“Há uma preocupação de dar oportunidade aos excluídos”, diz presidente da Bienal de São Paulo
José Olympio é uma sumidade no mundo das artes. À frente da Bienal de São Paulo, sabe que as questões políticas, sociais e econômicas andam juntas da cena artística
Por Beto Silva
Um dos maiores colecionadores do mundo, José Olympio da Veiga Pereira participa de discussões em diversos conselhos do setor no Brasil e no exterior e, desde 2018, preside a Fundação que realiza a Bienal de São Paulo, a segunda mais antiga do mundo. Promovida desde 1951, fica atrás apenas de Veneza, de 1895. O evento chega à sua 35ª edição, que começa terça-feira (6) e vai até 10 dezembro, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, com entrada gratuita. Aos 61 anos, José Olympio fala com propriedade da cena artística, do atual momento da cultura no País e da missão da Bienal, que há mais de sete décadas dissemina a arte contemporânea brasileira e faz sua conexão com as tendências globais. Ah, um detalhe (que obviamente não é um detalhe): Olympio também preside o banco J.Safra. Nesta entrevista, ele pinta o seu quadro sobre a arte relacionada à sociedade, à política e à economia.
DINHEIRO — O que o público vai encontrar na Bienal de São Paulo deste ano?
JOSÉ OLYMPIO — A Bienal de São Paulo é o maior evento de arte contemporânea do Hemisfério Sul e a segunda mais antiga do mundo. A cada edição ela se renova, apresenta uma coisa nova, apresenta um panorama novo do que está acontecendo nas artes contemporâneas no Brasil e no resto do mundo. Nesta edição, pela primeira vez teremos um grupo curatorial horizontal, ou seja, não tem um líder. Estão todos trabalhando em conjunto, em um grupo bastante heterogêneo.
Como será o evento?
Estamos bastante animados. Temos um conjunto grande de artistas, são 121, que é um número maior do que a média das edições anteriores, com mais de 1 mil obras expostas. A Bienal é um grande banquete das artes, e as artes são o alimento da alma. Eu recomendo a todos a irem várias vezes, porque não é para ser vista de uma vez só. É para ser vista em uma visita mais superficial sucedida de outras para se aprofundar em coisas que lhe interessaram.
Qual a mensagem do tema da Bienal, Coreografias do Impossível?
É um título intrigante. A mensagem é como as pessoas, os artistas, a partir de um contexto de impossibilidade conseguem realizar alguma coisa. Estamos no mundo hoje com gente vivendo em diversas situações de impossibilidade, que não tem acessos. Como são as coreografias a partir dessas várias manifestações feitas num contexto de impossibilidade.
O senhor falou sobre a dificuldade de criação em tempos difíceis, mas por outro lado a digitalização permite um pouco mais de acesso à arte por parte do público. Como o cenário da arte tem lidado com essa questão digital?
Ao longo da história, a arte vai se apropriando de outros meios para se exprimir. Encampou a fotografia no final do século 19, início do século 20, e hoje a fotografia é um meio de expressão de arte. Depois veio o vídeo. E agora a arte está encampando o digital também. Então, à medida em que os meios de expressão, ou novos meios, se colocam disponíveis, a arte absorve. Hoje as expressões artísticas vão muito além da escultura, da pintura, do desenho, das obras em papel. Há obras com fotos, filmes, instalações, performances e obras digitais. É normal.
“Há preocupação de dar oportunidade aos excluídos. Na nossa exposição há predominância de afrodescendentes, indígenas e não brancos europeus’’
A arte é viva…
A arte reflete o seu tempo. As manifestações artísticas são reflexo de cada tempo e em cada tempo temos diferentes mídias que se tornam disponíveis.
O mote desde a primeira Bienal, em 1951, é promover a arte contemporânea por meio de intercâmbio da produção brasileira com a global. Isso continua atual?
Continua atual. A grande missão da Bienal é divulgar e dar acesso à arte brasileira e à arte global de um determinado tempo. E, muitas vezes, resgatar a arte histórica, que por alguma razão merece ser revista ou merece ser colocada em diálogo também com arte contemporânea. Ao longo da história da Bienal o público teve oportunidade de conhecer o que de melhor se fez na arte contemporânea, na arte brasileira e na arte global. Esse público estrangeiro que veio aqui também teve acesso ao que estava se fazendo na arte no Brasil, que circulava menos mundo afora. Nosso papel é ser esse grande fórum de arte contemporânea, ter uma visão do que que está acontecendo no Brasil e no mundo.
Na sua avaliação, qual o atual momento da arte tanto na questão da produção dos artistas quanto da produção de eventos, como a Bienal?
Há uma preocupação neste momento de dar oportunidade aos excluídos, ou aos, até então, excluídos. Nesta nossa exposição há uma predominância de artistas afrodescendentes, indígenas e não brancos europeus. Na última Bienal de Veneza também havia predominância de artistas mulheres. A tendência neste momento é justamente dar oportunidade e dar visibilidade àqueles que até então estavam sub-representados ou subapreciados. É a tônica do momento, não só na nossa Bienal, mas no mundo. A Bienal anterior já teve uma presença de artistas indígenas importantes tanto brasileiros quanto internacionais. E artista esquimó, inclusive. A atual bienal vai além, porque tem representação ainda maior de artistas.
