Conheça a estratégia vencedora de logística global da JSL
Com expansão internacional, aquisições, gestão de custo e eficiência operacional, maior transportadora de carga rodoviária do Brasil vê receita atingir quase R$ 10 bilhões em 12 meses. E quer ir bem mais longe
Por Angelo Verotti
Mar calmo nunca fez bom marinheiro. Um provérbio, ou melhor, um aprendizado citado pelo CEO Ramon Alcaraz ao comentar o desempenho da JSL nos últimos três anos diante dos desafios setoriais e macroeconômicos decorrentes da pandemia e da guerra na Ucrânia. Com uma estratégia que envolveu gestão de custos, eficiência operacional e propósito comum entre os 30 mil colaboradores, a maior operadora logística do Brasil driblou a falta de insumos (componentes, por exemplo) e a alta nos preços de produtos (diesel, pneus e veículos) para ver seus resultados multiplicarem.
Nessa conta foi decisiva a abertura de capital, em 2020. Desde então, o faturamento bruto saltou de R$ 3,6 bilhões para R$ 7,1 bilhões (dezembro de 2022). Houve oito aquisições — e crescimento orgânico também. E nem os investimentos de R$ 2 bilhões no período seriam responsáveis sozinhos pelo salto. Foi preciso um forte alinhamento de cultura organizacional. “Porque o que a gente compra, no fundo, não é ativo. É know-how”, afirmou Alcaraz à DINHEIRO.
Alinhar a cultura foi um cuidado extremamente necessário, já que a tração dada pelas aquisições é decisiva. Se os faturamentos dos últimos 12 meses das duas compras feitas este ano (IC Transportes, em março, e FSJ, em julho) entrarem na conta, a JSL já se tornou uma empresa de praticamente R$ 10 bilhões de receita bruta, com Ebitda total que supera R$ 1,5 bilhão.
“Por isso temos uma estratégia nas aquisições de deixar essas empresas independentes. Para justamente não atrapalhar o que elas já faziam bem”, disse o CEO.
Segundo ele, a JSL tem tirado proveito do potencial do segmento logístico no País. Números mais recentes, referentes a 2021 e divulgados no ano passado pela Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), mostram que a receita bruta entre os mais de 1 mil players atingiu R$ 166 bilhões.
Um mercado diversificado e extremamente fragmentado. “Apesar de a JSL hoje ser muito maior do que a segunda colocada, a gente representa, dependendo da base para comparação, 2% ou um pouco mais de share”, afirmou.
“Há mercado para crescer muito.”
Ramon Alcaraz, CEO da JSL
Trajetória e portfólio
Fundada em 1956 pelo imigrante português Julio Simões, que escolheu o próprio nome para batizar a transportadora, a JSL é hoje uma das sete empresas pertencentes à holding Simpar, com faturamento bruto total de R$ 26,8 bilhões em 2022 e que tem entre as subsidiárias gigantes como a locadora de carros Movida.
Inicialmente, a JSL operou com apenas um caminhão para levar hortifrútis de Mogi das Cruzes (SP), sua cidade natal, para São Paulo e Rio de Janeiro. No mesmo ano de criação, passou a prestar serviço para a indústria de papel e celulose.
Atualmente, os trabalhos se estendem a 16 setores da economia, do automotivo ao de mineração. A área de atuação original ainda simboliza muito o que a empresa é no recall do consumidor comum.
Hoje, no entanto, a companhia é totalmente distinta. “As pessoas veem os caminhões cruzando as estradas e acham que fazemos apenas isso”, disse Alcaraz. “Mas 50% ou mais da nossa receita não tem a ver com caminhão. Fazemos muitas operações de logística interna, movimentação e gestão de armazém.”
O crescimento nos últimos anos tem ocorrido com diferentes estratégias que envolvem, por exemplo, de gestão de contratos a aquisições. “Renegociamos os contratos que foram precificados em outra realidade, com taxa de juros de 2%, enquanto agora está em 13,25%. Estamos precificando de forma correta, fazendo isso do ponto de vista orgânico”, afirmou o executivo.
A empresa também intensificou a diversificação do portfólio por meio de aquisições que “fizessem sentido para o negócio”, com a entrada em segmentos como fertilizantes e combustível e o reforço em áreas nas quais tinha presença mais tímida, casos de produtos químicos e gasosos.
Com base na movimentação nos últimos três anos, pode-se dizer que a JSL não poupou tempo e muito menos dinheiro desde o IPO de setembro de 2020, quando levantou R$ 693,6 milhões.
Expansão
Essa diversificação, porém, não é o único drive estratégico. Os projetos de expansão estão direcionados também ao mercado internacional. São duas formas de crescimento:
* Uma para atender rotas entre o Brasil e países na fronteira,
* outra, com a criação de subsidiárias no exterior.
No primeiro modelo, a Argentina se destaca, principalmente devido à forte vinculação econômica com o setor automotivo. “As montadoras produzem veículos na Argentina, só que grande parte das peças é fabricada por aqui”, disse Alcaraz. “Ampliamos muito nosso negócio internacional, mas com origem no Brasil. É uma coisa em que a gente vai continuar investindo.”
