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É hora de rever o modelo de negócio das instituições públicas

Para garantir a eficiência dos serviços, precisamos repensar o que de fato deve ser feito, de que forma e por quem

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Vinicius Brum: "A questão maior para o setor público é a revisão de seus modelos de negócio e não apenas a cadeia de processos" (Crédito: Divulgação)

Por Vinicius Brum*

Eficiência e produtividade são temas recorrentes no contexto da gestão pública, uma vez que ambos têm impacto direto na qualidade dos serviços prestados à sociedade, no uso dos recursos públicos e na capacidade dos governos para atingir objetivos e metas. No entanto, mesmo diante de tamanha importância, são pouco praticados no dia a dia das instituições se consideradas as lacunas de oportunidade para a racionalização do trabalho, otimização de gastos e, principalmente, as chances de melhoria da qualidade dos serviços.

Dentro do conceito global de smart city, como o termo se popularizou em inglês, ser mais eficiente envolve eliminar processos desnecessários, burocracias excessivas e desperdício, a partir do entendimento de dados no ambiente público. Hoje, diversas barreiras como, por exemplo, resistência a mudanças e inovação, podem reduzir a eficiência no âmbito da gestão pública e bloquear a criação de ambientes propícios às cidades inteligentes. Sem superar tal resistência, pode-se ficar preso à abordagens ultrapassadas que limitam o progresso.

Para enfrentar os desafios, é preciso comprometimento em promover uma cultura de inovação, boas práticas de gestão e a atualização das competências institucionais, a partir do uso estratégico da tecnologia. Aponto aqui alguns exemplos do Detran por ser uma instituição com grande interface com o cidadão por conta dos serviços que oferece.

No Rio de Janeiro, em maio do ano passado, 32 mil candidatos esperavam sua vez de fazer o exame prático para tirar a Carteira Nacional de Habilitação. Uma demora de dois meses explicada, na época, pelo represamento do trabalho causado pela pandemia. Na Bahia, a espera era de três meses para fazer a mesma prova. Em Santa Catarina, em junho deste ano, a fila para a prova prática era de 31 mil pessoas.

Na busca por soluções, o Detran, em diferentes estados, vem promovendo esforços para digitalizar serviços e impulsionar a transformação digital da instituição. Com isso, busca otimizar o tempo do cidadão e o custo de processos. Minas Gerais, por exemplo, iniciou mapeamento dos serviços para identificar pontos mais críticos. Já no Paraná, houve investimentos em tecnologia para aprimorar serviços disponibilizados de forma online.

Outro gargalo é o serviço de licenciamento de veículos. Hoje, quem compra um carro precisa preencher inúmeros documentos, reconhecer firma em cartório e levá-lo para vistoria num posto do Detran, com grande dispêndio de tempo. Também são exigidas vistorias presenciais do veículo quando a tecnologia existente já permitiria que todo processo fosse feito de casa, através de celular e com segurança.

Na busca pela eficiência, é preciso olhar todo o processo. Não há meia eficiência. Ou o processo é eficiente ou não é – seja por meio do digital ou não. Por isso, trago uma reflexão adicional: será que o melhor caminho para de fato melhorar a experiência do usuário no Detran é digitalizar serviços? Acredito que a resposta é não para alguns desses serviços. Na verdade, creio que os mais sensíveis para o cidadão deveriam deixar de existir da forma como são hoje. Digitalizá-lo significa perpetuar algo que nem deveria existir mais.

O estado de São Paulo apreendeu cerca de 195 mil veículos irregulares no ano passado. Ele administra contratos de pátios de apreensão, guinchos, regularização de documentos e processos que envolvem R$ 500 milhões por ano e uma estrutura enorme de pessoas e recursos. Dentro dessa realidade, algumas soluções poderiam tornar a atual estrutura da cadeia de apreensão de veículos do Detran, de ponta a ponta, algo desnecessário.

Portanto, a questão maior para o setor público é a revisão de seus modelos de negócio e não apenas a cadeia de processos. A eficácia máxima está no repensar o que de fato precisa ser feito, como e por quem — o que traria modelos disruptivos e a integração da cadeia do setor público com as do setor privado. Os ganhos para a administração pública em termos de gastos, estrutura, º simplificação e transparência seriam gigantescos.

*Vinicius Brum é VP da Falconi para soluções de Saúde & Farma, Educação, Saneamento e Serviços Públicos