A Bienal de São Paulo tem absorvido muitas tendências de fora. O que tem apresentado como referência para outros países?
A produção artística brasileira é de alta qualidade. Nós estamos em um momento em que cada vez mais os nossos artistas são apreciados fora do Brasil. Esse é um trabalho feito via instituições culturais e via também galerias brasileiras, que passam a se internacionalizar, abrir escritórios fora do Brasil e promover artistas brasileiros. Estamos em um momento muito positivo para arte brasileira de tornar-se conhecida como ela é, de alta qualidade. O que a gente precisa é torná-la conhecida, porque não adianta ser uma coisa boa que ninguém conhece, ninguém vê, ninguém aprecia. Nosso trabalho com a Bienal cumpre essa missão muito bem, de justamente dar visibilidade à produção brasileira.
O Brasil passa por um momento político, econômico e social muito intenso. Como a arte se manifesta diante disso?
De novo, a arte é um reflexo do seu tempo e as questões do tempo muitas vezes estão refletidas nas obras também.
Nós vimos um esvaziamento dos investimentos públicos na cultura, em especial equipamentos como Museu Nacional, Cinemateca… Como o senhor analisa o que passou?
Vi o momento anterior com muita pena, porque houve de fato uma desvalorização da cultura. E estou muito feliz com o que está acontecendo neste momento, que é uma revalorização da cultura. Nós vimos o Ministério da Cultura sendo extinto na administração anterior e ele foi restabelecido agora, na liderança da ministra Margarete Menezes, que é uma artista também. Estou muito otimista com o momento que estamos vivendo.
O senhor criticou as mudanças ocorridas na aplicação da Lei Rouanet, que restringiram os investimentos pela iniciativa privada na cultura. A legislação também tem voltado a ser como era. É algo a ser comemorado?
A Lei Rouanet voltando a funcionar, depois de uma restrição, mostra que as coisas estão voltando aos trilhos. Não chegou a nos afetar, mas passamos por momentos de preocupação. Tivemos o apoio necessário. Não podemos reclamar, mas reconhecemos que foi difícil de uma forma geral.
Vivemos no País uma polarização política que muitas vezes é nociva…
Concordo!
… o senhor acredita que a arte tem o poder de fazer essa reconexão popular?
[Pausa de seis segundos] A arte pode exercer esse papel, sim. A arte mais despolitizada ajuda a cumprir esse papel, ajuda a acabar com os extremismos. Uma arte mais politizada exacerba os extremismos. A arte pode contribuir para um lado ou para o outro, depende a vertente que ela escolher seguir.
Mas como despolarizar a arte? Ela está muito intrínseca à crítica política e social, não é mesmo?
Voltamos ao tema de que a arte é reflexo do momento. Na Bienal anterior tivemos uma sala com a arte do Giorgio Morandi [importante pintor italiano], que durante a Segunda Guerra Mundial se isolou na sua casa em Bolonha e passou a pintar garrafinhas. Criou um universo para ele mesmo, para se proteger daquilo que estava acontecendo ao seu redor. Se despolitizou. Existem essas alternativas de não necessariamente usar a arte como expressão política. A arte tem um poder também de dar conforto, de despertar sensibilidades, de encantar de outras formas que não o engajamento político.
Esse isolamento já é um movimento político…
Perfeito, sem dúvida. É um posicionamento. Mas que não escolhe lados, pois se retira.
Qual é a relação da arte com a economia?
A Bienal de São Paulo tem impacto grande na economia. Movimenta R$ 300 milhões só no estado. Atrai público grande de turistas, que obviamente movimenta hotéis, restaurantes, transporte… A própria realização da Bienal movimenta muito a indústria do setor, porque tem a produção de obras, montadores, iluminadores. É fundamental para o funcionamento do sistema que a arte seja consumida, que haja colecionadores dispostos a consumir arte, porque é o colecionismo que sustenta a produção artística. E tem crescido, com as galerias se expandido.
“A arte mais despolitizada ajuda a cumprir esse papel, de acabar com os extremismos. Uma arte mais politizada exacerba os extremismos”
Esse setor passa por crise?
Claro. Como todo setor de bens que não são de primeira necessidade, ele sente quando a economia está mais difícil, quando juros estão mais altos. Quando sobra renda ele se beneficia, e quando falta renda ele sofre.
E qual o atual momento?
De meio. Não é de nenhum dos extremos. Não é de euforia, mas também não é de carestia.
Qual sua análise sobre o momento econômico do Brasil?
Sou um eterno otimista com o Brasil. Mesmo nos piores períodos a gente sempre sobrevive, vence as adversidades e segue. Eu não diria que eu estou otimista, diria que eu sou otimista.