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Brasil vive seu turning point em busca de “civilidade” e investidores

A elevação da nota de crédito do País que animou os mercados é mais uma prova dos acertos da gestão de Fernando Haddad na Fazenda. Depois do Arcabouço Fiscal e da Reforma Tributária, o ministro desenhou um programa 14 medidas de impacto sobre o mercado financeiro para atrair capital estrangeiro, zerar as contas públicas e tornar a cobrança de impostos mais equilibrada

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Brasil e o otimismo econômico: dados apontam para um futuro com mais "civilidade", mas alguns analistas ainda estão céticos (Crédito: Divulgação)

Por Paula Cristina

Existem raros momentos em que uma conjunção de fatores sinaliza um instante decisivo. Um turning point. A quarta-feira (26) foi para o Brasil um desses dias. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sabe disso. A decisão da agência de risco Fitch de elevar a nota de crédito do País, de BB- para BB, foi só um detalhe. Depois de robustas vitórias no Arcabouço Fiscal e na Reforma Tributária, o homem forte de Lula na economia desenhou um plano de ação para reapresentar o País para o mundo — e não apenas para o mundo do capital.

Ao todo serão 14 medidas com impacto direto no mercado financeiro, em especial da tributação, que pretendem resolver três problemas de uma vez:
1) atrair capital estrangeiro promovendo segurança jurídica e estabilidade,
2) zerar as contas públicas já no ano que vem,
3) tornar o sistema tributário mais justo e equilibrado.

“A economia brasileira tem uma nova oportunidade de deslanchar”, disse Haddad à DINHEIRO.

Ambicioso? Haddad diz que não. Para zerar o déficit, o ministro precisa arranjar R$ 120 bilhões. Ele está confiante de que isso virá. E não lastreado por alquimias econômico-fiscais.

“Se soubermos fazer aquilo que precisa ser feito, investidores nacionais, estrangeiros, consumidores e entes públicos vão enxergar uma perspectiva de desenvolvimento para o País”, disse.

Mais do que a cifra em si, segundo ele, toda a economia entrará em nova rota de forma natural e por uma razão simples. “O Brasil voltou à normalidade. E só isso basta para mostrar a segurança e confiabilidade de nossas Instituições.”

Haddad é, pelo menos na última década, o único ministro em seu posto a ter percebido que a base da economia dos países não é a política fiscal ou a política monetária. É a civilidade. Coisa que não temos desde os conturbados anos do segundo mandato Dilma Rousseff, seu impeachment, a prisão anulada de Lula e ascensão do hoje encrencado Jair Bolsonaro.

Viramos um pária global. E se tem algo de que o dinheiro foge é de párias. O ministro da Fazenda, de certa forma, adaptou a clássica frase de 1992 de James Carville, consultor do ex-presidente americano Bill Clinton, que resumiu a estratégia de campanhas políticas à “é a economia, estúpido”. Na versão Haddad, ela ganhou verniz nacional: “É a civilidade, estúpido”.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“Se fizermos o que precisa ser feito, investidores e consumidores vão enxergar uma nova perspectiva de País.”
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Ele tem razão. “Não adianta pensarmos em PIB alto, melhora do bem-estar, fim do déficit se o País não está estável”, disse o ministro.

Isso posto, começa o segundo passo. “Agora o trabalho é incorporar no Brasil as melhores práticas do mundo no âmbito fiscal, tributário e financeiro.”

Essa caminhada, no entanto, só está começando. E ela será decisiva em nosso turning point.

A elevação da nota de crédito do Brasil pela Fitch foi a cereja do bolo desse ambiente mais otimista. O Ibovespa atingiu 122.560 pontos na quarta-feira (26), a máxima dos últimos dois anos. O dólar ficou em R$ 4,72. E isso acontece em meio aprovação da Reforma Tributária e o bom andamento do Arcabouço Fiscal, ações relevantes que deram ao ministro moral com o mercado.

