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A máquina de ingressos da Eventim

Plataforma alemã vende 6 milhões de tíquetes no Brasil, que se tornou rota de grandes shows e eventos esportivos. Número de 2022 é superior aos sete anos anteriores juntos. Receita global atinge 1,9 bilhão de euros

Crédito: Maicon Douglas fotografia

Jorge Reis, CEO da Eventim Brasil: "O desafio não é apenas vender. É vender com qualidade. O mercado está maduro e mais profissionalizado” (Crédito: Maicon Douglas fotografia )

Por Beto Silva

Pela primeira vez desde que iniciou sua atividade no Brasil, em 2015, a operação brasileira da Eventim foi citada no relatório do primeiro trimestre deste ano da empresa alemã de venda de ingressos, a segunda maior do mundo no segmento — atrás apenas da Ticketmaster. “Além do bom desenvolvimento no mercado principal da Alemanha, a Itália, Áustria, Suíça e Brasil são outros motores de crescimento”, afirma-se em um trecho do documento.

O início de 2023 está mais forte do que o ano de 2022, quando a plataforma de comercialização de bilhetes bateu recordes no País. No ano passado foram vendidos 6 milhões de tíquetes, volume superior aos sete anos anteriores juntos.

“O desafio não é apenas vender. É vender com qualidade. O mercado está maduro e mais profissionalizado.”
Jorge Reis, CEO da Eventim Brasil.

O executivo fala com a propriedade de mais de 20 anos envolvido com a venda de entradas on-line de eventos. É fundador do portal Ingressos.com, lançado em 2000, quando a web engatinhava. O foco na época era facilitar e capilarizar a compra de tíquetes principalmente para cinema. Deu certo.

Tanto que o Submarino comprou o site em 2005. Reis continuou na empresa como diretor de operações. Com a fusão entre o Submarino e a Americanas.com a partir de 2007, que resultou na criação da B2W, ele assumiu a área de negócios corporativos. No final de 2011 deixou a função para passar um período sabático nos Estados Unidos.

Estudou comércio eletrônico na Universidade de Berkeley e quando retornou foi convidado para ser o COO da IMM, onde liderou a criação da Tudus, plataforma de venda de ingressos. Em 2017, tornou-se CEO da Intellitix Brasil, uma joint venture entre a IMM Esporte e Entretenimento e a Intellitix Technologies, uma empresa canadense de cashless payment. Com essa bagagem recebeu dos alemães uma proposta para comandar a Eventim no Brasil, em outubro de 2021.

De lá para cá, tem colecionado bons resultados, apesar de um começo difícil após um período pandêmico em que o setor de eventos foi um dos mais afetados.

“A receita foi quase zero em parte de 2020 e 2021. E retomou de uma maneira muito forte”, afirmou Reis, que em seu primeiro mês teve a missão de entregar os projetos da final da Copa Libertadores da América e da Fórmula 1.

“A Eventim vinha de um processo de ser uma startup, com adaptação ao mercado que trazia uma demanda superior. Entregamos bem.”

A Eventim comercializou as entradas dos 11 shows do Coldplay (na foto, o do Morumbi, em São Paulo), e da Fórmula 1, no Autódromo de Interlagos (Crédito:Ronaldo Silva)

Passado esse primeiro momento turbulento, Reis começou a estruturar a companhia para os meses seguintes. O País entrou de vez na rota de grandes shows e eventos esportivos globais — ao contrário da Europa, que se desenvolve com museus e teatro, por exemplo — e contribui com a receita global da empresa, que fechou o ano passado em 1,9 bilhão de euros, aumento de 372% em relação ao ano anterior.

Entre janeiro e março deste ano, o faturamento foi de 366,2 milhões de euros, 163% superior aos 139,2 milhões de 2022. “Expectativa é de resultados superiores em 2023”, disse o CEO brasileiro.

Vender bem

A Eventim Brasil foi a responsável pela venda dos 11 shows da banda britânica Coldplay em março deste ano, além de Red Hot Chili Peppers, Harry Styles, Foo Fighters e festivais como Primavera Sound.

