Negócios

Sem rumo, 123 Milhas viaja

Com alegação de fatores econômicos e de mercado adversos, agência de viagens cancela produtos promocionais já vendidos e deixa clientes com destino incerto

Crédito: Marco Ankosqui

Clientes vivem a expectativa de saber se terão condições de usufruir os produtos adquiridos na empresa. Alguns já recorrem à Justiça (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Angelo Verotti

O alerta já havia sido dado pelo Hurb, mas pouco chamou a atenção de centenas de brasileiros pegos de surpresa na sexta-feira (18) com a decisão da 123 Milhas de cancelar viagens promocionais, com datas flexíveis, programadas para o período entre setembro e dezembro. A agência de viagens on-line disse, por nota, que a decisão foi motivada por “fatores econômicos e de mercado” e citou a alta demanda por voos “que mantém elevadas as tarifas mesmo em baixa temporada”, e a taxa de juros elevada. A linha Promo, atingida pela suspensão, representa 7% dos embarques da companhia no ano.

A decisão da 123 Milhas é idêntica à tomada pelo Hurb em abril. À época, a plataforma passou a cancelar viagens promocionais de clientes e teve a venda de pacotes suspensa pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Na nota disponibilizada em seu site, a 123 Milhas afirmou que pretende devolver o dinheiro obtido com a comercialização de produtos da linha Promo por meio de vouchers, acrescidos de correção monetária de 150% do CDI (acima da inflação e dos juros do mercado), correspondentes aos valores de hotéis e pacotes de viagem.

Os cupons poderão ser utilizados em até 36 meses a partir da data de solicitação do cliente, não integralmente e em serviços da empresa, o que gerou a revolta dos consumidores.

O cancelamento provocou reação também dos ministérios do Turismo e da Justiça e Segurança Pública, além de entidades ligadas aos direitos do consumidor, como o Procon. O Ministério do Turismo já acionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para que, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), investigue as razões dos cancelamentos, identifique os clientes atingidos e promova a reparação de danos a todos os prejudicados. Muitos deles têm obtido parecer favorável da Justiça para ter direito aos produtos adquiridos na agência de viagens.

(Luis Lima Jr)

36 meses a partir da data de solicitação do cliente
será o prazo para a utilização dos vouchers

7%
é o quanto representa a linha promo nos embarques da 123 milhas no ano, segundo a empresa

Sócios da 123 Milhas, Ramiro e Augusto Julio Soares Madureira também terão de se explicar à CPI da Câmara dos Deputados que investiga esquema de pirâmide financeira com criptoativos.

A convocação dos irmãos foi aprovada na quarta-feira (23), além de ter sido determinada a quebra do sigilo bancário da empresa e de ambos os proprietários.

A companhia também foi penalizada com a suspensão, por parte do Ministério do Turismo, do CadasTur, um cadastro nacional que reúne empresas e pessoas físicas que prestam serviço no setor, o que possibilitaria a aquisição de empréstimos e financiamentos por meio de bancos oficiais.

Operação

O método de atuação da 123 Milhas consistia numa aposta em preços de passagens e hospedagens abaixo de mercado. Como é necessário garimpar os dias de voo e estadia mais baratos possíveis, as viagens não tinham data previamente marcada.

Porém, com o fim da pandemia a procura por viagens aumentou e, diante da alta demanda, a inflação sobre o custo de passagens aéreas e hospedagens impactou no preço total das viagens. Assim, a empresa passou a não encontrar opções na faixa de preços comercializada com os clientes e com previsão de prejuízo, cancelou as viagens.

O especialista em negócios Américo José, sócio-diretor da Cherto Consultoria, que atua há mais de 20 anos como consultor, disse que o episódio é prejudicial para a 123 Milhas, mas também para empresas que trabalham com e-commerce e que oferecem algum tipo de vantagem ao consumidor.

“Não é apenas a devolução do dinheiro, mas o prejuízo emocional das pessoas que estavam se programando para a viagem dos sonhos. Quem vai se responsabilizar por isso?”
Américo José, sócio-diretor da Cherto Consultoria

Ele segue: “É necessário ter muito cuidado com esse cliente, pois isso enfraquece o sistema on-line e deixa um ponto de interrogação no mercado.”

Na visão de Basílio Carvalho, CEO da wta Intercâmbio, o erro de empresas como 123 Milhas e Hurb é apostar muito em promoções, tentar fazer fluxo de caixa e dependendo da volatilidade do mercado não honrar os compromissos.

Para evitar dor de cabeça para os clientes, no caso da wta estudantes, a startup adotou um modelo em que os pagamentos são feitos diretamente às escolas e fornecedores, eliminando a possibilidade do uso do montante por parte da agência. “O que criamos foi uma mudança simples, mas que gera total segurança de que o cliente irá viajar e que tudo o que foi contratado estará à disposição.” Uma lição para 123 Milhas, Hurb e outras mais.