A queda de braço entre Haddad e Lira na mesa de negociação
Ministro da Fazenda enfrenta seu ponto mais alto de tensão com o Legislativo, bate o pé e mantém controle sobre apostas on-line. Enquanto isso, presidente da Câmara quer interferir no comando da Caixa e no PAC
Por Paula Cristina
Historicamente o papel do Ministro da Fazenda, ao menos em regimes democráticos, precisa ultrapassar o conhecimento em economia. É necessário ter em mente três pontos definidos pelo grego Heráclito por volta de 450 c.C.. Primeiro: as coisas não são de um determinado jeito, elas apenas estão daquela forma. Segundo: algo só muda quando submetido a uma tensão de forças contrárias. Terceiro, o entendimento de que nenhuma unanimidade é natural. Fernando Haddad, o comandante da Fazenda, tem caminhado com essas regras em mente para conciliar os interesses do governo, do PT, do Legislativo e as expectativas empresariais. Até agora, tem conseguido mediar essas demandas todas e ainda obtido resultados expressivos nos âmbitos fiscal, social e econômico. Mas começam a se impor na agenda do ministro novos temas que exigirão dele as habilidades de um exímio negociador. Com o Centrão querendo mais espaço (e poder) no Executivo, e com o presidente da Câmara, Arthur Lira, marcando território com ameaças de frear as boas intenções de Lula, Haddad precisará fazer algumas concessões sem abrir mão da chave do cofre.
Os planos de Fernando Haddad
* Regular e fiscalizar as apostas on-line
* Manter a Caixa longe da política
* Começar a Reforma Administrativa pelos supersalários
Os planos de Arthur Lira
* Levar as apostas on-line para o Esporte
* Cargos na Caixa e ministérios da Educação, Desenvolvimento e Previdência
* Começar a reforma Administrativa pela base da pirâmide
A primeira das concessões foi concordar com o novo rumo do Ministério dos Esportes, agora liderado pelo PP, mas sem abrir mão integralmente da Secretaria de Apostas Esportivas, como pleiteava o Centrão.
O resultado apagou um mini-incêndio, mas deu a garantia de que novos focos de fogo vão surgir. A presidência da Caixa e alguns cargos-chaves dentro do Ministério da Educação, da Previdência Social e do Desenvolvimento Regional são outras cartas que os deputados e senadores devem colocar na mesa em breve para negociar apoio ao governo.
Munidos de tais demandas, o fisiologismo se apoia no que acostumamos no Brasil a chamar de Governo de Coalização, mas na verdade se tornou um sequestro desde que as legendas partidárias passaram a atrair membros por vantagens, não ideologia.
A melhor prova disso é a entrada de André Fufuca no Ministério dos Esportes. Fufuca, do PP do Maranhão, embarca no governo Lula mesmo com 75% dos 47 deputados do PP votando contra a agenda do governo nas pautas que não foram articuladas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (que é do PP do Alagoas).
Fufuca também esteve ao lado de Jair Bolsonaro em campanha eleitoral no Nordeste. Tudo isso sem contar o fato de que ele nunca propôs uma lei que envolvesse esporte e nem possui qualquer relação direta de vivência ou conhecimento dos meandros do assunto, muito diferente de Ana Moser, ex-ministra.
Para entender como funciona essa relação é só olhar a agenda. Na quarta-feira (13) no começo da tarde, André Fufuca foi nomeado ministro. Seis horas depois, a Câmara aprovava a Regulamentação das Apostas Eletrônicas, nos moldes e parâmetros desenhados por Haddad e incluindo cassinos, apostas esportivas e jogos de azar virtual.
“Quando essa eficiência acontece e é puxada pelo Centrão, há um estremecimento na base real de um governo”, disse Rogério Felicio Carlo, professor de macroeconomia e política da Universidade Federal do ABC e que esteve no governo de transição.
O texto aprovado na Câmara agora segue para o Senado e tem potencial de arrecadação de R$ 12 bilhões ao ano.
Remediando
Na tentativa de diminuir o impacto da chegada de Fufuca ao governo, Haddad bateu o pé para manter na Fazenda a responsabilidade de regulamentar as apostas esportivas, já que se trata de uma medida de arrecadação e foi desenhada dentro do ministério que comanda.
Ao longo de seis meses Haddad conversou com empresas digitais, clubes de futebol, representantes do poder público e exerceu a dialética para construir um texto equilibrado e que foi elogiado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) como um caminho promissor para a discussão do assunto em âmbito global.
