Tecnologia

O game humanitário da inclusão

Brasileiras criam pioneiro jogo que trata de desafios reais como a misoginia, a fome e o racismo

Crédito: Divulgação

BLW Game Save The W.O.R.L.D.: projeto do jogo nasce das inquietações pessoais das autoras e personagens não portam armas (Crédito: Divulgação)

Por Victória Ribeiro

Transformando uma realidade palpável de inquietações escritas no papel em uma realidade um tanto artificial a partir do uso das novas tecnologias, a carioca Mônica G, em parceria da sua filha, Dani S, se aventura no mundo dos softwares para criar o primeiro jogo humanitário brasileiro desenvolvido por mulheres: o BLW Game Save the W.O.R.L.D.

Misturando a inteligência artificial e a física quântica, a dupla dá vida à personagem Flora, que enfrenta desafios reais, brasileiros e mundiais, como a misoginia, a fome, o racismo, o desmatamento da Amazônia e o preconceito contra as diversidades de gênero e sexualidade.

Sem o uso de armas, o jogo busca levantar questionamentos sobre a possível aliança entre as novas tecnologias e a transformação social.

“Comecei a escrever sobre o jogo em 2019 a partir de inquietações pessoais sobre o contexto de inúmeras violências que vivemos atualmente”, disse. “Se junto disso também vivemos um contexto de novas tecnologias, por que não unirmos os dois para gerar uma mudança?”.

“Nossa heroína vem de lugares como o de tantas outras heroínas que estão presentes no nosso dia a dia.”
Mônica G., criadora do game

A relação da carioca com os games é nova em todos os sentidos. Antes de iniciar o desenvolvimento do jogo, Mônica nunca havia jogado ou trabalhado com ferramentas de software e inteligência artificial. No caso de Dani, que é engenheira civil, a mesma coisa. Com exceção do envolvimento esporádico com os jogos de videogame.

Motivadas pela curiosidade e pelo envolvimento com o projeto, a gestora e a filha aprenderam a utilizar a tecnologia Unreal Engine para gerar os gráficos e a singularidade presente no BLW Game Save the W.O.R.L.D.

Entre os cenários criados pela dupla, a periferia é um deles. Baseadas nas comunidades do Rio de Janeiro e através da personagem Flora, uma mulher negra e periférica, as criadoras buscam ressignificar os olhares geralmente voltados às comunidades.

“A intenção é despertar respeito. Existe uma ausência de estrutura nesses espaços? Sim, existe. Mas também são lugares bons. Nossa heroína vem de lá como tantas outras heroínas que estão presentes no nosso dia a dia de diversas maneiras”
Mônica G., criadora do game

Além do protagonismo de Flora, que carrega características e vivências de pessoas comumente associadas a uma condição de marginalização social, outras diversidades também estão presentes no game através de personagens indígenas, LGBTs, jovens e idosos.

Já a ausência de armas, segundo Mônica, não tem como intenção criticar jogos que fazem o uso delas, mas sim subverter uma narrativa política recente que não apenas instigava o uso de armas de fogo.

“Essa questão inclusive impactou no nosso tempo de divulgação. Como íamos falar sobre preservação da floresta, direitos humanos, racismo e machismo quando um discurso intolerante era promovido e favorecido pelo Estado?”.

Tecnologia e arte

Explorando as possibilidades da IA, mas também provando da conexão entre a tecnologia e a arte, outro grande diferencial do game, segundo Mônica, é a forma com que “monstros” e “inimigos” serão representados. Fugindo do óbvio, problemas sociais como a fome não serão representados apenas através do cenário, mas também pela sua personificação.

“Games, de uma maneira geral, costumam ter ‘inimigos’ assustadores, mas garanto que os nossos são piores”, disse. Segundo ela, não pela aparência, mas pelo que representam. “A fome será uma pessoa como eu e como você, mas com detalhes que remetem aos problemas sociais que serão encarados em cada fase.”

Com lançamento previsto para dezembro deste ano, o BLW Game Save the W.O.R.L.D poderá ser jogado através de videogames, computadores, celulares e tablets.

Desde o início de junho, o game vem sendo divulgado em uma instalação imersiva com 55 m2 no Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro. Por meio de uma exposição em vídeos, os visitantes podem ir, aos poucos, conhecendo os personagens a partir de histórias diariamente atualizadas.

Além disso, 25 mil ‘caixas de Flora’ foram espalhadas por todo o Brasil, contendo desafios ‘humanitários’ que, se realizados, geram recompensas.

“Dentro das caixas existem propostas de ações como doar sangue, promover cuidados com a terceira idade ou colaborar com projetos de combate à fome”, disse Mônica. “São coisas simples, mas que se realizadas em grande escala, já podem começar a gerar uma mudança antes mesmo de começar o jogo.”