Economia

A Selic cedeu, e agora?

A queda de braço entre Fernando Haddad e Roberto Campos Neto demorou, mas chegou ao fim. Após três anos a taxa básica de juros cai, e com ela também as desculpas sobre a morosidade da economia

Crédito: Mateus Bonomi / AGIF | Sergio Lima / AFP

Haddad, da Fazenda, e Campos Neto, do BC: protagonistas de uma longa batalha pela queda de juros (Crédito: Mateus Bonomi / AGIF | Sergio Lima / AFP)

Por Paula Cristina

Em toda trama complexa, o culpado, a vítima e o herói nunca parecem ser quem realmente são. De forma reducionista, o roteiro que o governo Lula III criou para a economia foi isso. E parte desse emaranhado teve na quarta-feira (2) um episódio-chave para saber quem é quem no roteiro. Depois de três anos, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu fazer a curva de juro voltar a apontar pro chão — a última vez havia sido em junho de 2020, quando a Selic saiu de 2,25% para 2,00%; desta vez, passa de 13,75% a 13,25%. Mais do que a decisão, dois elementos são fundamentais para entender o que acontecerá agora, inclusive nas próximas reuniões sobre a taxa básica (serão três até o fim do ano). O primeiro deles é como votaram os diretores do Banco Central (BC). O segundo, estará no Congresso, precisamente com Arthur Lira: saber como (e para onde) ele conduzirá a pauta do Planalto.

“A redução em si terá um efeito mais psicológico que prático na vida real. A mensagem do BC é que há confiança no governo Lula, e agora cabe a ele e Haddad comprovarem que têm bala na agulha para fazer o Brasil crescer.”
Fabio H. Bittes, professor de macroeconomia da Universidade Federal do ABC

Logo após a decisão do Copom e a revelação de seu placar apertado (cinco votos pela queda de 0,50 ponto percentual e quatro votos pela queda de 0,25 ponto), Haddad disse que o resultado mostra que há espaço para o diálogo técnico com os atores da economia. “Você tem as divergências públicas e felizmente estamos em uma democracia. Posso assegurar que o diálogo entre nós foi o mais elevado possível.”

Traduzindo: houve um jogo para a plateia e o jogo real. Segundo o BC, 85% das reuniões têm como resultado maioria ampla. E a decisão do 2 de agosto se encaixou nos 15% que envolvem desempate do presidente do órgão — que inclusive é o último a votar.

Isso significa que Campos Neto desempatou pela redução de 0,5 ponto.

De acordo com o comunicado emitido após a decisão acompanharam o presidente do BC os diretores:
* Ailton de Aquino Santos;
* Carolina de Assis Barros;
* Gabriel Muricca Galípolo;
* Otávio Ribeiro Damaso.

Pela redução mais moderada votaram:
* Diogo Abry Guillen;
* Fernanda Magalhães Rumenos Guardado;
* Maurício Costa de Moura;
* Renato Dias de Brito Gomes.

A ata com todos os detalhes e argumentações será divulgada na terça-feira (8). Haddad afirmou que a continuidade do ritmo mais forte de redução depende da organização dos Poderes para seguir a mesma agenda econômica. “Os últimos dez anos de desavenças ficaram para trás.”

“Pode ter uma mudança de conjuntura para melhor assim que a agenda econômica avance”, disse ele. O relatório do Copom vai na mesma direção. Apesar de sinalizar intenção de mais cortes no futuro, ainda o condicionam à aprovação do Arcabouço Fiscal, da Reforma Tributária, além de assegurar as decisões envolvendo o Carf. Assuntos que estão em curso, mas sem resolução definitiva.

85% das decisões do Copom são tomadas com ampla maioria. Não foi o caso da reunião do dia 2 de agosto

Impactos imediatos

A Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade) calcula que o efeito do corte de 0,50 ponto na Selic vai ser quase nulo sobre as principais modalidades de crédito usadas pelos brasileiros:
* compras parceladas no varejo,
* cartão de crédito,
* cheque especial,
* CDC (Crédito Direto ao Consumidor) para compra de veículos,
* empréstimo pessoal em bancos e financeiras.

Segundo Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação, com a atual redução, a taxa média paga por pessoas físicas no mercado para obtenção de crédito passará de 126,2% para 125,2%. “É um impacto pequeno nesse primeiro momento”, afirmou.

Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV, o impacto poderá ser mensurado de forma mais robusta em situações em que o crédito possua uma garantia mais forte, como o financiamento de imóveis, ou automóveis.

Geração de emprego e aumento da renda do brasileiro, por exemplo, ficam mais para frente. “Os efeitos efetivos não devem ser vistos antes de a taxa ficar em um dígito”, disse a pesquisadora.

E esse caminho será longo. A projeção do governo, por meio do boletim Focus, é que a taxa média termine 2023 em 12% e chegue abaixo dos dois dígitos (em 9,25%) ao fim de 2024.

Quem aproveitou a deixa para informar novos patamares de juros foi o Banco do Brasil, que anunciou taxas menores para contratação de empréstimos.

Segundo Tarciana Medeiros, presidente do BB, a redução acompanha uma onda mais positiva da economia e abre espaço para capitalizar melhor as empresas, em especial as de menor porte, e as famílias.

“Isso nos permite vislumbrar perspectivas de ainda maior dinamismo da economia, com mais crescimento e geração de emprego”, disse.

A Caixa, também estatal, anunciou uma redução total de 2,3% nas taxas de juros do crédito consignado. “É o início de um processo para tornar o crédito mais justo”, informa o relatório do banco.

Na avaliação de Rodrigo Cohen, cofundador da Escola de Investimentos, apesar de penoso para a economia, a decisão de Campos Neto de começar a subir os juros antes do resto do mundo e de segurar em um patamar alto por um período mais longo colocaram o Brasil em uma posição mais confortável para reduzir antes de outros países. “Agora há espaço para essa queda antecipada.” 

Para ele, o movimento de redução da Selic deve continuar porque as projeções de inflação e PIB estão melhores para o acumulado do ano.

Fábio Louzada, fundador do Eu Me Banco, ressalta que apesar de bom para a economia é preciso ter atenção na inflação de serviços. “Mas mesmo com as preocupações, a projeção da inflação já está bem perto do teto da meta. Só precisa manter”, disse Louzada.

Mais um ponto de atenção na narrativa de Lula e Haddad que precisam cuidar disso enquanto reativam a economia, liberam crédito, geram empregos, ajustam a tributação e acertam as contas públicas. Para alguns, Campos Neto pode ter demorado. Mas fez a parte dele.