Economia

Troca de comando, apagão e queda na Bolsa: o que acontece com a Eletrobras?

Renúncia inesperada do presidente Wilson Ferreira Jr., apagão do sistema elétrico em quase todo o País e forte queda das ações projetam sombras sobre o futuro da empresa privatizada no governo Bolsonaro

Crédito: Bruno Santos

Wilson Ferreira Jr.: de peça chave no comando da empresa a renúncia mal explicada (Crédito: Bruno Santos)

Foi uma semana de sobressaltos na Eletrobras. Primeiro veio a notícia de que o então presidente, Wilson Ferreira Júnior, pediu afastamento do cargo. No comunicado da empresa ao mercado, feito na segunda-feira (14), nenhum motivo para a saída foi apontado. Apenas que ele seria substituído por Ivan de Souza Monteiro, que já atuava como presidente do Conselho de Administração. Na manhã seguinte, por volta das 8h, áreas de 25 estados e do Distrito Federal ficaram no escuro, em um apagão cujas causas não haviam sido esclarecidas pelo menos até o meio-dia da quinta-feira (17). Teorias da conspiração de todo tipo foram aventadas, de sabotagem a reflexos da privatização ocorrida em junho de 2022 — hipótese descartada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Enquanto a investigação sobre as causas prosseguia, os papéis da companhia na B3 sofriam forte queda, recuando na casa de 3,5% ao dia tanto na terça-feira (15) quanto na quarta (16).

Sala de controle do Operador Nacional do Sistema Elétrico que monitora o fornecimento de energia. Apagão pode ter sido causado por erro de gestão ou negligência (Crédito:Roberto Rosa)

Além da falha no fornecimento, iniciada por uma sobrecarga no Ceará, a desconfiança do mercado em relação à companhia decorre das sombras que se projetam sobre seu futuro.

Para boa parte do governo Lula, incluindo ele próprio e o ministro Silveira, a privatização da Eletrobras, ocorrida durante a gestão Bolsonaro, foi um erro que trará consequências graves para o País.

Embora União e BNDES possuam juntos 43% das ações da ex-estatal, após a capitalização restou apenas um assento para o governo no conselho de administração.

No dia seguinte ao apagão, o presidente do banco, Aloizio Mercadante, afirmou que o incidente foi uma prova da importância do Estado na gestão do setor e que o BNDES não irá “abdicar dos direitos políticos”.

Em outra frente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também defendeu no Supremo Tribunal Federal (STF) o aumento do poder de voto da União na Eletrobras.

Queda de braço

Nada disso, contudo, parece ter pesado tanto na renúncia de Wilson Ferreira Júnior quanto as opiniões da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, que trabalhou na área de sustentabilidade em empresas ligadas à Eletrobras, como a Itaipu, durante o primeiro período de Ferreira Jr. na presidência da estatal.

Executivo que se destacou no setor elétrico à frente da CPFL, que presidiu por 18 anos, ele chegou à Eletrobras em 2016, a convite do ex-presidente Michel Temer. Na ocasião, ficou conhecido por ter praticado cortes de custos e demissões, o que teria causado desavenças com Janja, segundo uma fonte ouvida pelo jornal O Globo na condição de anonimato.

Considerado peça-chave na privatização da Eletrobras, Ferreira Jr. permaneceu na presidência da companhia mesmo após a mudança de governo. Por isso o espanto diante de sua decisão de renunciar na segunda-feira.

Após sugerir por meio de redes sociais que o apagão teria sido causado pela privatização, Janja obteve uma resposta direta de Jair Bolsonaro, que usou números para comprovar que as estatais brasileiras passaram a ter maior lucro após os governos PT.

Mesmo que Janja nada tenha a ver com a saída de Ferreira Jr, é consenso que falta traquejo político ao ex-presidente da Eletrobras para lidar com as expectativas dos petistas no setor elétrico.

A primeira-dama Janja teria se oposto à política de cortes de custos e demissões que Ferreira Júnior na Eletrobras (Crédito:Ueslei Marcelino)

Depois de o ministro Silveira afirmar que não há indício de crime no apagão, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, defendeu que um erro técnico causou a falha de fornecimento. E aproveitou para afirmar que o Brasil vive uma realidade de sobra de energia, diferentemente do que já ocorreu com problemas de oferta e demanda.

Ainda assim, Silveira declarou que irá pedir ao Ministério da Justiça que abra um inquérito em colaboração com a Polícia Federal e com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para investigar a origem do problema.

O ministro de Minas e Energia também terá de prestar esclarecimentos após a aprovação de um convite da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara.

Para o especialista Jean Albino, que atuou por 15 anos na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e hoje é responsável pelo regulatório da startup de diagnóstico e soluções energéticas Leady Energy, o apagão pode ter sido causado por falha humana, seja falta de gestão ou negligência.

Para ele, a Eletrobras é apenas um ativo físico e operacional que mudou de dono. “Não vai parar de funcionar, não vai parar de seguir as obrigações, não vai deixar de ser multada se descumprir alguma coisa”, disse.

O apagão do dia 15 não foi o primeiro enfrentado pelos brasileiros. E talvez não seja o último. Seja qual for o resultado das investigações, tão importante quanto prevenir futuros blackouts é saber quem dará as cartas na Eletrobras durante o governo Lula.