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Robson Andrade, o líder que empurra a indústria brasileira para o futuro

Inovar, capacitar e internacionalizar a atividade industrial brasileira em meio a um cenário global desafiador são parte do legado de 13 anos de Robson Andrade na presidência da CNI. Saiba como sua gestão transformou o País

Crédito: Divulgação

Engenheiro nascido em São João Del Rey (MG), Robson Braga de Andrade será substituído no cargo em outubro. Sua gestão superou grandes desafios para o setor no Brasil e no mundo (Crédito: Divulgação)

Por Celso Masson

O ano de 2010 representou um marco histórico para o Brasil. Após dois mandatos consecutivos de Fernando Henrique Cardoso e dos efeitos positivos das duas primeiras gestões de Lula como presidente, a economia brasileira se tornou a sexta maior do mundo. O PIB cresceu 7,5% em relação ao ano anterior — taxa que correspondeu à terceira maior do planeta, atrás apenas de Índia (8,6%) e China (10,3%). Uma conjunção de fatores externos, como o boom das commodities e a recuperação econômica após a crise iniciada nos Estados Unidos em 2008 e agravada em 2009, se somou à estabilidade do real e dos bem-sucedidos programas de distribuição de renda do governo petista para criar um cenário de alta no emprego e na renda das famílias. Mais consumo resultou em maior investimento da atividade produtiva. De todos os setores da economia, o que mais cresceu em 2010 foi a indústria, com alta 10,1% — bem acima do agronegócio (6,5%) e de serviços (5,4%), segundo o IBGE.

Um dos laboratórios da rede Senai, que teve grande impulso a partir de 2013 e ajudou a indústria a desenvolver soluções até para enfrentar a pandemia de Covid-19 (Crédito:José Paulo Lacerda)

No final daquele ano, a popularidade de Lula atingiu o recorde de 87%, o que já havia se refletido nas urnas com a eleição de sua ex-ministra Dilma Rousseff, primeira mulher a presidir o País.

Também em outubro daquele ano, embora de forma mais discreta, o engenheiro mecânico e empresário Robson Braga de Andrade assumia em Brasília a presidência da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Mineiro de São João Del Rey, ele tinha na época 62 anos e já havia presidido a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) por dois mandatos, de 2002 a 2010.

Antes de ser eleito presidente da CNI, Andrade ocupara a segunda vice-presidência da entidade, além de presidir os conselhos temáticos de Meio Ambiente e de Assuntos Legislativos.

Sua chegada ao cargo máximo da principal representante da indústria brasileira na defesa e na promoção de políticas públicas que favoreçam o empreendedorismo e a produção coincidiu com transformações e mudanças externas e internas que naturalmente implicavam em incertezas para a competitividade da indústria brasileira.

Entre os maiores desafios estava:
* manter a capacidade instalada do parque fabril nacional,
* trazer mais inovação e criatividade às atividades industriais
* e, sobretudo, manter aquecido o setor hoje responsável por 23,9% do PIB do Brasil (dados da própria CNI) e 21,2% dos empregos formais do País.

Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp (Crédito:Claudio Gatti)

“Liderando a CNI, Robson Andrade tem sido um eficiente diplomata empresarial nas relações com o nosso setor e os demais, além de um interlocutor responsável com os poderes.”
Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp

No próximo mês de outubro, quando transmitir a seu sucessor Ricardo Alban o cargo que vem ocupando por 13 anos, Andrade deixará um legado que pode ser considerado revolucionário para a indústria brasileira.

Sua gestão foi marcada por ações de incentivo à inovação e à pesquisa, por investimentos em educação e formação profissional e por avanços na agenda de sustentabilidade.

Seu olhar para o futuro levou a instituição a dar ênfase a novos temas que emergiram e se consolidaram nas duas primeiras décadas do século 21. De um lado, as mudanças climáticas e a economia de baixo carbono; do outro, o conhecimento e a inovação como motores da economia e a emergência e difusão de novas tecnologias que constituem a indústria 4.0.

