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Entrevista

10 perguntas para Nadja Brandão, CEO da Reprograma

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10 perguntas para Nadja Brandão, CEO da Reprograma

Editora Três
Edição 04/08/2023 - nº 1336

Por Lana Pinheiro

Nadja Brandão, mulher, negra, começou a carreira pela porta de entrada. Seu primeiro emprego foi de recepcionista. Sem pular nenhuma etapa, cresceu na hierarquia até o posto de CEO. Hoje comanda a Reprograma (a empresa grafa {reprograma}), negócio de impacto social que tem como missão aumentar a participação de mulheres negras, trans e travestis no mercado de tecnologia — em sete anos, já formou mais de 1 mil profissionais.

“É um grande desafio, mas estamos avançando.” No caminho, percalços como o preconceito dos líderes do setor e a autossabotagem do grupo que ao não se enxergar representado acredita que aquele não é um lugar merecido por elas. Por isso, a empresa atua em uma jornada em que as mulheres recebem de apoio psicológico, a capacitação e até acompanhamento pós-curso. “Assim, aumentamos o controle da qualidade do emprego e reduzimos as chances de socialwashing”, afirmou Nadja à DINHEIRO.

Por que a área de tecnologia é tão preconceituosa com relação a gênero?
Isso vem da percepção cultural e histórica de que o papel da mulher é cuidar, e do homem é prover. Essas funções são associadas a soft skills diferentes e determinantes na jornada profissional das pessoas: o ato de cuidar está mais associado a aspectos emocionais, subjetivos que são colocados como opostos à lógica matemática relacionada à tecnologia. Isso não é verdade, mas só agora estamos conseguindo romper esse conceito pré-estabelecido, ainda que em um ritmo menos veloz do que o ideal. O curioso é que o primeiro profissional de programação foi uma mulher, a Ada Lovelace.

Essa quebra de preconceitos já se transformou em uma maior procura ativa das empresas por profissionais de TI mulheres?
Na Reprograma temos conseguido bons resultados. Atualmente, 75% das mulheres que passaram pela nossa jornada estão empregadas na área de tecnologia, sendo que o tempo para a conquista da posição é de até seis meses após o início do programa. Isso nos mostra que há um mercado receptivo, ainda que o preconceito exista e que os layoffs [demissão em massa realizado por empresas] tenham um impacto relevante nessa mão de obra: os grupos minorizados são os últimos a serem contratados e os primeiros a serem cortados.

Na agenda ESG, o greenwashing é um risco relevante. Como a Reprograma evita alimentar narrativas falsas que usam a estatística de contratação de grupos diversos, mas sem a preocupação da retenção destes profissionais?
Como nós acompanhamos o pós-curso, conseguimos monitorar o ambiente em que as nossas formandas estão inseridas. Mas é por isso que afirmo que, para a inclusão eficaz, a intencionalidade é fundamental. Ações sociais dentro das empresas sem intencionalidade não se sustentam. E isso, ao contrário do que algumas companhias pensam, é fácil e rapidamente observável. O resultado do socialwashing pode ser muito nefasto para quem o pratica.

Quais os caminhos possíveis para aumentar a inclusão de mulheres negras, trans e travestis no mercado de tecnologia?
É indispensável que a gente tenha três grandes agentes atuando de maneira equitativa porque cada um tem seu papel e poder de decisão. As empresas precisam ter a intencionalidade legítima e propor a inclusão e a retenção desses talentos. Do poder público se espera a proposição e a execução de políticas públicas de acesso à educação e de inclusão no mercado de trabalho. E o terceiro setor tem que continuar se fortalecendo para empoderar essas mulheres e mostrar toda a potencialidade que elas possuem ao mesmo tempo que precisa apoiar os poderes público e privado nessa conexão.

Dentro das políticas públicas, como avalia o programa de cotas?
As cotas são extremamente necessárias. Muitas das mulheres negras que estão em cargos de liderança hoje conseguiram emergir da invisibilidade graças ao sistema de cotas. Esse instrumento de acesso é muito relevante até que se haja a igualdade para grupos ainda sub-representados. É ele quem permite a transformação social inicial.

Como a senhora avalia o interesse de mulheres, trans e travestis por formação em tecnologia?
Para você ter uma ideia, nas duas últimas edições do programa, recebemos mais de 5 mil inscrições de mulheres, trans e travestis para o nosso curso de entrada. Infelizmente não conseguimos atender à grande maioria. Nossas turmas iniciais são de 40 vagas por questões pedagógicas. Esse volume reflete uma transformação cultural importante onde as mulheres passaram a lutar para ocupar papéis nos quais antes não se viam antes. É por isso que além da capacitação técnica, nós trabalhamos na parte de apoio emocional: para que elas se sintam merecedoras e parte desse ecossistema que ainda é muito masculino.

Quais os desafios adicionais para a inclusão profissional de trans e travestis?
A autossabotagem é o maior empecilho, seguida da questão financeira. A maioria das mulheres que chegam na Reprograma tem renda familiar de até três salários mínimos. Muitas chegam sem renda alguma. Mas aí vem o lado transformacional. Quando essas mulheres são capacitadas e ingressam no mercado de tecnologia, passam a ganhar inicialmente de quatro a cinco salários. Outra barreira é a segurança no ambiente de trabalho, por isso temos o acompanhamento pós-curso, onde conseguimos medir se a inclusão por parte da empresa também está sendo
de maneira correta.

Anteriormente, a senhora citou que 75% das formandas estão empregadas. Qual a qualidade do emprego?
Como nós trabalhamos com empresas parceiras e são elas que absorvem grande parte das profissionais que formamos, então conseguimos assegurar vagas de qualidade. Além disso, temos uma área de empregabilidade que está sempre medindo a demanda do mercado e nossa atuação no pós-curso permite alguma interferência no ambiente corporativo das empresas parceiras ao mínimo sinal de que há algo errado.

As empresas estão de fato mais inclusivas na pós-contratação?
Elas estão mais preocupadas com o tema e estão se movimentando ainda que de forma tímida. Mas há um movimento promissor. Para a inclusão eficaz de grupos minorizados, a intencionalidade é fundamental. E isso está acontecendo. O erro que muitas empresas cometem é querer fazer o processo inteiro sozinhas: contratar, formar, fazer alterações na cultura organizacional para a inclusão… Em ESG não se faz nada sozinho. Para uma maior eficiência é importante que as companhias tragam para perto empresas que sejam especializadas na agenda. Isso aumenta a eficiência do processo.

Uma vez contratadas, essas mulheres estão sendo reconhecidas, promovidas e recebendo remuneração justa e igualitária?
É um super desafio. Meu desejo é que a gente consiga chegar nesse nível de discussão de forma ampla, porque isso significaria que temos um tal volume de mulheres em níveis de liderança que isso se tornar uma questão de mercado a ser resolvida. A verdade é que, infelizmente, estamos um passo antes. Ainda estamos lutando para a inclusão. Muitas empresas ainda não estão preparadas para receber essas mulheres, quiçá promovê-las.