A estratégia bilionária da Kopenhagen com a Nestlé
Após a negociação que transfere seu controle acionário para a multinacional suíça, Grupo CRM segue com operação standalone e acelera projeto para abertura de 2 mil lojas até 2026. Faturamento deve chegar a R$ 1,7 bilhão este ano
Por Angelo Verotti
Fazer a diferença a cada momento. Propósito que há quase um século move a Kopenhagen, referência nacional em chocolates finos e, nos últimos 25 anos, a vida profissional da empresária Renata Moraes Vichi. Uma trajetória marcada por desafios e também pelo surgimento, em 2009, do Grupo CRM, que reúne sob o mesmo guarda-chuva outras duas bandeiras, a Chocolates Brasil Cacau e a Kop Koffee. Com o crescimento gradual da receita e a expansão contínua dos pontos de atendimento nos últimos anos, a holding se tornou importante atrativo para personagens de renome no mundo dos negócios. Primeiro foi o fundo americano Advent International, que se tornou sócio-majoritário do grupo a partir de 2020. Agora, a gigante de alimentos Nestlé, que acaba de anunciar a compra de ações pertencentes à gestora estrangeira, assumindo o controle acionário do negócio brasileiro. O valor da transação não foi confirmado pelas partes, mas a estimativa do mercado é que tenha ficado entre R$ 4 bilhões e R$ 4,5 bilhões.
A negociação depende do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e só deve ser concluída em 2024. Mas um fato em comum chama a atenção nos dois movimentos recentes que envolveram o Grupo CRM: a manutenção de Renata Vichi no controle.
Aos 41 anos, a paulistana se tornou a imagem do sucesso da Kopenhagen, situação que tem se repetido com a Brasil Cacau, marca popular que tem seguido os passos da irmã mais velha no processo de crescimento.
“Consideramos essencial para o sucesso da transação a permanência da Renata na gestão por seu profundo conhecimento do negócio, resultados e pela paixão com a qual vem conduzindo a empresa nos últimos 25 anos, culminando em uma trajetória consistente de desenvolvimento”, disse, em nota, Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil.
No cargo de CEO desde março de 2020, a empresária conhece como poucos os detalhes das operações do grupo, que tem sede na capital paulista, além de uma fábrica e de um centro de distribuição em Extrema (MG).
Renata iniciou a carreira na Kopenhagen como estagiária de marketing, aos 16 anos. Com a experiência acumulada posteriormente na diretoria comercial e na vice-presidência, tornou-se uma das responsáveis pela expansão e pelo desenvolvimento de novos negócios, principalmente após a saída do pai, Celso Ricardo de Moraes.
Ele deixou a função de CEO ao negociar a sua participação com o fundo Advent.
“Desde que assumi a minha primeira posição no grupo, implantei uma linha de gestão fundamentada no propósito de perpetuar as nossas marcas e, a partir desse objetivo, todas as estratégias e inovações são empreendidas”, disse Vichi à DINHEIRO.
O crescimento da Kopenhagen desde que Celso Moraes comprou a marca, em 1996, tem sido colossal. Quando ainda era controlada pelos herdeiros dos fundadores, David e Anna Kopenhagen, a empresa faturava anualmente R$ 38 milhões. Para este ano, a expectativa de receita do grupo é de R$ 1,7 bilhão, 20% acima do faturamento registrado em 2022.
“Fomos de uma empresa de fundador para uma empresa familiar, depois para uma empresa de private equity e agora com uma parceria com a maior empresa de alimentos do mundo”, afirmou a CEO. “Acho que é um reconhecimento do que a gente fez e faz. Para mim é uma chancela de sucesso.”
Sucesso para o Grupo CRM e oportunidade de novos caminhos para a Nestlé, que faturou globalmente US$ 51 bilhões no primeiro semestre deste ano — no acumulado de 2022 foram US$ 102,4 bilhões.
Novo modelo de negócios
Na visão de Marcelo Melchior, o controle acionário da holding brasileira permitirá à multinacional participar de um segmento diferenciado, agregando à sua estrutura um novo modelo de negócio com a rede de lojas que oferece uma experiência exclusiva aos consumidores aliando chocolates finos ao café.
Ao mesmo tempo, a Nestlé estará comprometida em alavancar ainda mais o crescimento do Grupo CRM.
“Temos uma grande oportunidade de acelerarmos segmentos de maior valor agregado, fortalecendo ainda mais a categoria de chocolates no Brasil.”
Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil
Em julho, a Nestlé anunciou investimento de R$ 2,7 bilhões até 2026 em sua operação de chocolates e biscoitos.
A negociação faz parte de um processo de desinvestimento do fundo americano Advent, que busca garantir recursos para novas oportunidades de aquisições no varejo. E o sentimento da empresa é de dever cumprido em relação à holding brasileira.
“A meta estipulada pela Advent, de dobrar o tamanho do grupo em cinco anos, foi alcançada antes do prazo, em menos de três anos”, afirmou a CEO do Grupo CRM.
Mais lojas
A confiança do líder da Nestlé Brasil no trabalho realizado pela empresária ficou evidente antes mesmo da assinatura do contrato. Vichi revelou ter carta branca para dar continuidade aos projetos definidos para a Kopenhagen e demais empresas do grupo.
O principal deles envolve a expansão da rede. O objetivo é triplicar o número de franquias até 2026. Atualmente são 1,1 mil pelo Brasil, sendo 660 da Kopenhagen e 422 da Brasil Cacau. A proposta é abrir 2 mil unidades, sendo 1,2 mil da Brasil Cacau e 800 da Kopenhagen.
Já a rede de cafeteria Kop Koffee tem cincos unidades próprias, ainda sem previsão para o início de comercialização de franquias. O número, no entanto, deve crescer, tendo em vista que o segmento de café e derivados já representa 25% das vendas nas lojas. “Queremos consolidar o canal de franquias triplicando o número de lojas juntamente com a Nestlé.”
Os novos estabelecimentos — seja quiosque, seja loja — estarão concentrados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nos últimos dois anos, o grupo inaugurou 350 unidades, 130 delas em 2022. O total este ano deve chegar a 220.
Os valores das franquias partem de R$ 120 mil na Brasil Cacau e de R$ 180 mil na Kopenhagen no caso de quiosques. “A gente tem uma premissa importantíssima no nosso negócio que é a expansão ditada pelo crescimento same store sales. Não acreditamos num movimento em que a gente cresce como franqueador em número de lojas e as lojas existentes não crescem”, afirmou Renata, ao destacar em seguida que a fábrica do Grupo CRM está preparada para o aumento da produção prevista com a expansão das unidades. “A planta recebeu recentemente investimento de R$ 220 milhões.
O plano de abertura de 2 mil lojas em três anos é visto como “ambicioso e desafiador” por Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail. “Mas possível”, disse o especialista, ao citar movimento parecido da Cacau Show, concorrente da Brasil Cacau, que chegou a abrir “500 lojas ou mais” por ano.
“A Raia Drogasil também vem há muitos anos abrindo sistematicamente de 250 a 350 lojas por ano com um nível de complexidade maior, porque as unidades normalmente são maiores”. Segundo Serrentino, tem que existir uma máquina azeitada por trás e uma estrutura para dar conta. “E se estiver mapeado, o potencial existe.”
Sinergias
A relação iniciada entre as partes permitirá capturar oportunidades em diversas avenidas de crescimento com foco em:
* inovação,
* digitalização,
* exploração de novas categorias
* exploração de canais.
Neste momento, no entanto, as sinergias são mais intelectuais, de acordo com a CEO. “Acreditamos que o conhecimento profundo do consumidor vai ser algo importante porque temos o ponto de venda na mão, além de um programa de relacionamento com mais de 4 milhões de consumidores cadastrados”, disse Renata.
“E a Nestlé está em 99% dos lares brasileiros, opera em todas as categorias de alimentos”. Na visão dela, isso garantirá maior repertório para entender o comportamento do consumidor, os avanços da pauta ESG, pauta de cacau sustentável, pauta de diversidade…
“Uma série de situações que podem ajudar as duas empresas.”
Renata Moraes Vichi, CEO do grupo CRM
O especialista Leo Horta, sócio-fundador da consultoria empresarial Maitreya, acredita que, apesar da operação standalone, o Grupo CRM e a Nestlé devem ser reunir após a provável aprovação do negócio pelo Cade para discutir possíveis sinergias de produção, tributárias, de produto e até de distribuição.
“Esse tema [distribuição] certamente vai ser discutido, porque tem muito dinheiro envolvido. Você está andando com produto pra lá e pra cá, será que não tem jeito de andar, ou menos quilômetro, ou ser mais eficiente, ou estar mais perto do consumidor”, questionou. A Nestlé possui oito centros de distribuição pelo País.