Visão de longo alcance

Na visão de Andrade, os desafios trazem também um horizonte de possibilidades para o País.

“Com as novas tecnologias e a indústria 4.0, profissionais do mundo todo precisarão se requalificar. Essa é inclusive uma oportunidade para o Brasil, que pode diminuir a distância de outros países no que diz respeito à qualidade da sua força de trabalho e à produtividade”, afirmou à DINHEIRO. “Mas, para isso, é preciso investir em uma educação profissional de qualidade, alinhada às necessidades do setor produtivo e focada em empregabilidade. O trabalhador da indústria ‘realizador de tarefas’ está com os dias contados”, disse Andrade.

Para ele, o grande desafio mundial hoje é o da requalificação. Por isso o Senai (Serviço Nacional de Aprendizado Industrial, órgão subordinado à CNI) está coordenando uma iniciativa para fomentar a interação público e privada e criar um ecossistema de análise, tomada de decisão e ações para recolocar profissionais.

Trata-se da Aceleradora de Competências, ou Closing the Skills Gap Accelerator, no original em inglês. “Essa pauta surgiu na 50ª reunião do Fórum Econômico Mundial, em janeiro de 2020. No Brasil, serão 4,2 milhões de pessoas qualificadas em novas tecnologias em oito setores”, afirmou o presidente da CNI.

E para não repetir os erros que fazem a educação patinar no Brasil, alguns cuidados foram tomados pela gestão de Andrade.

Em 2012, com a criação do Programa Senai de Apoio à Competitividade da Indústria, a CNI deu início à implantação de duas redes de institutos dedicados ao desenvolvimento de tecnologia e inovação nas empresas do setor: os Institutos Senai de Inovação (ISI) e os Institutos Senai de Tecnologia (IST).

Idealizados como ambientes de integração entre startups, empresas, investidores e centros de pesquisa, são dotados de laboratórios e equipes qualificadas para promover o desenvolvimento de novos produtos, processos e soluções industriais customizadas.

Ao longo de dez anos foram inaugurados 27 ISIs, em 12 estados brasileiros, e 60 ISTs, em 17 estados e no Distrito Federal.

De álcool gel a satélites

Desde que entraram em funcionamento, os ISIs e ISTs apresentam resultados impressionantes. De seus laboratórios saíram soluções que não só impactam positivamente nos processos industriais como beneficiam diferentes setores da sociedade.

Exemplo foi a pesquisa sobre novas fórmulas de álcool em gel que permitiu dar maior escala à capacidade de produção do item fundamental para ajudar a sociedade na prevenção ao coronavírus.

Também foram criados pelos institutos:
* um sistema de esterilização do transporte público por meio de lâmpadas ultravioleta de alta potência,
* um biossensor para auxiliar na detecção do câncer de mama,
* e um nanossatélite para uso nas áreas de desenvolvimento industrial, agronegócio, cidades inteligentes, saúde, segurança e defesa civil.

Os Centros de Inovação Sesi, desde 2018, entregaram ao mercado tecnologias como o Drive 4.0, sistema de monitoramento em tempo real da frequência cardíaca de trabalhadores condutores de veículos em plantas industriais ­— possibilitando identificar estresse, fadiga e sedentarismo e checar sua aptidão para o trabalho — e a multiplataforma Smart Inspecs, que usa drones e dispositivos móveis para acompanhar o trabalho em canteiros de obras, verticais ou horizontais, reduzindo riscos associados à segurança e à saúde na indústria civil.

Parte igualmente importante do legado de Andrade é ter consolidado a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) como principal ambiente de debate sobre a inovação no Brasil.

Ao longo da última década, a iniciativa ampliou seu alcance, reunindo hoje mais de 420 empresas e 500 líderes empresariais. Para se integrar na agenda global de inovação, a MEI criou um programa de imersões e firmou parcerias com atores importantes do ecossistema externo por meio do Comitê Consultivo Internacional, criado este ano.

