Um país em três atos

A distância de virarmos tragédia ou comédia ainda é pequena

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Edson Rossi: "Economicamente, outra década perdida. Politicamente, a consolidação do parlamentarismo TikTok — a cada 15 segundos uma dancinha" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Ter saído dos umbrais do governo do lúmpen-ex-presidente Jair Messias Bolsonaro faz parecer o que vivemos hoje como salvação suprema. Quase o paraíso. Menos. É evidente que Lula III é um ser de outro patamar perto do eterno servidor público que tivemos sentado no Planalto entre 2019-2022 e que patrocinou, ao menos de forma inspiracional, o golpismo do 8 de Janeiro. Isso tudo fora o mau gosto, a deselegância, a desinteligência, a imbecilidade, os maus modos e a aparente ficha criminal dessa gente. Mas enxergar que não chegamos lá (no paraíso), e nem perto estamos, é um bom conselho para evitarmos cair na tragédia — ou na comédia. Como Nação.

Ato 1. Um dos recados mais recentes, e mais evidentes, apesar de não ter ganhado tamanha repercussão, foi dado na entrevista de Danilo Forte à Folha de S.Paulo. O deputado cearense (União Brasil) é relator da lei que vai virar o Orçamento. O parlamentar, falando do Arcabouço Fiscal, disse que tanto faz se o que for aprovado tiver como esteio o texto do Senado ou o texto da Câmara dos Deputados. Do jeito que virá, o governo federal terá de mexer na meta de déficit fiscal do ano que vem. “Inevitavelmente”, disse Forte. Num país em que as discussões se tornaram monocromáticas, a leitura da claque governista é de que esse tipo de aviso joga contra o Brasil. Bobagem. O recado dele é uma bênção ao senhor Lula III. “A não ser que o governo abra mão de seus programas, não tem de onde tirar tanto dinheiro.” Ter, tem. Mas nem mesmo Lula parece ter cacife para tanto: taxar grandes fortunas, por exemplo. Para chegar ao almejado déficit zero em 2024, o sonho de consumo do ministro Fernando Haddad, será preciso algo na casa dos R$ 130 bilhões a mais no caixa federal. Se o Planalto produzisse menos benesses sem lastro haveria alguma chance. Do jeito que está, pouco provável.

Ato 2. Até aqui, para sair da sinuca, e tentar explicar por que a economia não traciona, o governo federal escolheu um vilão. O Banco Central. E taca-lhe pau nos altos juros. O BC (desde o governo anterior) foi quem mais jogou dentro de seus limites constitucionais. E o que mais defende sua missão: “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. Ainda assim, o órgão virou o boneco de Judas da vez. Mas agora a Selic começa a cair, e Lula III não tem as mesmas ferramentas para conduzir os deputados como as que tinha em seus dois primeiros mandatos. Parte dessa perda de poder ao Congresso se deve a ele mesmo, porque nasce do desastre econômico sob Dilma Rousseff (e depois se consolida no momento terra-sem-lei de Bolsonaro). Economicamente, outra década perdida. Politicamente, a consolidação do parlamentarismo TikTok — a cada 15 segundos uma dancinha. Socialmente, instituições e decoro destruídos — a gente normalizou ver agentes públicos de elite (altos militares e diretor-geral da PRF, por exemplo) + representantes do Judiciário & MP perdendo todo o pudor e escancarando em redes sociais (e emails não deletados) quem eles são e o que pensam. Em resumo, uma várzea. Sabe o Real Madrid? Sabe o time do churrasco? A distância entre o Brasil e uma Nação virou a mesma.

Ato 3. Vai acontecer no triênio 2024-2026. Na clássica estrutura narrativa dos três atos, temos inicialmente o setup — aquele momento tempo-espaço, tema-personagem. A hora em que a gente diz “ok, a trama se passa em tal lugar, em tal momento, sobre tal assunto e tais personagens”. Na sequência, o segundo ato: começa com um plot point (ou plot twist). Uma virada. A partir daí temos os conflitos. Termina em novo plot point. Então seguimos para o terceiro e derradeiro ato, no qual a história tem seu fecho. Não necessariamente feliz. No momento atual, vivemos o começo do segundo ato. Na verdade, acabamos de ver os primeiros plot points (Arcabouço Fiscal, Reforma Tributária e Queda de Juros). Estamos apenas no início do momento dos conflitos. Sairá da sensibilidade e civilidade de seus principais protagonistas se chegaremos ao fim do terceiro ato com um final suportável. Neste momento, Fernando Haddad é o cara que fará essa resumida jornada do herói. Inclusive contra Lula III.

*Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.