ONG luta para colocar mais mulheres no mercado tech
Com aportes do Google e de Mackenzie Scott, Laboratória quer ampliar a participação feminina no setor onde mulheres são menos de 24% da força de trabalho
Por Victória Ribeiro
Apesar das constantes atualizações que dissipam as barreiras entre o físico e o virtual, a tecnologia ainda enfrenta obstáculos que limitam seu alcance. O déficit de profissionais especializados é um dos mais perceptíveis. Segundo estudo recente divulgado pelo Google, o Brasil poderá ter dificuldade em preencher 530 mil vagas na área até 2025. Essa lacuna é um dos motivos que levaram à criação do Laboratória, organização sem fins lucrativos que busca inserir mais mulheres no mercado tech.
A ênfase na questão de gênero tem um motivo claro. Ainda que as mulheres sejam 52% da população brasileira (dados do IBGE), um levantamento realizado pela plataforma de empregos Catho mostrou que a presença feminina no setor de tecnologia é de 23,6%.
Cofundadora da Laboratória no Brasil, Regina Acher afirmou que suprir essa ausência de profissionais significa também criar um mercado mais neutro do ponto de vista de gênero, “para que possamos desenvolver tecnologia de forma igualitária”.
Criada no Peru, em 2014, a Laboratória tem atualmente uma comunidade de mais de 3,3 mil mulheres desenvolvedoras web ou UX designers (em tecnês, UX é a designação para experiência do usuário).
Durante sua trajetória de quase dez anos, está presente em 11 países da América Latina. “Essa expansão permite não apenas alcançar mais mulheres como também perfis diferentes”, disse Acher.
No caso do Brasil, a organização iniciou sua atuação em 2018 e já colaborou com a formação de 450 estudantes. A iniciativa tem impacto ainda mais positivo para a economia quando se leva em conta o atual estágio do País no desenvolvimento de habilidades digitais.
Em seu estudo sobre déficit profissional na tecnologia, o Google afirmou que o Brasil está na terceira posição entre os países do G20 que mais desperdiçam oportunidades de aumentar o PIB por meio da transformação digital.
Código M
Mesmo com as formações em ritmo crescente realizadas pela Laboratória, Acher acredita que o estereótipo criado em torno da tecnologia, que coloca homens no centro de atuação na área, dificulta o despertar de mulheres para o tech.
“Ainda não temos uma quantidade significativa de mulheres referência, inclusive dentro das empresas. Isso impacta na motivação.”
Cofundadora da Laboratória no Brasil, Regina Acher
O caminho para minimizar o problema tem sido eventos como o Código M, criado para ampliar o olhar das mulheres para a tecnologia e que teve sua primeira edição realizada em Salvador.
Na opinião de Acher, os esforços precisam ser de todo o ecossistema, que inclui empresas e outras organizações de formação. “Precisa haver oportunidades não apenas para mão de obra imediata e a curto prazo”, disse.
À desigualdade de gênero soma-se o baixo nível educacional brasileiro. De acordo com Acher, boa parte das mulheres interessadas no processo de formação concluiu apenas o ensino médio.
Outra parcela significativa, contudo, é daquelas que buscam uma transição de carreira. Nesse caso, um dos fatores foi o isolamento social ocasionado pela pandemia de Covid-19, já que as aulas são ministradas de forma totalmente on-line.
Segundo dados levantados pela Laboratória, em 2020 e 2021, mais de 85% das graduadas conseguiram empregos na área tech, em até 9 meses após a formação. Em 2021, considerado o ano de maior impacto pela ONG, 90% das graduadas no bootcamp conseguiram um emprego na indústria tecnológica, com um salário médio de R$ 5,2 mil.
Além de anunciar a expansão para novos países da América Latina, a edtech, para se adaptar às novas demandas do mercado, acaba de incluir novas linguagens no conteúdo do seu curso de programação. O currículo da Laboratória foca em programação front-end com JavaScript, HTML, CSS e frameworks e, a partir da próxima turma, começará a abordar novas linguagens, como Angular, React e Node.
Liderada pela peruana Mariana Costa Checa, que já foi reconhecida por Barack Obama e pelo MIT como uma das empreendedoras latinoamericanas mais inovadoras, a Laboratória também tem recebido apoio de ativistas e iniciativas.
A filantropa Mackenzie Scott e o Google.org são alguns exemplos. Scott doou US$ 4 milhões (R$ 20,7 milhões) e a instituição filantrópica do Google contribuiu com o equivalente a R$ 5 milhões. A expectativa é que até o fim de 2025 a iniciativa permita a entrada de 2 mil mulheres na área da tecnologia.