Para a Tesla, os outros são os outros e só

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Norberto Zaiet: "Musk não está enganando ninguém" (Crédito: Divulgação)

Por Norberto Zaiet

“As variações de curto prazo na margem bruta e rentabilidade não importam; o longo prazo, sim. Veículos autônomos farão com que todos esses números pareçam uma grande bobagem.” O pequeno trecho da fala de Elon Musk, feito durante a apresentação de resultados do segundo trimestre, na semana passada, resume com clareza a tese de investimento da Tesla. Passa longe da análise convencional de uma montadora de veículos. Com excesso de sinceridade, Musk indica que não tem o menor interesse nisso. Acha, inclusive, que é inacreditável que a empresa seja geradora de caixa considerando o tamanho do investimento necessário para que seus veículos sejam, de fato, autônomos.

Os resultados, em si, não foram ruins: recorde de receita, atingindo US$ 25 bilhões no trimestre, e margem ao redor dos 18% em uma indústria que apresenta números inferiores. Considerando que a expectativa, especialmente para a margem, era pior, a reação do mercado imediatamente após a divulgação dos resultados foi positiva. Até Musk começar a falar.

Os analistas e investidores buscavam maior clareza sobre a trajetória da margem, dado que no começo do ano a empresa decidiu reduzir o preço final de seus modelos para reagir a uma queda na demanda. Musk mostrou-se entediado com esse questionamento. Conectou a política de redução de preços com a taxa de juros, estabelecendo uma relação direta entre os dois: a subida dos juros encarece a prestação do veículo, então é natural baixar o preço para manter a prestação no mesmo nível. A consequente redução da margem no curto prazo não é relevante.

“Musk vende o sonho, o otimismo, um futuro em que coisas impossíveis são corriqueiras — como um automóvel sem motorista ou a colonização de Marte. (…) Seus projetos saíram do papel e viraram uma realidade que gera caixa. E muito”

À medida que falava, o preço da ação despencava. Em dado momento, citou, à sua maneira, Warren Buffett descrevendo o mercado de ações: “Imagine que você mora em uma casa e um louco, maníaco depressivo, chega ao seu portão e grita o preço da propriedade para você. A cada dia ele grita um preço diferente, mas a casa é a mesma. Então, esse é um mercado difícil.” Em outro momento, saiu-se com: “Se você tem confiança no produto ou serviço que uma empresa oferece, quando o mercado entra em pânico você compra (a ação). Quando o mercado está exuberante, você vende. Não estou recomendando a venda (das ações da Tesla), mas que compre baixo e venda alto”.

Não se espera escutar de um dos maiores empreendedores do nosso tempo frases tão simples ­— e raciocínios mais simplistas ainda. O que se espera de alguém com a estatura de Musk é alguma combinação entre a criatividade de um Steve Jobs e a eloquência de um Barack Obama. Ele, no entanto, passa longe. Do episódio sai uma lição importante: muitas vezes as decisões mais complexas podem ser explicadas de maneira extremamente simples e, mais importante ainda, com extrema sinceridade e honestidade.

Musk não está enganando ninguém. Sim, o aumento da taxa de juros ao final do dia aumenta o preço do carro. Para manter a prestação igual, será necessário baixar o preço final para o consumidor. Sim, isso vai prejudicar a margem no curto prazo. Ah! E para quem opera no mercado de ações, o importante é comprar barato e vender caro. Simples assim. Sem previsões, hipóteses ou teorias — e sem se explicar demais.

Se o investidor espera uma empresa convencional, gerida por gente convencional, está olhando para o lugar errado. Musk vende o sonho, o otimismo, um futuro em que coisas impossíveis são corriqueiras —como um automóvel sem motorista ou a colonização de Marte. E tem uma paixão curiosa pela letra X, assim como outro famoso empreendedor brasileiro. Há, no entanto, uma enorme diferença: seus projetos saíram do papel e viraram uma realidade que, surpreendendo o próprio Musk, gera caixa. E muito.

É como na canção do Leoni, gravada pelo Kid Abelha: “Os outros são os outros. E só”.

Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York