Mas onde termina a abertura para o contraditório e começa a chantagem política? Nos bastidores da negociação com o PP pela Pasta, era comum ouvir deputados dizendo que que queriam “ministério turbinado”. Não demorou para que houvesse um ruído no mercado de apostas, que entenderam que a transferência para o Esporte faria o assunto retroceder.
Tudo isso enquanto o presidente Lula, em viagem no exterior, ainda não havia nem confirmado a chegada de Fufuca. Depois de algum tempo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, deu o que parece ter sido o veredicto da negociação. A questão das apostas online terá guarda compartilhada. “Existe uma concordância da criação de uma estrutura de acompanhamento desse tema das apostas”, disse.
O ministro garantiu que a questão da fiscalização, regulamentação e arrecadação ficará sob cuidados e curadoria da Fazenda. “Além disso, uma parte dos recursos, já está prevista na medida provisória [da regulação das apostas] vem para o Ministério do Esporte, para o fomento do esporte no nosso país”, disse. A Secretaria, que ainda não foi criada, comportará 65 novos cargos.
Seis horas após nomeação de Fufuca, a Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação das apostas esportivas e cassinos on-line
Próximas demandas
Quem acompanhou a saga do governo Bolsonaro e sua relação com o Centrão sabe o que pode acontecer quando se abre demais as portas. O presidente fica resignado em um cargo ilustrativo, os ministros técnicos rendidos e o Legislativo executando o governo. Para desviar deste caminho Haddad precisará se preparar, porque o cerco vai se formar.
Deputados ligados à Arthur Lira confirmaram a DINHEIRO que já há negociações pelo comando da Caixa Econômica Federal, além de vagas em autarquias ligadas ao Ministério da Educação, Previdência Social e Desenvolvimento Regional.
Segundo dois parlamentares de legendas diferentes, os assuntos são debatidos em paralelo à aprovação das Reformas. De acordo com os deputados, o presidente Lula já sinalizou que entregará o banco “de porteira fechada” o que significa que o novo presidente teria autonomia para trocar os 12 diretores. Quem trabalha na busca por um nome para o comando do banco público seria o próprio Arthur Lira.
Com relação ao Desenvolvimento Regional, o plano do Centrão é receber assento em autarquias, empresas públicas e órgãos federais, já que haverá grande demanda envolvendo os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
No comando do Desenvolvimento, hoje, está Waldez Góes que entrou no governo por meio da cota do PDT na aliança do segundo turno. O PDT também é o partido de Carlos Lupi, ministro da Previdência Social, que enfrenta turbulências em função de disparidades no cálculo da fila do INSS e tem sido alvo de críticas de parlamentares do Centrão.
Com tudo isso em jogo, Haddad precisa colocar em prática o pensamento que descreveu em seu livro O Terceiro Excluído: sem a dialética efetiva, qualquer humanidade vai regredir, mas é preciso ter clareza para não confundi-la com a falácia dialética – quando ela se esconde na falsa eficiência ou na condescendência passiva.
A conversa com empresários
Enquanto, em Brasília, o ministro Fernando Haddad enfrenta o paredão Legislativo, outro tema também tem colocado pressão na agenda do petista. A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) pediu a rejeição integral da Medida Provisória (MP) que altera a tributação sobre as grandes empresas que recebem benefícios fiscais dos Estados.
O movimento já era esperado pela equipe econômica, já que a alteração acerta em cheio questões como:
* lucros e dividendos,
* fundos isentos de imposto de renda,
* fim do Juro Sob Capital Próprio (JCP).
Com tudo isso, mais a decisão pró governo dos julgamentos empatados no Carf, o governo fala em uma arrecadação extra de R$ 37 bilhões, o que daria ao ministro da Fazenda condições de honrar os planos de reduzir o déficit das contas públicas significativamente já em 2024.
O argumento dos empresários de capital aberto é que Executivo desrespeitou decisões do Legislativo e do Judiciário com o objetivo de aumentar a carga tributária, o que representa uma “grave violação à segurança jurídica”.
Apesar de começar seu manifesto em tom apocalíptico, a entidade diz está aberta a negociar, já que outro revés, este vindo do STJ, determinou o pagamento integral dos CSLL e PIS/Cofins de isenções que não visassem investimento (até então o entendimento era que benefícios poderiam ser usados para o custeio da empresa) poderia ser flexibilizado com aplicação dos prazos para devolução dos impostos.
Um assunto que Fernando Haddad, que viaja sábado (16) para os Estados Unidos em uma tour para atração de investimento estrangeiro no mercado de capitais, já disse que irá tratar pessoalmente em seu retorno.