Economia

Como fica o Brasil depois da Reforma Tributária

Presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vencem a queda de braço no Legislativo, mas o caminho para implementação da nova tributação ainda será cheio de percalços

Crédito: Pedro Ladeira

Aprovação da Reforma Tributária teve costura pessoal de Fernando Haddad e comprometimento político de Lula com o Centrão como preço. Agora é preciso saber como ela ficará efetivamente (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Paula Cristina

Aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados no dia 7 de julho pode ser digerida sob dois grandes aspectos: uma vitória acachapante do governo, que coloca os dois pés na governabilidade e traz de volta para si o gerenciamento do País, e um forte ruído na comunicação sobre como ela será feita. É fato que o sistema de pagamento de tributos brasileiro havia décadas precisava ser revisitado.

Mas a aprovação apoiada só na queda de braço política pode penalizar um sucesso mais amplo e duradouro. Prova disso é que a economia real (empresários, sociedade civil e mercado financeiro), apesar de reagir muito bem à aprovação, não tem um discurso uníssono sobre o tema. E nem poderia, já que não estão claras como funcionarão muitas das novas regras.

Em vias de ser aprovado pelo Senado e levado à sanção presidencial, o texto, em seu embrião, é bom. Pode levar o Brasil a uma era de crescimento. Mas, para isso, caberá ao presidente Lula e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garantir que sua implementação seja tão eficiente quanto foi na articulação política. Em entrevista à DINHEIRO, Haddad afirmou que ainda há pontos que serão elucidados na passagem final do texto pelo Senado.

Entre eles, dois elementos decisivos da equação:
a) saber quais os setores que entrarão com regime especial — ou seja, pagarão menos que o valor determinado para o Imposto de Valor Agregado (IVA) e o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS);
b) quanto isso vai custar. “O valor da alíquota só pode ser definido quando tivermos dimensão das excepcionalidades”, disse o ministro Haddad.

Há pontos que parecem consenso. Os itens da cesta básica, por exemplo, terão isenção total. Saúde e educação também terão regime especial, pagando metade da alíquota cheia. Há muitos outros que ficam numa zona nebulosa, e à mercê de lobbies. Responsável por fazer esse pente fino no texto aprovado pela Câmara, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) confirmou à DINHEIRO que ainda há pontos frágeis no texto, mas que eles serão todos elucidados para a votação final. “Vamos tornar o texto mais palatável. A sociedade e os empresários vão entender melhor como serão as mudanças”, disse. “Precisamos de mais algumas informações para que esse reequilíbrio final possa funcionar bem por décadas.”

Compasso de espera

O setor de serviços e o agronegócio, que antes se colocavam contra a reforma, agora acompanham os próximos passos para entender o impacto em suas operações. No caso da agricultura e agropecuária, as isenções trazidas pelos itens de produtos in natura acalmaram as projeções iniciais e a perspectiva de diminuição de litígios tributários pode tornar a produção mais eficiente, ainda que o texto final acarrete em um imposto maior do que o pago atualmente.

Segundo Felippe Cauê Serigati, do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro), o agro sabia que o sistema atual era inviável. “Os pleitos foram atendidos. Mesmo com alíquota média maior, o setor esperava um texto pior [para eles] do que o aprovado.”

Já entre os empresários de serviços o impacto não é uniforme. Isso porque haverá uma distinção razoável entre segmentos. As empresas de streaming deixarão de ficar “à margem do sistema tributário”, como afirmou Haddad, e passarão a pagar a alíquota cheia. As grandes do ramo de telecomunicações, hoje altamente tributadas, vão acumular créditos como a indústria, o que é favorável para o setor.

Os litígios em andamento sobre o ICMS, no entanto, podem acarretar em perdas financeiras para as teles. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, admitiu que esse será o grande “pedregulho que o Senado terá de quebrar antes de aprovar o texto”. Educação e saúde, por sua vez, esperam a fixação da alíquota base para entender se os 50% que eles terão de pagar será mais ou menos do que desembolsam hoje.

Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, tem batido com total razão na tecla de que quanto mais isenções e benefícios, maior o valor final da alíquota. Um alerta direto para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que tem liderado conversas com vários setores para negociar alíquotas.

“A proposta só funciona se houver uniformidade. Um regime em que a exceção é regra não funcionará.”
Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária

Longo prazo

Estudo dos professores Debora Freire Cardoso e Edson Paulo Domingues, da UFMG, a pedido do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), levantou quatro cenários para dez anos. Um com substituição dos cinco tributos atuais (Cofins, IPI, PIS, ICMS e ISS) e sem imposto seletivo. No segundo modelo, com a substituição dos cinco e um imposto seletivo sobre fumo, bebidas e combustíveis fósseis.

Foram simulados também mais dois cenários adicionando os efeitos de ganhos de produtividade. Nas projeções, com ou sem ganho de produtividade, a indústria seria a mais beneficiada. O aumento de ganho do setor no cenário sem melhora na produtividade fica em 8%, enquanto o avanço com performance mais produtiva ficaria entre 17% e 25% a depender do andamento do PIB.

“O valor da alíquota só pode ser definido quando tivermos dimensão das excepcionalidades.”
Fernando Haddad, Ministro da Fazenda

Sem elevar a produtividade, os setores de serviços e agronegócio avançariam 2,5% e 3,2% respectivamente. Com ganhos de produtividade, saltariam para 9% e 11%.

Segundo Domingues isso se dará pela redução da cumulatividade e ampliação da renda familiar. “No agro o impulso acontece também pelos incentivos para produção florestal e pesca.”

Para Mário Sérgio Telles, gerente-executivo de economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ainda que a reforma tenha problemas que precisam ser alinhados, ela garante um avanço para a economia brasileira como um todo.

“O sistema de hoje é o pior do mundo. E isso onera demais a indústria e impacta toda a economia”, disse Telles.

“Não é o texto perfeito, mas é o possível.”
Mário Sérgio Telles, da CNI

Alguns setores da indústria, porém, não estão tão otimistas. Empresas do ramo de bebidas alcoólicas, cigarros deverão pagar o Imposto do Pecado.

Mineradoras e siderúrgicas, além das companhias de petróleo & gás, também podem receber um imposto seletivo por usar matrizes que impactam o meio ambiente.

Danos e ganhos de uma dinâmica necessária. Por isso o nome do jogo foi Reforma Tributária, e não Manutenção Tributária.