O grupo é presidido por Soumitra Doutta, reitor da Escola Saïd de Negócios, ­ uma das 38 que compõem a Universidade de Oxford, na Inglaterra, onde o comitê foi lançado.

No ambiente interno, a CNI conseguiu uma vitória importantíssima com a aprovação, no Congresso Nacional, da lei que proíbe o contingenciamento do principal instrumento público de financiamento da ciência, tecnologia e inovação no Brasil: o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Com essa lei, o orçamento destinado à CT&I só pode ser usado para financiar atividades que dizem respeito a esse propósito. Ao longo da história do Brasil, parte dos recursos do FNDCT foi usada na expansão de empresas que simbolizam o potencial científico-tecnológico brasileiro, como a Embrapa e a Embraer.

O fundo também financia universidades e institutos de pesquisa públicos e privados. Com mais acesso a financiamento, mais empresas podem inovar e mais possibilidades se abrem para aperfeiçoar o ecossistema de inovação brasileiro, ampliando a integração do País às rotas globais.

Um articulador comprometido com o Brasil

Para o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, o trabalho de Andrade merece todo respeito e admiração. “Liderando a CNI, Robson Andrade tem sido um eficiente diplomata empresarial nas relações com o nosso setor e os demais, além de um interlocutor responsável com os poderes”, afirmou Gomes da Silva à DINHEIRO. “Não defende apenas interesses da indústria, mas do Brasil”.

O diálogo institucional com importantes atores políticos buscou aprimorar o ambiente de negócios no Brasil por meio de uma legislação mais moderna e conectada com a realidade da atividade.

Nesse período, o Congresso Nacional aprovou pautas que destravaram relações econômicas e sociais no Brasil. Foi o caso das reformas Trabalhista (no governo Michel Temer), da Previdência (na gestão Jair Bolsonaro) e, mais recentemente, a Tributária, além do novo Marco do Saneamento Básico.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, um dos méritos de Andrade é “ser um grande articulador das demandas da indústria nacional e que soube formar na CNI um corpo técnico altamente qualificado”.

Tornar o Brasil mais competitivo é um desafio que passa pelo ensino fundamental, onde a indústria tem uma participação decisiva por meio do Sesi e do Senai (Crédito:Escola SESI)

Baixo carbono

Como líder da representação empresarial brasileira a cada participação na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP), a CNI reafirmou o objetivo de tornar a indústria nacional uma referência no uso eficiente dos recursos naturais e no aproveitamento de oportunidades associadas à economia de baixo carbono e ao uso dos ativos da biodiversidade.

E ilustrou essa determinação apresentando ao mundo exemplos de iniciativas sustentáveis de empresas brasileiras em eventos como a COP-26 (em novembro de 2021, na Escócia) e na Feira de Hannover, na Alemanha, em abril de 2023.

O salto para o alcance desse objetivo nos anos que virão encontra firme apoio na Estratégia da Indústria para uma Economia de Baixo Carbono — conjunto de 17 ações a serem desenvolvidas por governo e setor produtivo para que o País avance rumo à redução de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), nos curto e médio prazos, e à neutralidade climática, em 2050.

A segunda década do século 21 foi um período turbulento para a economia brasileira, que começou ainda afetada pela crise financeira mundial de 2008 e sofreu os reflexos de instabilidades políticas, a partir de 2014, da pandemia da Covid-19, em 2020, e da guerra na Ucrânia.

A indústria brasileira não passou incólume a todo esse conturbado momento histórico. E as conquistas obtidas a favor dela e do desenvolvimento econômico do País nos últimos 13 anos não seriam possíveis caso a CNI não tivesse se reinventado internamente.

