Economia

A Reforma Administrativa vem aí: entenda o que está em jogo

Chegou a hora de revisar o tamanho do Estado e essa mudança pode ser cortando a base da pirâmide, ou o topo dela, a depender de quem ganhar a queda de braço entre Lula e Lira

Crédito:  Patrick Grosne

Brasília e a multidão de servidores: será que sai reforma ou fica tudo como antes? (Crédito: Patrick Grosne)

Por Paula Cristina

Entra governo, sai governo, e uma discussão relevante sempre pareceu lateralizada entre tantas urgências que o Brasil apresenta. O tamanho do Estado. A viabilidade de um governo central inchado e pouco eficiente é reconhecida por todos os espectros da política porque, contra fatos, não há argumentos. Em valores correntes, a despesa da União passou de R$ 2,730 trilhões em 2021 para R$ 3,246 trilhões em 2022. Dá 19% de alta em um ano. Tem sido assim desde a redemocratização, em 1988, e continua subindo. Agora o governo Lula III decidiu que irá entrar nessa questão, mas do seu jeito.

Para isso precisará lidar com uma figura relevante na equação, o presidente da Câmara, Arthur Lira, que, a depender do cenário político, pode agir como bombeiro ou piromaníaco, como definem alguns parlamentares da base governista.

Hoje está em curso no Legislativo a PEC 32, enviada pelo governo Bolsonaro e que, no entendimento de Lula, não é o melhor caminho. À DINHEIRO, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o governo não considera o texto de Paulo Guedes factível. “Não é reforma. Não podemos chamar de reforma. Trata-se da destruição do serviço público. Não é isso que vamos propor”, afirmou.

O texto em questão, protocolado em 2020, está sob relatoria do senador Marcelo Castro (MDB/PI) e define novas métricas para contratação do funcionalismo, redução de benefícios, cargos sobrepostos e criação de vagas. Segundo o senador, ele precisa de ajustes e debates, mas pode ser levado à votação.

“O Legislativo ainda precisa elucidar alguns pontos, porque nosso objetivo não é promover uma caça às bruxas”, disse. O entendimento do senador acompanha o do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco.

Em evento na capital federal na segunda-feira (28), ele garantiu que não passará pelas mãos dos senadores um texto que trate do funcionalismo como algo ruim. “Nunca foi essa a ideia. Não há aversão ao funcionalismo, há apenas espaço para melhorar as relações e tornar mais próxima da economia e realidade brasileira”, afirmou.

Na esteira de seus pares no Senado, Lira também tem contemporizado. Segundo ele é impossível avançar o texto sem o apoio do governo, mas prefere que seja o texto que já está na Casa.

“Não podemos fazer da Reforma um obstáculo para a ascensão profissional do servidor público.”
Lula, Presidente da República

Presidente Lula: Reforma Administrativa do seu jeito (Crédito:Jardiel Carvalh)

Em um evento convocado pela Frente Parlamentar de Comércio e Serviços (FCS), Lira disse que espera uma discussão sem tensionamento ideológico. “É uma matéria que tem seu cunho de representatividade muito forte no campo da esquerda progressista. Mas é importante que todos participem sem nenhum tipo de preconceito.”

Para sustentar a ofensiva de avançar com o texto que tem nas mãos, ele se muniu do pedido de 23 frentes parlamentares da Câmara que desejam a Reforma Administrativa ainda em 2023. O manifesto pela PEC 32 foi criado pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).

Segundo o presidente da FPE, Joaquim Passarinho (PL/PA), “a redução do custo do Estado é fundamental para garantir sua sustentabilidade financeira, bem como para direcionar os recursos públicos de maneira mais assertiva”.

Segundo ele, com a diminuição da máquina pública haverá margem para mais espaço para investimento público e, consequentemente, maior confiança do empresariado para o investimento privado. “Eu, inclusive, acredito que a [Reforma] Administrativa deveria ter vindo antes da Tributária, por moldaríamos a parte fiscal diante de novas premissas do funcionalismo público.” Ele não é o único.

Mundo novo

Em algumas ocasiões, inclusive no evento de 1º de Maio, o presidente Lula afirmou que é preciso fazer uma revisão da estrutura do funcionalismo público, mas essa mudança não deve criar obstáculos na ascensão profissional.

Ele também se diz contra aumentar a terceirização, como prevê a PEC 32, e afirmou que a ampla maioria dos funcionários públicos não recebe muito mais que os da iniciativa privada. “Essa disparidade está localizada em uma minoria.”

O presidente usou como base um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2018, que mostrou que a média salarial dos servidores municipais era de R$ 2.150; dos estaduais, R$ 4.150; e dos federais, R$ 6.500. De lá para cá a situação não mudou muito.

Segundo Helena Wajnman, diretora executiva da República.org, hoje metade dos servidores recebe cerca de R$ 3.400 por mês, menos de três salários mínimos, (R$ 1.320).

