos não vinculam esses dutos de transferência de renda como parte do problema monetário-fiscal (e ético-moral) brasileiro" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Existe uma falência generalizada de civilidade e intelectualidade quando coisas básicas precisam ser explicadas num didatismo desproporcional como no Brasil de hoje. Em suma, impera a burriquice (se escreve assim mesmo). Ou é isso. Ou é safadeza. Contra essa maré, um esforço simples pode ajudar à nossa elite jurídico-política, instalada em residências oficiais, cortes, esplanadas e palácios, a mergulhar numa lição de casa sobre a qual ela insiste em procrastinar. Basta ir à home page do Banco Central (BC), fazer scroll até o pé da página e ler uma missão clara e direta: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. Três obrigações institucionais decisivas. Esse é o papel do BC.

E não tem sido fácil. Boa parte deste projeto de país com letras minúsculas transformou Roberto Campos Neto em alvo preferencial quando o tema é taxa de juro. De Lula III a levas do patronato (normalmente os que amam subsídios e desonerações). De parlamentares de todas as bandeiras a ministros. Bem, por mais que o atual senhor presidente insista que “políticos são melhores que técnicos” — e aqui ele se refere a políticos profissionais, aqueles que transformam o ofício em carreira — fica difícil engolir o argumento sabendo do arsenal interminável de falta de asseio público dessa gente.

Vou ficar em quatro exemplos:
a) kits robóticas;
b) autoperdão em falcatruas no dindim bilionário distribuído entre os partidos;
c) rebranding do Orçamento Secreto, que mudou de nome só para manter emendas;
d) na notícia de pagamentos turbinados por penduricalhos que chegam a R$ 1,5 milhão a juízes e desembargadores — 30 mil pagamentos acima de R$ 100 mil.

Vale ressaltar que nosso topo jurídico é acima de tudo de colaração partidária. Todos esses são exemplos de um ‘Bolsa Família’ diferentão. E só tolos não vinculam esses dutos de transferência de renda como parte do problema monetário-fiscal (e ético-moral) brasileiro. Porque é assim que nosso Estado cuida do dinheiro que ele retira da sociedade. Por isso não se trata de olhar para os juros altíssimos e balançar a árvore.

Para a discussão sobre a Selic se tornar adulta pede-se outro protocolo. Antes vale lembrar que não havia debate. Passamos seis meses (para falar deste governo, porque estava igual no anterior) tendo apenas cérebro à frente da Política Monetária e à espera de que a Política Fiscal entrasse em campo. Entrou. Com um Arcabouço desconfigurado, mas pelo menos ele apareceu — o que foi elogiado na ata do BC divulgada terça-feira (27). Por essas, é preciso ler a ata a frio, e não como quem aposta num bet qualquer sobre quantos escanteios seu time vai fazer no domingo.

Ou seja, é preciso mais honestidade na conversa. Alimentá-la com técnica, conceitos, argumentos bons e ética. Assimilarmos os desafios gigantes que ainda temos. “O ambiente externo se mantém adverso”, afirma-se na ata. “E os bancos centrais das principais economias seguem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas, em um ambiente em que a inflação se mostra resiliente.”

Mas o documento mostra também que o espaço para redução do juro está colocado. “A avaliação predominante” é de que um grupo já acredita ser possível ter queda da Selic em agosto. Outro grupo ainda está reticente e diz que “é necessário observar maior reancoragem das expectativas longas”. A boa notícia é que essa “reancoragem de expectativa” já dá seus sinais. No Focus da segunda-feira (26) o IPCA previsto para 2024 caiu pela quarta semana seguida (3,98%), com Selic em 9,50% — diferença de 5,52 que hoje é 7,19 (IPCA dez 2023 em 5,06% e Selic em 12,25%). Haverá certo crescimento este ano, que terminará com juro menor e inflação menor (mesmo estourando o teto da meta). E se a guerra na Ucrânia encolher, haverá espaço para a China crescer e puxar o trenzão brasileiro de commodities. Eu diria que 2024 será bom, ou bem bom. Que Lula III esteja atento. O BC e Roberto Campos Neto terão boa parte de méritos nisso. “Fomentando o bem-estar econômico da sociedade”, como é seu compromisso institucional.