Em 2011, a entidade redesenhou sua estrutura organizacional, criou novas diretorias, promoveu a aproximação e a valorização das áreas técnicas e garantiu mais autonomia a elas.

Como critério para melhorar o diálogo interno e com a sociedade, fortaleceu a comunicação, tornando-a parte das ações estratégicas e de defesa de interesses, estimulando a realização de pesquisas e a produção de conhecimento.

Futuro da indústria no Brasil

O Brasil de 2023 não é o mesmo de 2010; a indústria brasileira também não. Tecnologias avançadas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas e computação em nuvem estão presentes na manufatura como não estavam há 13 anos.

Da mesma forma, se intensificaram a demanda por produtos e processos produtivos com menos impacto no meio ambiente e a atenção dada ao tema por organizações internacionais, governos, empresas e sociedade.

Ainda há, evidentemente, um longo caminho a se percorrer, mas essa caminhada será favorecida pelas múltiplas ferramentas e políticas arquitetadas pelo Sistema Indústria neste passado recente para que o setor industrial cumpra seu compromisso com o desenvolvimento do Brasil e colabore cada vez mais na construção de um país com mais qualidade de vida e bem-estar social para toda a população.

ENTREVISTA
Robson Andrade, Presidente da CNI

Robson Andrade, Presidente da CNI: “É preciso reduzir nosso atraso tecnológico, fortalecer nossa pesquisa e elevar a qualidade de nossa educação” (Crédito:Divulgação)

Passados 13 anos desde que iniciou sua gestão na presidência da CNI, quais conquistas para a indústria brasileira considera as mais significativas?
Em retrospecto, esse período foi de grandes adversidades para o Brasil e para a indústria. Enfrentamos uma crise econômica doméstica e uma pandemia global, para citar dois grandes exemplos. Mas esses anos de adversidades também contribuíram para reacender o debate sobre os antigos problemas que travam o crescimento do Brasil e comprometem o seu desenvolvimento no futuro. Na agenda de infra-estrutura, ganhamos em capacidade e eficiência com participação privada em aeroportos e portos, por exemplo. Temos uma nova lei do gás, a regulação do acesso ao patrimônio genético e um novo Marco do Saneamento, pelo qual a indústria trabalhou desde 2014. Essa lei permitirá que cheguemos à próxima década sem a vergonhosa marca de 100 milhões de brasileiros sem tratamento de esgoto.

E quais desafios ainda persistem?
O Brasil precisa de uma política industrial a médio e longo prazos, com missões e metas definidas. Não se trata de oferecer subsídios a setores selecionados. Pelo contrário, significa identificar os problemas e desafios que temos como país, bem como definir estratégias que reúnam o poder público, o setor privado e a sociedade civil na realização de programas e ações que tragam essas soluções.

A indústria tem perdido participação no PIB brasileiro há décadas. Falta vontade política dos governos brasileiros para tornar o setor mais competitivo globalmente?
Começamos a década de 2010 com a economia e a indústria crescendo e o mundo olhava com atenção e entusiasmo para o Brasil. Infelizmente, repetimos o conhecido roteiro de que não conseguimos sustentar longos períodos de crescimento. Quem produz e gera empregos atravessou tempos complexos, de bastante insegurança quanto ao ambiente econômico. Hoje, há uma percepção nas grandes economias de que houve, sim, uma excessiva concentração de elos de cadeias produtivas na Ásia e há um movimento para internalizar processos considerados mais estratégicos. Nossa visão não é diferente para a indústria nacional, mas é preciso, principalmente, concluir a votação da Reforma Tributária. Ela é importante para a indústria porque o investimento produtivo e a agregação de valor — produzir bens mais sofisticados em cadeias mais longas — é muito caro por conta da cumulatividade. É preciso frisar que todos os brasileiros e brasileiras ganham com a reforma.

