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Uma piada de mau gosto — e nem podemos culpar Zizek

Paradoxos brasileiros nos fazem ser miseráveis tanto na distribuição de riquezas quanto na redução das pobrezas

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Edson Rossi: "A pergunta: alguma dúvida de que você trocaria o Estado brasileiro por Finlândia, Áustria ou Espanha?" (Crédito: Divulgação)

Um povo miserável tem como único destino a tragédia. Com nove meses de reinado do soberano Lula III há poucas dúvidas de que este governo NÃO vai enfiar a mão na cumbuca para lidar com as encrencas que moldam todos os nossos males. Aqui é aquele lugar esquisitíssimo em que a raiz de tudo está igualmente na copa. E nos frutos. Podemos resumir essa situação desesperadora na Síndrome de Estocolmo vivida pelo presidente da República em relação ao almirante da Câmara, Arthur Lira ­— sim, no caso brasileiro sei que somente usamos almirante para momentos de guerra, e me parece o caso. Afinal, ninguém acredita que Lula quer no seu ministério um senhor conhecido por André Fufuca (até quarta-feira, 30, ainda não nomeado).

Dois motivos levam a essa fragilidade de Lula. Fragilidade inexistente nos dois mandatos anteriores. O primeiro é o fato de que desde o impeachment de Dilma Rousseff nossa Câmara acumulou poderes (leia-se: controle do dinheiro grosso). Como afirmou, aliás, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, tendo depois de se desdobrar para desdizer o que disse. O segundo motivo é que Lula desta vez não chegou à cadeira com capital político inquestionável. Foi pífia a diferença de votos (50,9% contra 49,1%). Esses 2,1 milhões de eleitores são equivalentes a menos da metade da população da Zona Leste de São Paulo. Algo como da Mooca ao fim da Penha. Ou dali até Cidade Tiradentes. Isso alimentou agendas nefastas que incluem os golpistas do 8 de Janeiro à acelerada sede por cargos de primeiro e segundo escalões. Adeus, governo. O que reinará de vez é o fisiologismo de sempre.

Em uma piada narrada pelo nada unânime intelectual esloveno Slavoj Zizek (nascido em 1949), nos anos 1930 uma pergunta é feita a Trótski, Bukharin e Stálin: se ainda existiria o dinheiro no futuro do pleno comunismo. Os partidários de Trótski dizem que não, porque ele só é necessário quando existe a propriedade privada. Os de Bakhurin discordam e dizem que sim, já que toda sociedade complexa necessita de dinheiro para as trocas. Stálin interfere e rejeita as duas hipóteses, afirmando que “a verdade é uma síntese dialética superior entre os opostos”. Questionado pelos dois lados sobre como seria essa tal síntese dialética, Stálin responde: “Haverá e não haverá dinheiro no comunismo. Alguns terão. Outros, não.”

Não sei se para você, mas pra mim essa é a melhor definição de Nação que encontro para quem vive entre as latitudes 5°16’20” (ao norte) e 33°45’03” (ao sul). Somos a síntese dialética entre a ofensa e o escárnio, cujos prólogo e epílogo são uma brutal desigualdade. Nossas elites bailam, em especial a classe política, como se fossem de gênesis distintas. Bobagem. Tudo mais do mesmo. Reportagem de Alexa Salomão publicada sábado (26) na Folha de S.Paulo mostra que o equivalente a 9% do PIB vai para salários de servidores, volume de dindim turbinado pelo corpus judiciário — e pelos militares, que mamam mais que educação e saúde (e nem falo aqui de ambulantes vendedores de joias). “Privilégios de poucos, gestão ineficiente e a herança de um sistema de Previdência generoso demais” foi o diagnóstico dos especialistas ouvidos. O gasto de União, estados e municípios estaria na média global. Segundo o texto, na Finlândia bate em 10%. Na Espanha e na Áustria, nos nossos 9%. A pergunta: alguma dúvida de que você trocaria o Estado brasileiro por Finlândia, Áustria ou Espanha?

Esse papo de que o Estado não deve ser discutido sobre ser grande ou pequeno, gordo ou enxuto, e sim sobre ter tamanho ideal é balela. Cada vez que ouço essa falsa questão concluo que o interlocutor tem parentes no alto funcionalismo. Ou negócios com o governo. Há exceções. Sempre há. Quero ser apresentado a elas. Por isso, as verdadeiras discussões aqui passam por três temas. O primeiro é taxar grandes fortunas. O efeito colateral positivo faria nascer parrudas doações para instituições de educação, cultura, ciência e saúde. O segundo — vinculado ao terceiro — é a Mãe-Salvadora-das-Reformas, a do Estado. Não há como discutir a Tributária sem pensar no tamanho desse monstro guloso. Em última instância, significaria até matar cidades. Nada mal. Porque, como diz Paula Cristina em reportagem desta DINHEIRO, o Brasil soma 5,5 mil municípios, mas só 49 deles possuem mais de meio milhão de habitantes e, segundo o Ipea, “apenas 11% têm arrecadação suficiente para honrar as contas sem depender de recursos da União”. Sair desse lodo exigiria de Lula III forças que ele lamentavelmente não tem. Vem, Fufuca! Zizek terá mais piadas.

*Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.