A Reforma Tributária não pode conceder privilégios
Por Rafael Cervone
Depois de 30 anos de espera e postergações de uma reforma tributária capaz de alinhar o Brasil às principais economias, não podemos perder a oportunidade de concretizar de modo correto e justo esse processo tão importante para nossa competitividade, estímulo aos investimentos produtivos, crescimento mais expressivo do PIB e geração de empregos. Para isso, porém, a Proposta de Emenda Constitucional — PEC 45/2019, aprovada na Câmara dos Deputados, não pode agregar privilégios para quaisquer segmentos ou regiões.
Assim, é preocupante a informação de que o Senado, no qual a matéria agora tramita, deverá reintroduzir na proposta o Artigo 19, votado em separado e retirado pelos deputados federais, que prorrogava até 2032 os benefícios fiscais para indústrias do Norte e do Nordeste. Além disso, a nova redação aventada deverá estabelecer mais uma exceção, não prevista no texto original: os estímulos seriam específicos para a rubrica de “novas tecnologias”.
Tomando-se como exemplo o setor automobilístico, cabe lembrar que a Política Automotiva para o Desenvolvimento Regional (PADR), objeto das leis 9.440/1997 e 9.826/1999, já estabelecia regimes tributários diferenciados para as indústrias do setor do Norte, Nordeste e Centro-Oeste em relação ao Sul e Sudeste, resultando em diferencial de preços de até 21%, nas mesmas especificações técnicas e faixas de valores. Tal assimetria resulta da soma de 11% do IPI, constante na própria PADR, e 10% de ICMS, concedidos de modo complementar pelos governos estaduais.
Com a retirada do Artigo 19 da PEC 45 na Câmara dos Deputados, esses benefícios fiscais ficam restritos à Zona Franca de Manaus, em respeito a um dispositivo constitucional específico. O texto aprovado determina que os incentivos e regimes diferenciados sejam adotados de maneira uniforme em todo o território nacional. A contrapartida é a instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com o repasse de recursos da União para os estados e o Distrito Federal, destinados ao fomento das atividades produtivas com potencial de geração de emprego e renda.
É importante entender que os incentivos federais da PADR têm vigência até 2025, antes, portanto, do início da transição ao novo modelo tributário instituído pela PEC 45, que ocorrerá entre 2027 e 2032. Assim, seria danoso prorrogar os benefícios para além desse período, pois, além da persistência das assimetrias, seria complexo conciliar as duas agendas, prejudicando-se o cronograma de implantação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), previsto na emenda constitucional. Mais temerária ainda seria a hipótese de tornar esses estímulos perenes.
Os incentivos tributários para a instalação de montadoras e fornecedores de autopeças no Norte, Nordeste e Centro-Oeste baseiam-se no mecanismo de concessão de crédito presumido do IPI para compensação com o montante a ser recolhido. Esses benefícios deveriam originalmente ter sido extintos em 2010, mas, depois de três prorrogações, expirarão somente em 2025. Segundo Relatório de Auditoria realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a PADR, entregue em março de 2023, esse programa não tem produzido resultados positivos. É interessante observar o seguinte trecho do documento do TCU: “(…) a análise de resultados da PADR (…) revelou que as políticas, embora custem mais de R$ 5 bilhões por ano para os pagadores de impostos e já tenham consumido mais de R$ 50 bilhões desde 2010, entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios por ela beneficiados, pois foi verificado que, quando comparados aos territórios contrafactuais (que não receberam os benefícios das PADR), aqueles beneficiados não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico”. Um dos fatores apontados pelo órgão que explicam o baixo impacto do programa é que não ocorreu a esperada aglomeração industrial no entorno das fábricas contempladas.
É inadmissível, portanto, que os contribuintes e o Estado continuem subsidiando políticas públicas ineficazes e discriminatórias, à custa de mais impostos e de recursos que poderiam ser aplicados em saúde, educação, habitação e outras prioridades, incluindo iniciativas para o desenvolvimento regional. A seriedade e o êxito da tão esperada reforma tributária devem começar pela extinção de todos os privilégios, com um olhar mais amplo para os interesses e o bem de todos os brasileiros.
*Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP).