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Entenda o Novo PAC: de onde Lula quer tirar R$ 1,7 trilhão para crescer

Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) exige que boa parte dos recursos fique fora das mãos do governo — e dependerá do setor privado, de bancos e do Congresso para promover o desenvolvimento nacional

Crédito: Delfim Martins

Projetos parados por decisão judicial, atrasados ou abandonados vão ser reativados. O governo fala em ao menos 250 obras que deveriam ter atividade, mas estão vazias (Crédito: Delfim Martins)

Por Paula Cristina

O ano era 1958 quando o então técnico da seleção de futebol, Vicente Feola, resolveu indicar numa extensa explanação o que deveria ser feito para que o Brasil vencesse a temida União Soviética na Copa do Mundo da Suécia. Garrincha, o ponta-direita do Botafogo, então perguntou: “Mas, professor, vocês já combinaram com os russos?”. E assim nasceu a expressão que atravessou os tempos e os campos de futebol e que agora cai como luva no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula III. Ao todo, a previsão de investimento se aproxima de R$ 1,7 trilhão, a ser executado quase integralmente até 2026.

Para chegar a esse número recorde o governo precisará de muito apoio:
*do setor privado, que injetaria a maior parte (36%), R$ 612 bilhões,
* dos bancos, que teriam de aparecer com outros R$ 362 bilhões (21%),
* do Congresso, que ficaria responsável por encaixar no Orçamento R$ 371 bilhões (22%),
* das estatais, em especial a Petrobras, que responderiam por R$ 343 bilhões (20%).

Isso pode dar certo? Pode.

A tração trazida pelo PAC, em sua totalidade, pode impulsionar o PIB em 2,5% até 2026, segundo o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Ele também reconhece que é preciso mitigar os erros do passado para ter sucesso. “Trabalhamos para fazer uma versão atualizada, realista e que caiba na nova economia”, disse.

Mesmo com esse foco, na prática, quase 80% dos recursos não estão sob controle direto do Executivo, que teria poder absoluto apenas sobre o que será injetado via estatais ou BNDES.

No Legislativo, Lula terá de fazer sangrar emendas para obter apoio.

No setor privado a atração do capital depende de condições maternais de negócios para se tornar atraente, tudo isso enquanto o governo precisará aprovar marcos, concessões e programas de parceria público privada prezando pela lisura e agilidade das licitações.

A escolha por um projeto de investimento integrado como o PAC pode soar como parte de uma estrutura econômica conhecida como desenvolvimentista, um desdobramento dos conceitos do economista britânico John M. Keynes.

Isso significa um modelo de desenvolvimento altamente estimulado e patrocinado pela esfera pública como forma de dar dinamismo à economia em períodos de baixa atividade.

Na premissa keynesiana, as crises econômicas são cíclicas e nesses momentos haveria necessidade de uma atuação governamental estratégica. O Estado teria, então, uma missão compulsória: investir.

Lula, presidente da República: “O nosso governo começa agora. O PAC é um marco para nós e irá pavimentar o caminho para um Brasil mais desenvolvido” (Crédito:Pedro Ladeira)

Quando olhamos com lupa o Programa de Aceleração do Crescimento, a solução acaba ficando mais distante de Keynes do que desejam os progressistas.

Como parte significativa do recurso precisa vir do setor privado, ao governo cabe criar um ambiente favorável não apenas para o bem-estar social que defende, mas também para atrair o dinheiro que não está em seu bolso. No passado, isso já resultou em métricas pouco balanceadas, vantagens desproporcionais e na criação de conglomerados empresariais que aumentam o monopólio e se afastam da concorrência defendida tanto pelo liberalismo quanto pelo desenvolvimentismo.

36% do custo estimado do novo PAC, ou R$ 612 bilhões, deverão ser investidos pelo setor privado por meio de concessões

O novo PAC de Lula remonta os modelos adotados pela ex-presidente Dilma Rousseff. Ela deu tração ao programa que já existia, mas ainda era mais tímido.

A primeira versão do PAC, de 2007 (sob Lula II), previa investimento de R$ 504 bilhões até 2010. Segundo o Tesouro Nacional, o governo conseguiu concluir cerca de 95% dos projetos.

Quando Dilma assume a Presidência da República nasce o PAC 2, com investimento de R$ 1,59 trilhão previsto para os quatro anos seguintes. Desse montante, 65% foi efetuado.

No ponto de vista do emprego, estima-se que as duas versões anteriores geraram mais de 5 milhões de vagas; no Novo PAC, Lula fala em ao menos 4,6 milhões.

E a tripla questão a ser colocada na mesa é: quantos desses empregos resistiram e como ficaram PIB e inflação? E as respostas não são animadoras.

Logo após a saída de Dilma da presidência, o desemprego fechou 2016 em 12% (recorde histórico até então), a inflação fora da meta (6,29%, após estouro de 10,67% do ano anterior) e o PIB andou para trás: -3,3%.

Para a história desta vez ter rumo diferente, o PAC precisará também de outros tipos de padrões.