A outra aposta é a expansão por meio da aquisição, como a da Marvel, em 2021, empresa que faz o transporte rodoviário de produtos alimentícios em veículos de carga refrigerados. Além de Argentina, os mercados do Chile, Peru e Uruguai são igualmente atendidos pela empresa.
A segunda frente de expansão internacional inclui a abertura de subsidiárias com atuação independente do Brasil. A primeira experiência ocorreu no Paraguai, com a marca Fadel (comprada em 2020 e que já possuía quatro operações no país vizinho). A estrutura soma 150 veículos e 500 funcionários.
“O povo paraguaio é cordial, não reativo, mas não conhecia o que precisava ser feito”, afirmou o executivo. “E a partir do momento que recebeu treinamento, fez.”
O engajamento dos colaboradores ao projeto fica evidente na linha de governança. “Há três anos toda a minha liderança era formada por brasileiros. Hoje, 90% é paraguaia.”
Em termos de desafio, o contexto paraguaio é classificado como de complexidade 2 numa escala de 0 a 10. No nível 8 da escala de Alcaraz está a expansão dos negócios para a África.
A maior dor da internacionalização de uma companhia vem tanto de fatores socioeconômicos e políticos quanto de aspectos culturais. “Na África do Sul são 11 etnias diferentes, uma não conversa com a outra, então isso impacta diretamente o nosso negócio”, disse.
Além disso, o executivo enumera problemas sindicais e de legislação. “Situações que podem não ser um problema seu, mas que se tornam seu porque é nesse cenário que você convive.”
O bom trabalho realizado por lá originou convites para a instalação de outras operações na própria África do Sul e em mais países do continente. Os investimentos atingiram R$ 150 milhões e devem alcançar R$ 300 milhões com o plano de expansão previsto para começar este ano.
“Apesar de a JSL hoje ser muito maior do que a segunda colocada, a gente representa, dependendo da base de comparação, 2% ou um pouco mais de share.”
Ramon Alcaraz CEO DA JSL
A JSL também iniciou estudos para a implantação de subsidiária no México. Com muita cautela. Há problemas de infraestrutura e escassez de mão de obra, após o país assumir parte da produção das montadoras dos Estados Unidos.
Alcaraz diz que para levar esse veículo até os Estados Unidos, por exemplo, não existe ferrovia. É preciso usar caminhões. “Mas falta motorista. Preciso pensar em como, se eu for para lá, formarei motoristas”, afirmou.
Olhar para o México em vez de ampliar a atuação na Argentina — uma opção ainda não descartada — tem a ver com as questões econômicas e políticas. “O país tem inflação de 100% ao ano, desvalorização da moeda local de 12% a 15% ao mês, além de uma eleição presidencial pela frente [em outubro]. A gente leva em consideração tudo isso”, afirmou.
Fundos gigantes
Os projetos da JSL não surpreendem Marcelo Zeferino, chief commercial officer da Prestex, empresa líder no mercado de logística emergencial aérea. Segundo ele, os investimentos tanto no País quanto no exterior já se tornaram DNA da companhia. “Está enraizado na cultura do negócio. São muitos anos investindo forte em expansão”, afirmou Zeferino.
Para o especialista Michel Goya, CEO da OPME Log, empresa brasileira pioneira em logística de materiais hospitalares, o olhar duplo de expansão da companhia, tanto no mercado interno quanto no externo, pode chamar a atenção de concorrentes globais, como DHL, Fedex e UPS.
Se for o caso, é um caminho que sempre termina em fusão ou aquisição (M&A). “A JSL está crescendo bastante e como teve muito êxito na operação da África do Sul começa a chamar atenção de fundos gigantes”, afirmou Goya.
As 1 mil companhias do segmento no País movimentaram R$ 166 bilhões em 2021, segundo a Associação Brasileira de Operadores Logísticos
Por enquanto, a JSL segue sua jornada de ganhar ainda mais robustez. Por isso, quando o tema é M&A, o foco, de acordo com Alcaraz, é sempre olhar para empresas bem geridas e dar a elas capacidade de investimento. “Se pegarmos os dados dos últimos três anos, vamos constatar que as companhias adquiridas cresceram muito em relação à base inicial”, disse.
E a carteira de compras ainda não está fechada. A JSL segue atenta às condições do mercado e não descarta novas aquisições ainda em 2023. Para isso, a linha de investimento é olhada na lupa.
Chegou a R$ 1,4 bilhão em 2022, alta de 89,6% na comparação anual. E isso é um diferencial competitivo. A capacidade de investimento da JSL hoje, na visão do executivo, é maior do que a de grande parte dos concorrentes.
Esse fôlego traz reflexos positivos diretos. Não à toa a empresa continua a celebrar grandes projetos, a maioria de cross selling. “A gente acabou de divulgar R$ 1,6 bilhão em contratos novos no primeiro semestre, com prazo médio de quase 50 meses”, afirmou o CEO.
Ele aposta ainda em um cenário de estabilização política, fundamental para a economia e para o desenvolvimento dos negócios.
E os desafios? Sim, eles existem. “Continuar na nossa estratégia de gestão de custos e de insumos, de crescer com rentabilidade e de formar pessoas”, afirmou. “Não produzimos sequer um parafuso. O que a gente produz é serviço. Por isso somos uma empresa de pessoas.” E de resultados, claro.