Esperando agosto acabar

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Norberto Zaiet: "A inflação americana parece dominada no curto prazo, mas há incerteza em relação aos núcleos, especialmente de serviços, que seguem elevados" (Crédito: Divulgação)

Por Norberto Zaiet

Superstições são comuns no mercado financeiro. Quando comecei a trabalhar em bancos, no início dos anos 1990, elas eram levadas muito a sério. Roupa marrom, nem pensar: mau agouro na certa. Colocar a bolsa no chão, menos ainda — o dinheiro é engolido pelo piso. Outra: sempre entre na mesa de operações com o pé direito. E cuidado com o mês de agosto.

Agosto é, de fato, um mês muito ruim para os mercados. Com tanta gente de férias e liquidez reduzida, qualquer coisa pode tomar uma proporção exagerada. Ou, pelo contrário, algum evento importante, que normalmente provocaria reação nos preços, acaba passando despercebido.

A conclusão é que não vale a pena ser herói em agosto. Se a performance do portfólio no ano até agora foi ruim, provavelmente não será em agosto que a maré vai virar. E se, ao contrário, o ano até agora foi bom, aqui nos EUA a hora é de por o lucro no bolso e aproveitar o resto do verão.

Considerando que o S&P 500 está positivo ao redor de 15% até agora, apesar da correção durante o mês, vale a pena elencar os temas que farão preço de setembro em diante. E são muitos.

A inflação americana parece dominada no curto prazo, mas há incerteza em relação aos núcleos, especialmente de serviços, que seguem elevados. A economia está acelerada, com o desemprego nas mínimas históricas e o PIB crescente. Os estímulos fiscais ainda estão presentes, principalmente os criados pelo Inflation Reduction Act, de 2022: são bilhões de dólares que ainda vão acelerar a atividade nos próximos dez anos. Isso não pinta um quadro de tranquilidade para a convergência da inflação à meta de 2%, apesar de o mercado precificar quedas na taxa de juros para o ano que vem. Some-se a isso o fato de que o preço dos combustíveis vem subindo, ainda que marginalmente, nas últimas semanas.

O déficit fiscal americano é grande e crescente, assim como a despesa de juros. O rebaixamento do rating dos Estados Unidos pela agência Fitch trouxe esse tema à tona com força, e a recente subida das taxas longas começa a refletir essa preocupação.

Ainda há risco de recessão, apesar do pouso suave da economia seguir no horizonte. Existem riscos latentes no setor imobiliário comercial, com prédios comerciais vazios nos maiores centros americanos.

“O déficit fiscal americano é grande e crescente, assim como a despesa de juros. O rebaixamento do rating dos Estados Unidos pela agência Fitch trouxe esse tema à tona com força, e a recente subida das taxas longas começa a refletir essa preocupação”

A economia chinesa mostra sinais de exaustão do modelo de crescimento baseado em estímulos, especialmente do mercado imobiliário. O Japão discute mudanças na política de juros. A guerra na Ucrânia segue sem previsão de resolução. A eleição presidencial norte-americana de 2024 começa agora, com os primeiros debates entre os candidatos nas primárias do partido republicano.

Do ponto de vista positivo, os mercados se animaram na primeira metade do ano com os avanços em inteligência artificial, pois a tecnologia vai trazer imensos ganhos de produtividade. Além disso, o consumidor americano segue forte, como mostraram dados recentes de vendas no varejo. E não há alavancagem exagerada tanto do ponto de vista das famílias quanto dos bancos. A questão que fica para a segunda metade do ano é saber se o mercado já não antecipou esses pontos além do que é possível a médio prazo.

A impressão é que o balanço de riscos é negativo no curto prazo, mas é agosto — e setembro está aí na esquina. É importante estar preparado.

Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York