Liderança, Aprendizado e IA: superando o efeito Dunning-Kruger
Por Luís Guedes
O valor gerado pelas organizações depende em larga medida do seu estoque de conhecimento, que normalmente está disperso na força de trabalho e declarado nos processos organizacionais e nos sistemas de gestão. As organizações reconhecem e remuneram melhor os profissionais com mais experiência, na expectativa que conduzam suas atribuições tomando decisões equilibradas, habilitadas por dados, livres de vieses e assentadas sobre erros e acertos do passado. A espiral do conhecimento, no entanto, não tem fim – quanto mais aprendemos, mais percebemos o quanto temos a aprender.
Ocorre que, a despeito de nossa experiência, podemos estar cegos para distorções na nossa compreensão sobre determinado tema. Esse viés cognitivo foi estudado por dois psicólogos e leva o nome de ambos: efeito Dunning-Kruger. O tal efeito descreve a tendência que indivíduos com conhecimento limitado em determinado assunto têm de superestimar as próprias capacidades nesse tema. Alcança também os experts, que tendem a subestimar seu conhecimento, pois aparentemente reconhecem a vastidão do que ainda não sabem. Apesar de paradoxal, sugerem os pesquisadores, quanto maior a ignorância, maior a certeza… Apesar de parecer trivial, o efeito Dunning-Kruger representa um desafio intelectual significativo.
É possível que alguns ajustes no nosso modelo mental e o apoio da inteligência artificial possam nos ajudar… Comecemos pela óbvia constatação sobre o universo de coisas que não sabemos. A humildade intelectual é o fundamento da cultura de aprendizado, na qual o conhecimento compartilhado é valorizado, a interdisciplinaridade uma regra, a diversidade uma constante. A liderança pode dar o exemplo compartilhando sua própria jornada de aquisição de conhecimento e incentivando decisões que considerem um conjunto amplo de variáveis e que pondere as consequências sobre todas as partes interessadas. Adiar o julgamento e tomar decisões melhor informadas é estratégico em um mundo que tem pressa para tudo.
“A IA pode nos ajudar a localizar padrões pouco evidentes nos dados de vendas e relacionamento com clientes e parceiros, por exemplo, facilitando uma reflexão profunda sobre o nosso mercado”
Tive a honra de orientar e participar de mais de uma centena de trabalhos acadêmicos e vejo quão importante podem ser o feedback construtivo e o apoio intelectual e metodológico para quem trabalha na fronteira do seu próprio conhecimento. Os gestores devem estimular a formulação e teste de hipóteses e criar um ambiente de segurança psicológica para que erros honestos possam servir de guia para o aprendizado coletivo.
Em outra frente, podemos nos aliar à IA para elaborar uma visão mais abrangente sobre o nosso setor, considerando nuances e complexidades, antecipando mudanças no comportamentos dos clientes e aprimorando a nossa comunicação. A IA também pode nos ajudar a localizar padrões pouco evidentes nos dados de vendas e relacionamento com clientes e parceiros, por exemplo, facilitando uma reflexão profunda sobre nosso mercado. Esse modo de operação, entrelaçado com a mentalidade de aprendizado, pode induzir uma revisão das nossas convicções e fazer avançar a inovação.
Certamente há outras práticas para nos protegermos desse viés, mas a jornada começa por reconhecermos nossa própria ignorância, como guia de nosso aprendizado.
Essa coluna foi inspirada por uma conversa com o Dr. Edilbert Pellegrini
Luís Guedes é professor da FIA Business School