Parcerias

O setor privado deve entrar com R$ 612 bilhões nos próximos anos. São quase R$ 200 bilhões ao ano, se considerarmos que entre setembro e dezembro de 2023 nada de relevante que não estava previsto entrará em campo.

Para atrair o mundo privado, uma série de medidas já começou a ser tomada. A principal envolve uma revisão robusta do marco normativo de concessões e Parcerias Público Privadas (PPPs).

Segundo o Ministério da Casa Civil, já estão em vias de publicação medidas que simplifiquem a contratação de estudos técnicos, além de outras para aumentar a segurança jurídica aos financiadores.

Também serão adotadas novas regras de programas de relicitação e prorrogação antecipada de contratos.

Danilo Forte, deputado federal (União/CE) e Relator do Orçamento 2024: “Não vejo como poderemos incluir no Orçamento o Novo PAC sem o apoio das emendas ” (Crédito:Pedro Ladeira)

Entrou no radar ainda a inclusão do setor portuário, que hoje opera com uma lei própria, no marco geral das PPPs. Com essa medida o governo poderá contratar empresas para fazer dragagem, canais de acesso portuário, portos hidroviários, infovias e concessões florestais.

Para Edmundo Vermont, advogado empresarial e responsável por estudos de viabilidade para empresas como CCR e Ecovias, as medidas dão mais segurança, mas ainda faltam detalhes determinantes.

No governo Dilma Rousseff os contratos eram firmados não pelo maior valor de outorga, mas pelo menor preço para o usuário final.

Michel Temer e Jair Bolsonaro, em suas respectivas gestões, usavam como métrica para concessão a empresa que oferecesse o maior valor de outorga. “É uma diferença grande. Em geral, as empresas preferem se comprometer com a outorga”, disse Vermont.

De acordo com Rui Costa, pai do Novo PAC, todos esses alinhamentos já estão em curso, e o governo trabalha pela maior segurança jurídica. “Os novos programas e parâmetros já estão sendo trabalhados e serão trazidos quando houver sintonia e conformidade com as práticas internacionais”, disse ele à DINHEIRO.

O ministro afirmou ainda que as mudanças envolvendo a criação de novos fundos para financiamento cruzado e a facilitação para obtenção de garantias para organismos multilaterais serão resolvidas antes de bater o martelo sobre como será a concessão.

Um dos fantasmas dos PAC passados envolve:
* obras paradas,
* empresas questionáveis,
* e uma chuva de liminares que segura a obra.

Segundo o ministro Rui Costa, tais medidas podem ser desestimuladas com a revisão da Lei de Licitações e Contratos, incluindo medidas que aumentem a responsabilidade e a transparência das empresas que entrarem em licitações simultâneas.

“Uma mesma empresa vai disputando várias outras obras. Mesmo que o Estado ou a prefeitura as negativem, elas vão à Justiça e conseguem liminar para disputar outras. Elas ganham outros processos licitatórios e passam a ter obras paralisadas em diversos municípios, muitas vezes com preços inexequíveis”, disse o ministro da Casa Civil.

Bancos

Outro pilar para o bom andamento do PAC envolve os bancos. Segundo Lula, eles serão parceiros e responsáveis por financiar R$ 362 bilhões.

Para garantir que o mercado financeiro embarque nessa jornada, o governo preparou um pacote de medidas de estímulo. Nessa empreitada foi Fernando Haddad e a equipe da Fazenda que desenharam uma estrutura mais robusta para inclusão e atração das grandes instituições financeiras.

A primeira delas é a ampliação do financiamento de longo prazo e redução do custo do crédito. A redução será aplicada em projetos de inovação, inclusive em setores de infraestrutura, com aplicação de custo TR nas operações de financiamento com recursos do FAT operacionalizadas pelo BNDES.

O programa Água para Todos terá 30% dos recursos do Novo PAC e tem como meta universalizar o abastecimento em todo o País (Crédito:Divulgação)

Para atrair esse dinheiro dos bancões, um mar de tecnicidades veio à tona.

Entre elas estão:
1) a diversificação das taxas de juros pagas ao FAT, possibilitando a aplicação de TLP, Selic e taxa pré-fixada;
2) a emissão de LCA por operação indireta, assim como a mudança dos mecanismos de garantia do FGI/BNDES, com a inclusão de empresas do setor de construção civil;
3) e uma nova Letra de Crédito do Desenvolvimento (LCD) para captações em projetos com benefício tributário similar às LCA, LCI e debêntures de infraestrutura, que hoje são isentas de impostos sobre ganhos.

Os bancos também poderão atuar no financiamento direto a estados e municípios através do aumento dos limites de operações com e sem garantia da União para órgãos e entidades subnacionais.

As debêntures incentivadas igualmente receberão upgrade, com a adição de novos setores e modalidades de incentivo a emissores, facilitação do processo de emissão, ampliação de fontes de recursos relevantes (como fundos de pensão) e nova regulamentação de debêntures para ciência, tecnologia e inovação.

