Novo Marco de Garantias tem chances de agradar a todos. Entenda
Regulamentação reduz riscos para o credor e tem potencial de elevar até 25% o volume de contratos de financiamento após sua aprovação
Por Paula Cristina
Lá em abril, quando o governo e o Banco Central batiam cabeça sobre reduzir ou não os juros, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou à DINHEIRO que trabalhava para que a redução do juros se desse também pela política econômica, e não apenas pela monetária – como é de praxe. Segundo ele, havia duas frentes de ataque:
• as políticas e regulamentações feitas pelo Executivo
• a articulação para que o Legislativo destravasse questões para facilitar, descentralizar e estimular um crédito mais barato.
Uma dessas ações deve ser resolvida ainda em agosto. Trata-se do novo Marco de Garantias, um projeto que nasceu no governo Bolsonaro e transforma a forma de financiamento de imóveis, carros e outros bens.
De acordo com o relator do projeto, senador Weverton Rocha (PDT-MA), o texto tem potencial de reduzir em 20% o custo do juro por transação ao dar mais segurança para o credor, diminuir o tempo para obtenção e abertura para que um mesmo bem seja usado como garantia para financiamentos distintos.
“Contamos também que haverá um impulso entre 15 % e 25% no número de solicitantes de crédito, pessoas que antes não poderiam pleitear esse recurso.”
Isso é possível, segundo Haddad, porque independem da canetada do Banco Central na saga da redução dos juros, (que inclusive começou, na reunião mais recente, com o corte de 0,5 ponto percentual na Selic, que ficou em 13,25%).
“Temos uma gestão enorme trabalhando em frentes distintas para melhorar o ambiente econômico para os tomadores de crédito e também para quem oferece”, disse o ministro.
Essas iniciativas, inclusive, caminham em paralelo. O Desenrola, que renegocia dívidas, já está em prática. Há também uma aproximação dos bancos para uma renegociação sobre juros rotativos no cartão e do cheque especial, movimento que deve avançar conforme as 17 medidas de desburocratização do mercado financeiro, anunciada no final de julho, comecem a ser colocadas em prática.
20%
é a redução esperada pelos bancos e instituições financeiras nos custos do juro por transação se as novas regras forem aprovadas no Congresso
Começar essa “revolução no mercado financeiro”, como definiu Haddad, pelo Marco das Garantias não foi por acaso.
A medida é capaz de resolver três problemas de uma vez só:
• Dá ao sistema bancário regras mais atuais e condizentes com as práticas internacionais;
• dá aos brasileiros melhores condições de obter crédito (e assim estimular o consumo interno);
• e de quebra incentiva uma concorrência maior no mercado.
O plano é ter resultados como os obtidos quando foi permitida a portabilidade das dívidas. Segundo o Banco Central, desde 2013 quando a portabilidade entrou em vigor, houve uma redução média de 0,8% no juro cobrado aos consumidores. Outro dado relevante é que, no crédito consignado, houve uma redução média de 5% do spread.
Mudanças estruturais
Para se ter uma dimensão prática das mudanças, em um imóvel avaliado em R$ 1,2 milhão poderá ser oferecido pelo proprietário como garantia para três empréstimos de cerca de R$ 400 mil cada, com finalidades distintas.
O projeto de lei também permite que um imóvel alienado (isto é, ainda não quitado e, portanto, ainda em nome do banco) seja dado como garantia de operações de crédito. Pela lei atual, um imóvel só pode ser atrelado a um empréstimo por vez. Assim, o tomador precisa, hoje, quitar essa dívida, se quiser desbloquear o bem e dá-lo como garantia para um novo crédito.
Outra mudança grande envolve a retomada do bem oferecido como garantia ou financiado pela instituição financeira. O plano é dar mais autonomia para que o credor recupere o imóvel pulando partes judiciais do processo, o que, em geral, é custoso para o banco e eleva consideravelmente o risco.
De acordo com Isaac Sidney, presidente da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) a indústria bancária recupera atualmente uma média de 20% dos créditos com inadimplentes. “Qualquer instrumento que dê celeridade a este processo, como busca e apreensão extrajudicial de veículos, ou se maximizam as garantias, como mais de um empréstimo por imóvel, isso diminui o risco”, afirma.
Aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do senado, o plano do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, é levar o PL 14.188/21 para votação ainda em agosto, mas ainda restam pontos nelvrágicos que vão dar alguma dor de cabeça na aprovação.
1) Um deles envolve os bens de família. O texto enviado pela Câmara permitia que houvesse a retomada de imóveis que são o único bem de uma determinada família. O Senado, no entanto, entende que deve haver uma proteção maior para estes casos.
2) Os senadores também entenderam ser necessária a criação de Instituições Gestoras de Garantia (IGG), intermediárias para avaliar os bens dos devedores, fazer o registro deles nos cartórios e promover a execução da dívida, o que aumentaria o custo para oferecer o crédito e a burocracia, mas é visto como relevante para padronização da avaliação do bem.
3) Há ainda um desentendimento sobre o monopólio da Caixa Econômica Federal para penhor de bens móveis (como joias), contrariando a solução dada pela Câmara dos Deputados. A Câmara também havia retirado o monopólio da Caixa e do Banco do Brasil para as transferências relativas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), decisão que foi derrubada pelos senadores.
Atualizações
O Marco das Garantias disciplina o entendimento atual de que, com exceção dos imóveis, os credores precisam ir à Justiça para cobrar os bens dados como garantia em caso de inadimplência. O projeto, diz Weverton, estende para bens móveis, como veículos, a possibilidade de cobrança extrajudicial em caso de inadimplência.
“Queremos incentivar a ‘desjudicialização’ da execução de título judicial e extrajudicial”, disse.
Eles incluíram ainda um artigo que garante ao devedor, no caso de protesto de certidão de dívida ativa, o direito ao parcelamento de dívida e o imediato cancelamento do protesto.
“Mas tudo é facultativo. Quem não quiser ir pela via extrajudicial, vai pela via judicial, que é a instância que dá a palavra final. A extrajudicial vai facilitar a quem dá o crédito e ao tomador desse crédito a fazer uma boa negociação com juros mais baixos”, disse Weverton.
Liberação do crédito
Se entrar em vigor, o marco muda drasticamente a forma como são entendido os imóveis na captação de financiamento. Pelas regras em vigor, um imóvel fica “preso” a um só financiamento até a quitação, mesmo que seja uma operação de crédito de valor menor do que o do bem ofertado como garantia.
Com o novo modelo, o mesmo imóvel poderá ter seu valor fracionado e servir de lastro para diversos financiamentos, utilizando plenamente o preço real do bem.
Cada um desses financiamentos poderá ocorrer em um banco diferente e, assim, o cidadão poderá sempre escolher aquela instituição que lhe ofereça a taxa de juros mais barata.
Umas das grandes mudanças nesse modelo é que o terreno de lote urbano passará a poder ser garantia para financiamento a obras a no próprio lote.
No caso dos veículos os Detrans serão os responsáveis pela execução extrajudicial, podendo utilizar os serviços de empresas privadas devidamente credenciadas que já prestam serviços de registro de gravames.
Sobre investimentos, o relator simplificou o procedimento de emissão de debêntures, de modo a estimular uma maior liquidez do mercado secundário de títulos de renda fixa privado, reforçando sua utilização como fonte de captação de recursos pelas companhias. Um texto gigante, com mudanças robustas com potencial de agradar gregos e troianos.