Também esteve envolvida no comércio de ingressos da Fórmula 1, dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016) e agora de Paris (2024). Mas nada tem sido como a venda de entradas (em março) para os shows do grupo mexicano RBD (em novembro), um case destacado pela Eventim.

A plataforma registrou 700 mil pessoas ao mesmo tempo para comprar, em alguns minutos, um dos pouco mais de 50 mil tíquetes disponíveis. “Organizar a fila virtual, orquestrar a reserva e os pagamentos, tudo isso precisa de tecnologia”, disse Reis.

O que não evita frustrações de fãs ávidos por comprar uma entrada e não conseguir. Por conta dessas situações, o Procon tem corriqueiramente solicitado informações da plataforma.

A resposta tem sido direta e transparente, segundo o CEO, que foi pessoalmente algumas vezes explicar ao órgão de defesa do consumidor. “Vendemos rápido porque sabemos vender bem. A tecnologia resolve a grande demanda, que muitas vezes supera dez vezes a oferta”, disse o executivo.

Mas não resolve as filas nas bilheterias físicas, em que centenas — às vezes milhares — de pessoas passam dias à espera da abertura das vendas.

As plataformas de comercialização são obrigadas a colocar ingressos em pontos físicos, em torno de 20% em média, dependendo do evento.

Com artista de muito apelo público, principalmente os internacionais, há transtorno para os fãs. “Não produzimos eventos no Brasil, apenas divulgamos a venda e comercializamos as entradas”, afirmou Reis, ao enfatizar que trabalha para uma melhora constante de comunicação com o público.

As respostas por e-mail ocorrem em menos de 24 horas — antes demoravam até 72 horas. O disparo de SMS também foi adotado. E as redes sociais são usadas para comunicados e têm sido utilizadas também como canal de vendas de tíquetes.

Em 2021, eram 70 seguidores no Instagram, hoje são 355 mil.

Para Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM, desde 2007 quando os jogos Pan-Americanos foram realizados no Brasil começou uma transformação profissional nos setores de esporte e entretenimento.

Houve a entrada de diversos players globais no País, movimento que gerou duas consequências: por um lado, mais opções para o público; por outro, além de profissionalizar e gerar mais oportunidades, tornou o mercado mais competitivo e acirrado.

“Ainda que exista alguma resistência no pagamento das taxas atreladas aos serviços das tiqueteiras, na prática essas oferecem um serviço incomparável com as antigas bilheterias físicas.”
Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM

“E possibilitam a integração de ações promocionais de marcas patrocinadoras e um melhor controle e conhecimento de público para o promotor do evento”, concluiu Martinho.

Atualmente, a Eventim tem trabalhado melhor seu posicionamento da marca, com um plano estratégico de 34 pontos a serem executados entre 2023 e 2024. Entre eles, atrair novos negócios, reformular os atuais, automatizar os processos de pagamento, ter um pós-venda mais ativo e gerir melhor seus dados.

Sob esse último aspecto, a partir das informações coletadas com as vendas é possível auxiliar melhor os produtores de eventos para tê-los como parceiros de fato. “Temos o perfil de clientes e outros detalhes em que podemos auxiliar a definir datas e locais dos eventos. Ou abrir uma apresentação a mais com antecedência. São diferenciais”, afirmou Reis, com a perspectiva de captar mais e melhores eventos.

Cambistas

Um dos principais desafios das plataformas é conter fraudes e a ação de cambistas. A Eventim tem alguns mecanismos, segundo a empresa. Libera gradualmente os compradores para terem acesso ao sistema e eles entram numa ordem de chegada — a Queue-IT, empresa dinamarquesa fundada em 2010, é a desenvolvedora de sistemas para lidar com o congestionamento do tráfego.

Além disso, de acordo com a demanda de cada evento, o número de ingressos vendidos por pessoa é limitado e controlado pelo número de CPF.

Também há sistemas antifraudes como verificação por captcha e detecção de bots. A companhia orienta que os ingressos não sejam adquiridos em canais não oficiais, que gerenciam revenda de tíquetes muitas vezes com preços inflacionados. É um problema antigo e presente no mundo todo, que a Eventim tenta combater. Ao mesmo tempo que azeita sua máquina bilionária de vender ingressos.