Aloizio Mercadante, presidente do BNDES: “Colocaremos nossos esforços em buscar boas oportunidades, empresas comprometidas e bons negócios.” (Crédito:Ton Molina)

Orçamento

Quando se trata do Congresso Nacional todos os caminhos levam a Arthur Lira. O presidente da Câmara dos Deputados sabe que sairá de lá a assinatura que garantirá ao governo os estimados R$ 371 bilhões dentro do Orçamento dos próximos anos do PAC.

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 é o deputado federal Danilo Forte (União-CE), e uma fina articulação envolvendo os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) já está em curso.

O relator Forte foi claro.

“O PAC não cabe no Orçamento do tamanho que está hoje, a não ser que o governo tenha sucesso em zerar o déficit e haja crescimento econômico.”
Danilo Forte, relator da LDO de 2024

Para driblar esse obstáculo, o deputado Forte afirma que a única forma de o Orçamento sustentar o PAC é viabilizar o recurso por meio das emendas parlamentares.

Bingo! Para o grosso de nossos deputados, isso soa como passeio à Disney para uma criança. Com esse recado sem entrelinhas algumas coisas já ficam claras:
1) O Arcabouço Fiscal pode ser um problema se não houver o crescimento esperado.
2) O dinheiro passa pelo Congresso.
3) Usar as emendas dará ao Legislativo uma função do Executivo, e toma de assalto o maior programa de Lula.

Mas o presidente sabe como o jogo se joga.

Estatais

Por fim vem a parte do plano que cabe ao governo. Um quinto. Usando as estatais, R$ 343 bilhões serão investidos. As empresas públicas darão ao governo o gás para começar o PAC.

A protagonista será a Petrobras, que deverá liderar projetos que envolvam inovação e desenvolvimento de tecnologias mais limpas, além de costurar projetos de impacto social e ambiental nos rincões do País.

Ao mercado, a petroleira já reportou a perfuração de nove poços exploratórios na Margem Equatorial, no Norte do Brasil, já no âmbito do PAC, e aguarda liberação do Ibama.

O BNDES, comandado por Aloizio Mercadante, também entra no PAC. À DINHEIRO, Mercadante afirmou que a atuação do banco de fomento será decisiva, tanto ao dar impulso, quanto ao dar garantia para os projetos.

“Colocaremos nossos esforços em buscar boas oportunidades, empresas comprometidas e bons negócios.”

Esse é um ponto nevrálgico para o governo, já que operações com estatais podem ser o calcanhar de Aquiles em governos pouco transparentes.

Questionado sobre isso, Rui Costa afirmou que foram reforçadas as diretrizes para transparência, com a criação de comitês de fiscalização, maior frequência para liberação pública de relatórios e prestação de contas e maior poder fiscalizatório do TCU e órgãos competentes.

“Nosso caminho é pela transparência. Para empresas públicas, privadas. Para o Legislativo e o Executivo. Cabe, aqui, a inevitável evocação à Garrincha. ‘Ministro, o senhor já combinou com os russos?’

Haddad e a bala de prata do Novo PAC

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad: articulação de bastidores (Crédito:Diogo Zacarias)

Não foi todo mundo que percebeu, mas dois eventos importantes para o governo federal foram adiados nas últimas semanas. O lançamento do Novo PAC foi um. Anunciado na sexta-feira, 11 de agosto, inicialmente seria levado a público em julho. O Arcabouço Fiscal foi o outro. Seria votado em agosto, já foi empurrado para setembro.

E as duas coisas possuem um fio condutor: Fernando Haddad. Nos bastidores do Palácio do Planalto uma queda de braço entre o ministro da Fazenda e Rui Costa (Casa Civil) envolvia diretamente o andamento do Programa de Aceleração do Crescimento.

Segundo uma fonte próxima a Haddad, o chefe da Economia pediu mais detalhes e soluções para viabilidade de um PAC mais transparente, com mais lastro e menos chances de uso criminoso ou indevido de recursos.

O problema é que isso levaria tempo, e Lula queria aproveitar a alta da bolsa de valores para fazer seu grande anúncio do ano – vale frisar que na quarta-feira (16) a bolsa fechou pelo 12º pregão seguido em queda, recorde histórico.

Pois bem. Haddad teria apresentado a Lula os riscos de um programa sem lastro, sem garantias e sem fonte de receita e colocou a própria equipe para achar formas de mitigar eventuais problemas e trazer alternativas. Lula segurou o anúncio.

Enquanto trabalhava nessa frente, Haddad atravessou a Praça dos Três Poderes e foi ao Legislativo. O Arcabouço Fiscal estava parado, assim como a LDO. “Ela [Câmara] não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo. Penso que tem que haver uma moderação, que precisa ser construída”, afirmou Haddad em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo.

Para isso ele faz um trabalho republicano. Se aproxima do relator da LDO, reforça o contato com Lira e tenta sair com a mesma moral que entrou (e segurando na mão a bala de prata que não precisou usar).