Ao longo dos anos em que o senhor esteve na presidência da CNI foram aprovadas três grandes reformas: Trabalhista, da Previdência e Tributária. Na sua visão, elas foram positivas para a indústria brasileira? E para o Brasil de forma mais ampla?
São todas reformas que vêm sendo debatidas no Brasil há muito tempo. A Trabalhista, de 2017, colocou na legislação temas que vinham sendo discutidos desde o começo do século, como a valorização da negociação coletiva, e incorporou outros mais recentes, como o home office, algo que já contava, inclusive, com regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, que serviu de modelo para a regra hoje aplicada no setor privado. A Reforma Trabalhista trouxe a CLT para o mundo do trabalho contemporâneo sem mexer em direitos fundamentais do trabalhador. Para as empresas, significou regras mais claras e menos risco de serem acionadas na Justiça. A queda na litigiosidade, que representa um custo para toda a sociedade, mostra que ela foi bem-sucedida nesse aspecto. É importante que esses avanços sejam preservados e a indústria está aberta para debater eventuais aprimoramentos. A Reforma da Previdência foi importante porque sinaliza para a sustentabilidade das contas públicas no futuro, sem a qual a confiança na economia brasileira poderia ser abalada. Haveria um rombo nas contas das aposentadorias que teria de ser coberto com enormes sacrifícios de empresas e cidadãos. Quanto à Reforma Tributária, o texto aprovado na Câmara dos Deputados traz enormes avanços, mas há aperfeiçoamentos que precisam ser feitos, sobretudo para evitar a criação de novos tributos e exceções que podem levar a aumento da alíquota do IVA. Para nós, é essencial que a reforma seja promulgada, sem falta, em 2023.

Olhando em retrospectiva, quais as diferenças mais importantes para o setor industrial hoje em comparação ao cenário de 13 anos atrás?
A indústria brasileira é bastante diversificada em nível de desenvolvimento, tipo de atividade e porte, e se encontra espalhada por um país com grandes diferenças entre as regiões. Esse é um cenário bastante desafiador quando falamos de construir um ambiente de negócios com as diretrizes mais transversais possíveis para essas realidades tão distintas. Os principais avanços estão no aperfeiçoamento dos instrumentos de articulação entre as dezenas de representações do setor, entre federações estaduais e associações setoriais. Isso tem um reflexo positivo no nosso diálogo com o poder público — Executivo, Legislativo e Judiciário — na defesa de interesses do setor para que as posições construídas e defendidas pela CNI sejam representativas da indústria. Também houve fortalecimento de importantes estruturas de articulação, como a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), criada pelo meu antecessor, o Armando Monteiro. Ela tem sido importante instrumento de diálogo com o governo e foi de lá que nasceu a proposta de criação da rede de Institutos Senai de Inovação. Com dez anos, essa é a maior estrutura de apoio à inovação e à pesquisa aplicada para empresas do Brasil ou estrangeiras.

Os últimos anos têm sido marcados pela revolução da Indústria 4.0 e da digitalização. Quais os impactos dessas transformações na geração de empregos pela indústria?
A Indústria 4.0 exige cada vez mais um profissional tomador de decisões. Ele tem de ser capaz de planejar, negociar, interpretar grandes quantidades de dados e informações, aplicar conceitos matemáticos na solução de problemas e, principalmente, ter pensamento crítico. Não basta ter competências técnicas. Ele deve desenvolver habilidades comportamentais, incluindo empreendedorismo, criatividade, inovação e aprendizagem ativa. Porque ele não vai parar de estudar. Não existe mais ‘estar formado’. Uma característica da revolução 4.0 é a velocidade dos avanços, sem precedentes na história e com impacto direto nas indústrias — e, consequentemente, no mercado de trabalho e na economia de todos os países. A transformação do mercado de trabalho virá com uma mudança profunda nos perfis profissionais e o surgimento de novos negócios. Se tivermos trabalhadores qualificados e mais produtividade, teremos uma economia mais dinâmica e, consequentemente, mais empregos de qualidade.