A dinâmica tem sido precisa. Lula diz o que precisa para governar, Haddad encontra a forma de viabilizar. E o faz a seu jeito. Imprimindo nas condições diretrizes para tornar os processos mais transparentes e justos.

R$4,72
era a cotação do dólar na quinta-feira (27), após a elevação da nota de crédito do Brasil pela agência Fitch

Um exemplo é a potencial regulamentação das apostas esportivas on-line. Lula precisava de formas de aumentar a projeção de arrecadação para sustentar os programas sociais dos próximos anos. A solução foi criar um imposto de 18%, direcionado para os operadores dessas apostas.

Segundo Sérgio Garcia Alves, presidente da Comissão de Direitos dos Jogos da OAB-DF e sócio da Abdala Advogados, a proposta acompanha outros países. “O Brasil está apenas corrigindo um notório atraso regulatório”, disse. Se ficará em 18% ou não, o fato é que a tributação virá.

Adriana Rollo, sócia em propriedade intelectual do BZCP Advogados, diz que a abertura do mercado se dá com o governo tirando a própria exclusividade do comando das apostas on-line, mas aplicando multa aos que as fizerem sem licença.

Acordos internacionais

Outro bom resultado vem dos tratados comerciais. Na quarta-feira (19) o parlamento britânico aprovou o acordo bilateral entre Brasil e Reino Unido que evita a dupla tributação nas transações em pagamentos de dividendos, royalties, serviços, juros e outros tipos de transações que tenham incidência de impostos sobre a renda ou sobre o lucro.

Segundo o economista Adam Patterson, sócio da Redirection International, a decisão acompanha um desejo das empresas. “Com a cobrança única, teremos mais segurança jurídica, facilitando os investimentos de longo prazo e com maior previsibilidade e certeza tributária.” O texto agora aguarda aprovação no Congresso Nacional.

122,5 mil pontos
O ibovespa atingiu a maior cotação em dois anos

No âmbito internacional, ainda há expectativa de avanços por meio do Mercosul.

Em abril, Haddad se encontrou com empresários japoneses que buscavam parcerias com o cone sul das Américas, disposição que também já foi evidenciada pela China. Haddad sabe da importância desses avanços.

“Nos bastidores aqui do Ministério da Fazenda temos uma estrutura trabalhando em silêncio para mapear todas as oportunidades”, disse o ministro. “O Brasil estará na liderança dos acordos limpos, verdes e condizentes com a nova economia.”

Mas só se pode jogar o jogo internacional se no campo doméstico a casa estiver em ordem. Vem daí o pacote anunciado na quinta-feira (20) com medidas de proteção e segurança jurídica direcionada ao sistema financeiro.

As propostas foram construídas pelo governo em parceria com a sociedade e organizações setoriais — como Abecip, Abrapp, Anbima e Febraban, e instituições como FGV, além de bancas de advogados.

Estão nessa lista:
* criação de garantias para PPP vindas do Tesouro Nacional,
* ampliação do decreto de debêntures incentivadas para infraestruturas sociais e ambientais,
* facilitação da venda de imóvel brasileiro a investidores estrangeiros,
* proteção para investidores do mercado de capitais,
* facilitação de recuperação de créditos,
* universalização da assinatura digital,
* inclusão do negócio fiduciário no sistema de tributação.
* simplificação para emissão de dívidas privadas.

Segundo o secretário nacional de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, já estão em curso estudos para todas as iniciativas. “Queremos, ano que vem, começar a transformar as propostas em projetos de lei em iniciativas de política pública.”

Tudo isso pode ser chamado de Parte I do Grande Plano Haddad. Porque o ministro sabe que não existe qualquer base a ser chamada de civilidade se não houver “justiça tributária”.

Até agora, essa expressão não diz nada no Brasil, que historicamente (e proporcionalmente) cobra mais imposto de quem menos tem. Justiça tributária é questão usada e reusada por Haddad em entrevistas, eventos e palanques. Isso porque esse será o slogan para que o ministro da Fazenda amarre o pacote de igualar o Brasil nas práticas financeiras internacionais. Há uma estratégia inquestionável nessa lógica: quem se diz decente há de ser contra ser justo?

