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Entrevista

Marcelo Picka Van Roey, presidente da Resorts Brasil

“Há espaço para aumentar significativamente o número de estrangeiros em nosso País”

Divulgação

“Há espaço para aumentar significativamente o número de estrangeiros em nosso País”

À frente da associação formada por quase 70 empreendimentos hoteleiros, o especialista entende que o momento é oportuno para posicionar melhor o Brasil no turismo internacional ­— o que poderá gerar mais empregos e um impacto positivo sobre dezenas de setores da economia. Saiba o que está sendo feito e o que ainda falta para sermos um destino mais atraente aos olhos do mundo

Editora Três
Edição 25/08/2023 - nº 1339

Por Celso Masson

Antes de assumir a presidência da Resorts Brasil para o biênio 2022-23, Marcelo Picka Van Roey já conhecia muito bem tanto a entidade quanto o setor que ela representa. Formado em Hotelaria e em Administração de Empresas com MBA em Economia do Turismo pela Universidade de São Paulo, ele é responsável pela gestão do Grande Hotel São Pedro e do Grande Hotel Campos do Jordão, duas propriedades do Senac-SP. Em paralelo ao cargo executivo, foi vice-presidente institucional da entidade que reúne 68 resorts em 14 estados das cinco regiões brasileiras, somando mais de 20 mil leitos em todo o País. Sua gestão tem sido marcada pela ênfase em parcerias para capacitar mão de obra, pelo compromisso com a agenda ESG e pelo diálogo com autoridades — não apenas do turismo, como do Poder Executivo e do Congresso. Para ele, o Brasil precisa melhorar a conectividade e a percepção de segurança se quiser ampliar a atração de turistas estrangeiros.

DINHEIRO — Com o câmbio favorável, parte do público que frequenta resorts está viajando para fora do País. É um bom momento para atraírmos mais visitantes estrangeiros?
MARCELO PICKA VAN ROEY — É um excelente momento para atrair visitantes estrangeiros e estamos nos preparando para esse movimento. Acreditamos no potencial do turismo brasileiro e há espaço para aumentar significativamente o número de estrangeiros em nosso País. Segundo o World Travel & Tourism Council (WTTC), o Brasil está entre os países com menor número de turistas internacionais. Um trabalho integrado e coordenado, com a participação do poder público e de atores de diversos segmentos da cadeia produtiva do turismo, é o melhor caminho para posicionar o Destino Brasil no mercado internacional.

O que falta para isso ocorrer?
É preciso definir bem qual diferencial competitivo vamos comunicar, de que maneira e para quais mercados-alvo prioritários. Com a abordagem definida, é necessário selecionar os destinos já preparados e trabalhar os demais para aprimorar sua oferta. Temos um longo caminho pela frente, mas extremamente necessário e promissor. Os ingredientes-chave para o sucesso são conectividade [sobretudo em relação à malha aérea], atuação estratégica com foco e união entre os atores do setor público e da iniciativa privada.

Quais os destinos têm sido mais procurados e os que têm dificuldade em aumentar a ocupação?
Os resorts localizados em destinos com maior conectividade e mais conhecidos internacionalmente costumam ter uma presença maior de hóspedes internacionais, como Foz do Iguaçu, Rio de Janeiro e alguns estados do Nordeste, caso de Bahia e Pernambuco. Há também forte interesse por estados da região Sul devido à proximidade com o principal país emissor de demanda para o Brasil, que é a Argentina. Estamos desenhando um plano integrado à atuação da Embratur que contempla ações de divulgação e promoção dos resorts.

Qual a missão da Resorts Brasil como principal entidade do setor?
A associação foi criada em 2001 para representar e promover os resorts brasileiros. Ao longo dos anos, ela foi ganhando força e novas frentes de trabalho foram criadas. Atualmente, nossa missão é fortalecer o segmento de resorts por meio de diversas ações ligadas a três eixos principais [denominados pelas sílabas que formam a palavra resort]. São eles: Representar e Engajar, Sensibilizar o Olhar e Refletir para Transformar. O primeiro é voltado à representação do setor, em que fazemos a interlocução junto ao poder público no sentido de apresentar as recomendações para melhorar o ambiente de negócios, e por sua vez a competitividade do setor produtivo brasileiro. O segundo visa sensibilizar tanto o associado para temas relevantes, como inovação e sustentabilidade, quanto demonstrar ao poder público e demais atores da cadeia produtiva do turismo a importância do segmento de resorts e do turismo como um todo para a economia local, regional e nacional. O terceiro busca avançar nas transformações do segmento de resorts e do setor de turismo de forma coletiva e colaborativa. Fomentamos estudos e pesquisas como o e-book Gestão da Jornada do Viajante, a Cartilha ESG e o Radar Resorts Brasil [todos disponíveis gratuitamente no site da associação].