O nível de conhecimento dos trabalhadores da indústria brasileira tem acompanhado as necessidades do setor?
Esse não é um problema exclusivo do Brasil. As indústrias e suas representações e outras instituições que monitoram os desafios do mundo do trabalho estão de olho nesse desafio. O que temos hoje, com a quarta revolução industrial em curso e disseminação de tecnologias como o 5G, é uma transformação nos processos produtivos em velocidade, que representa um grande desafio para a formação, qualificação e requalificação da força de trabalho.

“Se tivermos trabalhadores qualificados e mais produtividade, teremos uma economia mais dinâmica e, consequentemente, mais empregos de qualidade”

A educação básica é uma fragilidade conjuntural do País e não temos avançado de forma consistente nos indicadores internacionais. De que forma essa desvantagem competitiva pode ser minimizada por iniciativas da própria indústria?
A indústria entende que a qualificação da força de trabalho é importante e investe na formação dos seus trabalhadores. A CNI, junto ao Sesi e ao Senai, realiza regularmente estudos prospectivos que analisam o impacto das tecnologias nas funções e ocupações, de forma a antever mudanças nos perfis profissionais. Mas o alcance desses esforços é limitado e o aumento da escolaridade do brasileiro e a melhora da qualidade do ensino é um desafio de Estado. Nossa contribuição se dá no sentido de apresentar as questões presentes e futuras do setor produtivo, fornecer dados e evidências que contribuam para a formulação de novas políticas públicas ou o aprimoramento das existentes. Um deles é o de ampliar o número de jovens formados pelo ensino técnico e profissional com a educação básica, que são 9% no Brasil e 38% na OCDE.

O que impede o Brasil de inovar mais?
Hoje, a indústria responde por 66,4% do investimento empresarial em inovação e dados oficiais mais recentes mostram que o aporte em inovação no Brasil cresceu 33,4% entre 2016 e 2019. Precisamos investir, no mínimo, o que as nações mais avançadas na agenda de inovação destinam à pesquisa e ao desenvolvimento. Os países da OCDE investem, em média, pouco mais de 2% do PIB em P&D [pesquisa e desenvolvimento], enquanto aqui esse índice é de 1,17%. Devemos fazer mais.

Estamos muito atrás?
O Brasil ainda não tem uma economia puxada pela inovação, embora haja praticamente consenso entre as lideranças e instituições empresariais sobre a relevância do tema. É preciso reduzir nosso atraso tecnológico, fortalecer nossa pesquisa e elevar a qualidade de nossa educação, por meio da busca de novas estratégias de inovação, capazes de facilitar a absorção, a adaptação e a geração de novas tecnologias pelas empresas. Isso não ocorrerá sem a construção de uma estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) ambiciosa, de longo prazo e bem coordenada, com vistas a posicionar o País entre as economias mais inovadoras do mundo. A inovação deve ser uma política de Estado, com visão de longo prazo, com instâncias de governança bem definidas e com foco em aumento da produtividade e da competitividade. Não se faz inovação sem financiamento. Para que possamos elevar nossos investimentos a patamares internacionais, é preciso diversificar as fontes de recursos em relação às existentes e que os recursos públicos disponíveis — principalmente os do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT) — sejam executados na totalidade porque o Estado é estratégico na subvenção e apoio a projetos de maior risco.

Faltando poucos meses para transmitir o cargo de presidente da CNI, qual a maior satisfação que obteve nessa posição e o que gostaria de ter feito mas não conseguiu?
Acredito que a maior satisfação é ter participado de iniciativas que contribuíram para fortalecer o setor industrial, o diálogo entre suas diversas representações e o poder público e a sociedade e dividir com os milhares de empresários industriais algumas conquistas que contribuíram para melhorar a vida de quem produz, cria empregos e gera riquezas para o País. Não levo frustrações. Podemos não ter feito tudo que gostaríamos, mas o balanço é gratificante.