A verdadeira briga de Zuckerberg não é com Elon Musk
Por Norberto Zaiet
Musk chamou Zuckerberg para a briga. De verdade. Em verdadeiro clima de quinta série, existe uma probabilidade não trivial de, em algumas semanas, assistirmos a uma luta livre entre os dois bilionários tendo o coliseu romano como cenário.
Como entretenimento, a audiência é garantida. Zuckerberg tem orgulho de mostrar sua performance física nas redes das quais é dono. Musk, por sua vez, parece estar bastante fora de forma, apesar de toda a valentia. A conferir. Eu assistirei com certeza.
Fora do campo do entretenimento, porém, as brigas são outras.
O Twitter nunca foi uma ameaça real ao Facebook, ou melhor, para a Meta Platforms (NASDAQ: META), nome oficial da companhia desde o ano passado. Com o lançamento do Threads na semana passada, Zuckerberg aproveita o momento de fraqueza da plataforma de Musk para tentar acabar com ela de uma vez — e pode muito bem conseguir esvaziá-la de maneira importante.
Somente isso, no entanto, não garante a longevidade do modelo de negócios da empresa. A ameaça real à Meta sempre foi, e continua sendo, a Apple (NASDAQ: AAPL). Essa é a briga de verdade, e não é luta livre ginasial. É batalha de gente grande, com armamento, munição e estratégia.
No início de 2022 a Apple fez mudanças significativas em suas políticas de privacidade, dando aos usuários maior controle sobre o acesso ao seu histórico e perfil de navegação individual. Em especial, deu aos usuários a habilidade de proibir que seus dados fossem compartilhados com outras plataformas.
Esses dados são a espinha dorsal do modelo da Meta, que os utiliza para fazer a venda direcionada de anúncios nas plataformas. Num requinte de maldade adicional, a atualização do sistema operacional já veio com o default para o usuário não permitir o compartilhamento. Para autorizá-lo, cada pessoa teria que mudar manualmente suas configurações. E isso é um obstáculo bastante significativo.
”A ameaça real à Meta sempre foi, e continua sendo, a Apple. Não é uma luta ginasial: é batalha de gente grande, com armamento, munição e estratégia”
Com um tiro, a Apple acertou em cheio o coração da Meta. Se os dados dos usuários do ecossistema não estão disponíveis, o que fazer? A resposta de Zuckerberg foi chamar outro tipo de luta livre: resolveu apostar tudo no metaverso. Acreditou que pudesse replicar o modelo que tinha no mundo real nesse mundo paralelo, e até mudou o nome da companhia. O mercado, que é cético e sabe das coisas, não acreditou. Resultado: a ação despencou de US$ 380 em outubro de 2021 para menos de US$ 90 em novembro do ano passado.
Nocauteado, Zuckerberg acusou o golpe e recuou. Batizou 2023 de “o ano da eficiência”, reduziu o quadro de funcionários e o investimento no metaverso. E, inteligente como é, não desperdiçou a crise. Desde então, vem substituindo, pouco a pouco e com sucesso, os dados não disponíveis dos usuários por informações geradas pela inteligência artificial.
Quem utiliza as redes da Meta percebeu que, de um tempo para cá, o algoritmo passou a exibir assuntos e conexões não relacionados com a sua rede de contatos. Essas sugestões são resultado da análise do perfil de cada um que, por meio da inteligência artificial, projeta o que teoricamente poderia interessar ao usuário. A cada acerto — e a cada erro —, a análise fica melhor e o algoritmo, mais refinado. Está dando certo.
O investimento no metaverso foi a luta livre que Zuckerberg quis ter contra a Apple, e perdeu. Caiu, se reestruturou e está virando o jogo sem a necessidade de usar a força bruta. Já Musk chamou Zuckerberg para uma luta livre de verdade: ele quer brigar contra o Threads, que assusta para valer e pode matar.
A trajetória de Musk é impressionante, mas, para virar esse jogo, ele vai precisar lutar em uma área bem maior que um ringue.
Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York