Com a experiência de ter feito a estruturação da Vulcabras, empresa brasileira de calçados, o carioca não descarta, inclusive, cortes de colaboradores. “Imagino que eles vão fazer algum enxugamento da parte que é menos direta do negócio, como administrativa, e de tudo que for situação transacional que podem juntar sem causar dano de estratégia ou de execução”, disse Horta. “Acredito que isso não seja, em matéria de quantidade de pessoas, mega relevante.” A Nestlé, porém, descarta cortes.
Kopenhagen, uma trajetória marcante
A história da Kopenhagen atravessa gerações. Produtos clássicos como Língua de Gato, Nhá Benta e Lajotinha, que entraram no catálogo da bandeira em 1948, seguem imbatíveis. “São submarcas tão fortes quanto à própria marca. Esses clássicos representam 40% do faturamento da companhia”, afirmou Renata.
Outra grande aposta da Kopenhagen para ampliar os negócios é a linha de chocolates Soul Good, que tem produtos com altos percentuais de cacau, sem açúcar e lactose. A linha já representa 7% das vendas do grupo, com crescimento acumulado de 20% no ano.
O aumento do consumo de chocolate, no entanto, está diretamente relacionado a uma necessária mudança da cultura brasileira. Em 2022, a média de consumo por pessoa no Brasil foi de 3,6 kg, contra 3,2 kg de 2021, ainda bem abaixo de países como Estônia, Alemanha e Áustria, que atingiram 8,5kg, 8,4kg e 8kg, respectivamente. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas.
Ter produtos que atraiam o paladar do cliente é essencial, mas não o suficiente. É preciso fazer com que as iguarias produzidas na fábrica das marcas em Extrema, Minas Gerais, cheguem a qualquer ponto do País. Uma forma foi a utilização do canal on-line, método que ganhou força na pandemia.
Se antes o modelo de vendas representava apenas 2% da receita anual do grupo, hoje já é responsável por 15%, percentual que deve chegar a 30% com a concretização do plano de expansão das lojas físicas.
“Com o digital estamos conseguindo uma abrangência incrível. E isso aumentou a venda das próprias lojas, que é quem faz o last mile da operação”, afirmou a executiva. “Trabalhamos como se fôssemos um marketplace. Captamos o pedido e direcionamos para o franqueado mais próximo, que fica com a venda.”
Além da expansão da rede e do digital, a Kopenhagen está de olho em outras avenidas de crescimento. E dentro do viés same store sales, que são as vendas de mesmas lojas, a jornada de presentes está mapeada para crescer aproximadamente R$ 1 bilhão no faturamento.
A ideia é replicar a importância do Natal e da Páscoa – as duas principais épocas de vendas no ano – nas demais datas sazonais, como Dia das Mães e Dia dos Pais, pouco relevantes para o segmento de chocolates. “Precisamos pensar numa jornada de crescimento exponencial do presente do dia a dia. Todo dia tem gente que faz aniversário, todo dia tem casamento. Temos de buscar outros mercados.”
Marketing
A Kopenhagen pretende se apresentar como opção de presente nesses momentos. As estratégias para isso são três e já estão em desenvolvimento:
* desenho cada vez mais assertivo de portfólio,
* maior investimento em marketing,
* uma agenda mais interessante de presentes montados.
“Não é só você ter o portfólio específico para as mães e para os namorados, mas realizar a montagem de kits e de cestas, por exemplo, elevando o tíquete médio. “Nós já iniciamos esse trabalho e está dando super certo.”
Dados recentes mostram que as vendas no Dia das Mães deste ano cresceram 65% na comparação anual. O aporte em marketing chegará este ano a R$ 50 milhões, montante 40% superior ao aplicado no ano passado. A estratégia prevê que a empresa consiga comunicar cada vez mais seus atributos.
De olho no futuro, mais precisamente em definir como a Kopenhagen vai conversar com o público nos próximos 95 anos, a CEO revelou o lançamento da geração 5.0, uma loja completamente nova, com um layout moderno e que resgata o tom avermelhado usado nas embalagens da marca.
“Vão ser 100 lojas entre inaugurações e reformas ainda em 2023. Um ponto de venda cada vez mais contemporâneo, com um DNA mais inovador, e que tem registrado crescimento de aproximadamente 15% nas vendas, o que é excelente”, disse Vichi.
“Aproximadamente 30 lojas já foram reformadas enquanto outras vão entrar no pipeline até o final do ano”. Uma prova de que o propósito seguido pela marca há quase um século continua mais do que atual.