O criativo à beira do abismo
Por Luís Guedes
A ambição de ultrapassar os limites faz parte da essência humana — desde Lucy somos fascinados pelo desconhecido. Entrelaçada com essa curiosidade que engendra a exploração, no entanto, está uma jornada de consequências muitas vezes imprevisíveis.
O processo de criação não é trivial. Exige uma combinação rara, certamente cara, de esforço, concentração, tempo e oportunidades perdidas. Frankenstein, a obra monumental de Mary Shelley, resume esse sentimento. Dr. Victor Frankenstein, consumido por compreender a morte e revertê-la (!), passa anos em árduo, solitário e incompreendido estudo e experimentação. Sua conquista revolucionária, no entanto, se transforma em um pesadelo quando a criatura à qual ele finalmente dá vida se torna uma manifestação de consequências não intencionais, para as quais nem o mundo, nem o próprio criador, estavam prontos. Victor, focado, astuto, perseverante, genial, não antecipou como o mundo reagiria à sua criação, nem tampouco como ela reagiria ao mundo. Os dilemas os assombraram por toda vida e ecoam até hoje.
Cada ação inovadora produz ondulações que se estendem para além do que se pode ver. Essas repercussões são o preço de se aventurar no desconhecido. No reino da criação, a capacidade não se traduz necessariamente em necessidade. Só porque podemos fazer algo, não significa que devemos fazê-lo. Apropriar-se dessa distinção é tarefa do sujeito criativo e deve preceder sua obra.
Na jornada da criação, uma bússola moral é indispensável. Os ponteiros de nossos valores servem de guia pelo mar dos inevitáveis dilemas morais.
“Cada ação inovadora produz ondulações que se estendem para além do que se pode ver. Essas repercussões são o preço de se aventurar no desconhecido. No reino da criação, a capacidade não se traduz necessariamente em necessidade”
Algumas breves sugestões para as inovadoras leitoras, para os tenazes leitores:
1. Diversidade importa: Nem sempre é fácil trabalhar em um ambiente diverso, mas há boas chances de ser divertido e, se estiver atento, rico em oportunidades de aprendizado.
2. Seja uma antena: Mantenha os canais abertos para o time, pares, colegas de fora do projeto, clientes em potencial e principalmente percebendo as reações aos protótipos que fará ao longo do processo.
3. Pit stop-se: pausas planejadas durante o processo possibilitam perspectiva, que, além de equivaler a muitos pontos de QI, podem revelar aspectos que estavam escondidos pelo excesso de foco. Aproveite a pausa para aprender com erros e acertos de outros projetos, seus ou de outros.
4. Viaje na elaboração de cenários: reúna a equipe para estimar cenários futuros e seus desdobramentos. Isso ajuda a antecipar potenciais desafios e delinear contramedidas.
5. Há muito para aprender: seja um curador sofisticado do que vai aprender, de habilidades técnicas (não muito na moda, mas essenciais!), até as competências socioemocionais.
Produzir algo verdadeiramente extraordinário requer um empenho notável. Esse excesso de luz pode cegar o criativo para as implicações que transcendem o produto tangível do seu esforço.
Inovação e descoberta são empreendimentos louváveis, mas sem uma estrutura ética para guiar a jornada, corre-se o risco de oscilar à beira do abismo. Enquanto viajamos para o futuro, que Shelley, mas também Verne, Machado e Asimov sejam um farol, iluminando o fascínio do inexplorado e o peso inescapável da responsabilidade.
Luís Guedes é professor da FIA Business School