Marcos Barbosa Pinto, secretário nacional de Reformas Econômicas (Crédito:Edu Andrade/MF)

“Queremos começar a transformar as propostas em projetos de lei em iniciativas de política públicas”
Marcos Barbosa Pinto
secretário nacional de Reformas Econômicas

Na lista de novidades está a tributação dos fundos de investimento exclusivos, fechados para altíssima renda. Com a proposta, o Imposto de Renda (IR) passaria a ser cobrado a cada seis meses e não somente no momento do resgate, como é hoje.

É o chamado ‘come-cotas’, já aplicado duas vezes por ano em outros fundos de investimento, como os que atendem a classe média. Cálculos iniciais do governo apontam a possibilidade de uma arrecadação anual de R$ 10 bilhões. Ainda estão sob análise quais fundos entrariam na nova programação. Inicialmente o plano é para fundos fechados. FDICs e private equity não devem ser afetados.

Segundo Carlos Marcelo Gouveia, advogado tributarista da Almeida Prado & Hoffmann Advogados, do ponto de vista da equidade fiscal, o projeto agrada. “Expressa a ideia de isonomia na tributação.” Ele ressalta, porém, ser preciso ter cuidado na aplicação para que não haja uma evasão inesperada.

Richard Edward Dotoli, sócio da área tributária do Costa Tavares Paes Advogados entende que o ‘come cotas’, por si só, é um mecanismo ruim de arrecadação. “É uma antecipação de tributação e captura uma riqueza que ainda não foi experimentada pelo beneficiário.”

Outro movimento envolve extinguir os juros sobre capital próprio (JCP). Hoje as empresas são isentas de impostos e há incidência do IR de 15% quando os recursos são depositados nas contas dos acionistas.

Segundo Haddad, esse regime leva empresas a manobrar “artificialmente” para transformar lucros obtidos em juros sobre capital próprio.

“Têm empresas que não estão tendo mais lucro, apesar de serem rentáveis”, disse. “O que elas fizeram? Transformaram lucro artificialmente em juros sobre capital próprio”, disse ele, em abril.

Na lista de medidas também está um projeto de lei para a tributação de investimentos no exterior (offshore). A projeção é de que a medida gere arrecadação próxima a R$ 13,6 bilhões até 2025.

Claro que há riscos em movimentos que afetam fluxos intensos e velozes de dinheiro. E muitos especialistas são céticos quanto aos resultados.

Dotoli, da Costa Tavares Paes Advogados, cita como exemplo o Reino Unido, que em 2009 elevou a tributação do imposto de renda de 40% para 50%, e esperava arrecadar 2,4 bilhões de euros a mais — mas obteve apenas 1 bilhão de euros extra. “São medidas que parecem uma resposta à má distribuição de renda, mas não é bem assim”, afirmou.

R$ 13,6 bilhões
Arrecadação prevista até 2025 com a cobrança de imposto sobre investimento em offshores

O mesmo vale para a taxação dos super-ricos. Quantos são? Onde colocam seu dinheiro? Saber isso envolve um grande esforço e será oneroso para o governo.

Fernanda Guardian, sócia fundadora da Guardian Trust Capital, diz que tal processo não é simples. “Não acho que esse projeto, como está, ande.”

José Henrique Longo, da PLKC Advogados acrescenta que os super-ricos simplesmente mudarão a estratégia. “Eles podem mudar sua residência fiscal.”

A verdade é que um imposto sobre grandes fortunas nem é exatamente uma novidade. Ele está sob a sigla IGF na Constituição Federal de 1988 (especificamente no artigo 153 III), mas nunca foi regulamentado e posto em prática.

De toda forma, sem mexer nesses vespeiros seremos eternamente o território da injustiça tributária. Como poderia dizer Haddad, o que está em jogo é algo muito maior do que zerar déficit ou dar tração à economia. “É a civilidade.”