Por que os desafios da agenda ESG se tornaram uma preocupação da entidade e dos associados?
Elementos da agenda ESG sempre estiveram presentes nos resorts associados, tanto pela natureza da atividade turística quanto pela localização dos empreendimentos. Em geral, os resorts estão situados em cidades de pequeno e médio portes e apresentam significativo impacto na atividade econômica da localidade, assim como forte relação com a comunidade. Em 2021, ao desenvolver a publicação comemorativa de 20 anos da Resorts Brasil, celebramos junto aos associados iniciativas conectadas à agenda ESG em diversos resorts que compartilharam conosco suas experiências.

Qual o resultado dessa troca?
Percebemos uma oportunidade de aprofundar o debate sobre ESG dentro da associação no sentido de compreender em detalhe as três dimensões da agenda e buscar acelerar a evolução do segmento de resorts de forma coletiva. Além de ser extremamente relevante para todos os resorts, essa agenda é bastante complexa, uma vez que suas três dimensões [ambiental, social e de governança] se desdobram em inúmeros caminhos e ações. Trabalhar esses temas de maneira coletiva e colaborativa torna a jornada de evolução mais dinâmica e ágil.

Foram criadas parcerias para desenvolver a Jornada ESG para Resorts. Quais você destacaria?
Algumas foram feitas desde o início desse processo. Especificamente no mês de agosto iniciamos novas parcerias com o BID, o Ministério do Turismo e a GKS Negócios Sustentáveis, uma consultoria especializada em inteligência para sustentabilidade e inovação. O projeto visa acelerar a implementação de práticas ESG nos resorts brasileiros, promovendo ações de baixo custo e alto impacto positivo.

Como isso é feito?
A jornada tem início com uma análise diagnóstica de cada resort participante do programa em relação aos requisitos ESG de modo a entender o seu atual estágio de maturidade. Após o diagnóstico, o projeto segue para uma fase de aceleração das práticas, em que os resorts têm consultoria personalizada para criar um plano de ação de curto, médio e longo prazos. O programa tem duração estimada de quatro meses e considera como referencial os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas (ONU).

De que forma o aspecto social está contemplado?
O aspecto social foi definido como prioritário nessa gestão, o que tem refletido tanto na definição de ações e projetos dentro da Resorts Brasil quanto no engajamento dos associados dentro das reflexões em 2023. Por exemplo, temos intensificado parcerias que colaborem com o eixo social, como Amigos do Bem, Galera do Click e Programa Legado, com a Worldpackers. Iniciamos também em agosto o Programa de Formação de Talentos ESG, com a Arbache Innovations. Cerificamos 70 profissionais que certamente serão motivo de inspiração para muitos outros.

A capacitação da força de trabalho no turismo é um dos obstáculos para melhorar o desempenho no Brasil, certo?
Diversas instituições de ensino de qualidade vêm trabalhando a capacitação de profissionais no setor de turismo há décadas. No entanto, a atratividade do setor no pós-pandemia se tornou mais crítica, em razão das características das funções desempenhadas por profissionais no turismo, em que o trabalho remoto é mais limitado. Por outro lado, segundo o WTTC, diferentemente de muitos setores da economia, a tendência é que a indústria do turismo se mantenha como um dos grandes empregadores nas próximas décadas. Apesar das ameaças, ainda haverá grandes oportunidades de trabalho e carreira em nosso setor.

O que tem sido feito nesse sentido?
Temos realizados diversas ações e projetos que fomentam a capacitação e qualificação da força de trabalho, de workshops de disseminação de conhecimentos a cursos de formação de talentos. O de ESG já está em andamento e o de Inovação tem lançamento previsto para setembro. Temos também parcerias com instituições de ensino e profissionais que promovem cursos em nosso setor, como Senac-SP, FGV, Escola para Resultados e Markup.

A Reforma Tributária criou algumas distorções dentro do ecossistema do turismo, com alíquotas distintas para atividades que são interdependentes. O setor atua para equacionar esse problema?
Desde o início da pandemia, a Resorts Brasil trabalha pela união das associações do setor produtivo do turismo, colaborando fortemente para a criação e consolidação de uma coalizão do turismo brasileiro [conhecida como G20+]. Muitos frutos foram gerados a partir da formação desse grupo, como as medidas relacionadas ao consumo, trabalhistas e fiscais, consideradas fundamentais para que as empresas do setor sobrevivessem, os empregos fossem mantidos e a recuperação dos prejuízos acontecesse de forma célere. A atuação da Resorts Brasil durante a Reforma Tributária não foi e não será diferente. Seguimos incentivando as associações do setor a trabalharem de forma unida e integrada, especialmente pela interdependência dos segmentos da cadeia produtiva. Acreditamos que somos muito mais fortes se atuarmos de forma coletiva e colaborativa.

Alguma ação direta junto ao Congresso?
O debate a respeito da Reforma Tributária segue vivo no Congresso Nacional e o ideal seria seguir no Senado Federal em uma atuação integrada, com estratégia, cooperação e informação. Nossa defesa é que o turismo como um todo merece um tratamento diferenciado pela alta empregabilidade, contratação de pessoal sem experiência [primeiro emprego], geração de receita descentralizada e forte interface com mais de 70 setores da economia, promovendo desenvolvimento real.