Ampliando um pouco o escopo, 70% do total recebe mensalmente até R$ 5.000. O cálculo considera os contracheques de servidores estatutários, o grupo que fez concurso e tem estabilidade, nos diferentes Poderes —Executivo, Legislativo e Judiciário— em diferentes esferas —municípios, estados e União. Trata-se de uma massa de quase 7 milhões de pessoas.

“Para aprovar a Reforma vamos precisar de apoio do governo. Que todos participem sem nenhum tipo de preconceito.’’
Arthur Lira, Presidente da Câmara dos Deputados

Presidente da Câmara, Arthur Lira: contemporizando (Crédito: Charles Sholl/Brazil Photo Press)

Mas é evidente que o problema não está neles. Está no topo. E pela discurseira toda, especialmente representada nas falas de Lula, do ministro Padilha, do relator Castro e no presidente do Senado, Pacheco, o tom pode tanto ser “vamos mudar com cuidado” quanto “vamos falar muito de mudanças para que nada mude”.

À luz desse tema estão os funcionários com proventos acima dos R$ 41.650, teto do funcionalismo, que equivale ao rendimento máximo do juiz do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse pequeno grupo representa 0,06% do total. Segundo estudo do Centro de Liderança Pública (CPL).

Pode parecer pouco, mas esses 0,06% do funcionalismo, 25 mil pessoas, custam R$ 3,9 bilhões aos cofres públicos por ano. E é nessas distorções que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pretende agir.

“Estamos dispostos a cortar privilégios. Mas para isso precisamos entender quais são, onde estão e como chegaram a ele.”
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad

De acordo com o ministro, o Estado não paga privilégios porque quer. “Pagamos porque a lei exige e é isso que precisamos revisar.”

O ministro refutou, de toda forma, as estimativas de seu antecessor, Paulo Guedes, que dizia que a PEC 32 reduziria em R$ 300 bilhões ao ano o gasto com o funcionalismo. “Esse número não é real, disse Haddad. “E se fosse ele se daria em cima de tamanha precarização dos serviços públicos que condenaria à máquina pública a morte.”

O ministro da Fazenda ainda aproveitou o momento para alfinetar o Congresso. “Esses privilégios são pequenos perto dos privilégios que algumas pouquíssimas empresas conseguiram no Legislativo”, disse. “Temos de enfrentar os grandes interesses de poucos empresários assim como os grandes privilégios de poucos trabalhadores do funcionalismo público.”

Olha a farda!

Outro tema relevante para o custo do Estado e que nem Lula, nem Lira, nem ninguém vai querer tocar são os proventos dos militares.

Eles, que passaram à margem da Reforma da Previdência, não entraram na Reforma Trabalhista e não serão afetados nem pela Tributária nem pelo Arcabouço nadam em águas tranquilas.

No governo Bolsonaro, militares que dividiam o cargo com afazeres no Palácio do Planalto chegaram a embolsar R$ 300 mil em um único mês, segundo o Portal da Transparência.

Se a discussão é reduzir salários e benefícios para aumentar investimentos, o meio militar representa bem como o Brasil funciona. Em 2022 a destinação da maioria dos recursos das Forças Armadas foi para o pagamento de salários e pensões. Dos R$ 110 bilhões disponíveis, R$ 92,4 bilhões foram gastos com pessoal, (e só R$ 38,2 bilhões na ativa), tanto militares quanto civis. Isso representa 41,3%.

Assim, a maior parte dos gastos de Exército, Marinha e Aeronáutica (58,7%) vai para a turma fora da ativa, a do pijama. Sobram pouco mais de R$ 17 bilhões para investir no restante. Em resumo, nota zero em gestão de recursos.

“Não pagamos os privilégios porque a gente quer. Pagamos porque a lei exige e isso é o que precisamos revisar.’’
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Fernando Haddad, da Fazenda: “Temos de enfrentar os grandes interesses de poucos empresários assim como os grandes privilégios de poucos trabalhadores do funcionalismo público.” (Crédito:Gabriela Biló)

Reajuste em Curso

Enquanto tenta achar o caminho para Reforma Administrativa, o governo lida com a pressão por aumento salarial do funcionalismo.

Depois de apresentar uma proposta de reajuste inferior a 1% em 2024, os servidores federais se mostraram insatisfeitos. Segundo o Ministério do Planejamento, responsável pelo Orçamento do ano que vem, há uma margem de R$ 1,5 bilhão para destinar ao reajuste do servidor federal.

Isso porque o Senado aprovou em 23 de agosto a MP 1.170/23 (de autoria do governo), que concedeu a todos os servidores federais civis do Poder Executivo, aposentados e pensionistas reajuste de 9% a partir de junho.

O auxílio-alimentação também subiu 43% (para R$ 658 mensais). A correção alcança mais de 1,1 milhão de beneficiários — a maior parte aposentados (450 mil) e pensionistas (167 mil) — com custo total de R$ 9,6 bilhões em 2023 e R$ 13,8 bilhões a partir de 2024. É de se concluir: reforma? Que Reforma?