Entenda o plano do Brasil para se tornar a referência da economia verde no mundo
Ao mesmo tempo em que se vale do prestígio junto a interlocutores internacionais para reposicionar o País globalmente, Lula coloca o ministro Fernando Haddad na linha de frente de um plano que prevê captar até 30% dos US$ 9 trilhões que serão investidos até 2030 em programas de sustentabilidade na produção de alimentos, energia limpa e descarbonização da indústria
Por Paula Cristina
RESUMO
• Na conferência da ONU, comitiva brasileira mandou mensagem clara e em uníssino sobre produção e investimentos em economia verde
• Plano do governo Lula é se tornar polo de referência mundial em sustentabilidade, e parlamentares brasileiros presentes corroboraram essa ideia
• Em três dias, Lula teve 14 compromissos oficiais e houve um recorde de encontros comerciais que envolveram os cinco ministros brasileiros que o acompanhavam.
• Fernando Haddad e Marina Silva, em dobradinha constante, mostraram que economia e meio ambiente devem andar juntos daqui para frente
• Um plano ambicioso: não só captar a onda de investimentos em “dinheiro verde”, mas trabalhar para a transformação interna do país em um ambiente de produção sustentável em todas as áreas da economia
No universo empresarial, quando uma marca perde valor, é comum que o acionista tente retornar às origens. A ideia é se reconectar com os pilares da própria história e encontrar uma maneira de unir seus valores à inovação que o mercado exige. Funciona no meio privado, e parece ser o caminho que o governo Lula, em especial na figura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu adotar. Para reencontrar as forças da marca Brasil destruída durante a gestão Bolsonaro, foi preciso olhar com atenção para nossas riquezas. Águas, florestas, ampla fauna e flora. Terras em abundância, sol e chuva na medida certa. Essas condições, que até o século passado não tinham tanto valor estratégico na economia global, se tornaram o ouro do século 21. Mas para transformar essa vantagem em investimentos bons para o País é preciso saber como e com quem negociar.
Na semana passada, o governo Lula foi em peso para os Estados Unidos mostrar como quer ser reconhecido pelo mundo: o protagonista da economia verde.
Além de Haddad, estava Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e referência no assunto. O paredão ainda envolvia os chefes de outros Poderes, governadores e especialistas em economia, finanças e sustentabilidade.
Tudo isso com o objetivo de fisgar uma fatia significativa dos US$ 9 trilhões previstos até 2030 para o mercado de energia limpa, produção sustentável de alimentos e indústrias de baixo carbono. “Buscamos uma mudança secular no modelo de desenvolvimento ambiental e que também melhore nossa posição na economia global”, disse Haddad.
O momento não poderia ser mais oportuno. Com o Brasil na presidência do G20, o ministro da Fazenda entende que há um ambiente propício para o mundo olhar para esse novo Brasil. “Estamos prontos para recuperar nossa posição natural e histórica como líder na agenda de desenvolvimento sustentável e inclusiva.”
Segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), o mercado trilhardário que se abre para a economia verde deve ser muito bem aproveitado pelo Brasil, que pode abocanhar até 30% desse valor se apenas regular, incentivar e organizar o que já tem de diversidade.
Patrícia Ellen, cofundadora da Aya Earth Partners, empresa especializada em acelerar a economia regenerativa e de carbono zero, estava em Nova York durante o lançamento da agenda brasileira para o mundo e entendeu como uma virada de chave na imagem do País. “Eu fiquei positivamente surpresa com o nível de alinhamento de narrativa do Brasil para o mundo e não acho que temos outro governo tão pronto para capturar essa oportunidade que temos agora”, disse.
“É agora ou nunca, não só para o Brasil, mas para o mundo. Há uma necessidade no sentido de urgência.”
Para atender às expectativas desse mercado global que procura uma guinada para produção mais verde, o plano do governo é deixar o mercado estruturado para receber recursos.
O lançamento de títulos soberanos verdes, feito por Haddad da Bolsa de Valores de Nova York, pode arrecadar R$ 10 bilhões para iniciativas que envolvam obras sustentáveis assim que forem emitidos pelo Banco Central. Segundo a Fazenda, a previsão é que o mercado estrangeiro já possa fazer este tipo de investimento no último trimestre de 2023.
Dinheiro verde
O BNDES e o Banco dos Brics (agora sob o comando da ex-presidente Dilma Rousseff) captarão recursos e financiarão projetos ligados a:
• energia limpa,
• descarbonização,
• reestruturação de florestas,
• pesquisa & desenvolvimento.
O banco de fomento brasileiro, presidido por Aloizio Mercadante, já captou US$ 500 milhões com o China Development Bank (CDB). O Banco do Brasil (BB) também colocou os dois pés nesse novo mercado e trabalha com a perspectiva de que sua Carteira de Crédito Sustentável bata R$ 500 bilhões até 2030.
A presidente do BB, Tarciana Medeiro, que também esteve em Nova York com a comitiva brasileira, disse que o plano é ser referência nesse segmento. “O BB quer ser reconhecido como protagonista mundial em práticas e negócios mais verdes no sistema financeiro”, afirmou.
A instituição fomenta captações em negócios sustentáveis, incluindo toda a cadeia de crédito de carbono zero, além de atuar em mercado de capitais, no agronegócio e na agricultura familiar. “Por isso, estamos em Nova York participando de reuniões com diversos investidores externos e organismos multilaterais para formar parcerias e captar recursos com finalidade de preservação ambiental, especialmente no que se refere à Amazônia.”
Com esse dinheiro voltado para a economia verde no radar, o plano de Haddad e Marina Silva é dar um passo além. “Já estamos discutindo uma nova industrialização do Brasil. Não precisamos nos resignar à condição de exportadores de energia limpa, que é o que o mundo gostaria que nós fizéssemos”, disse.
O plano do governo, explica, é usar boa parte dessa energia limpa dentro do Brasil e manufaturar produtos verdes. “Esse é o nosso objetivo, modernizar a economia brasileira nos valendo das nossas vantagens competitivas.”
Nesse ponto, o uso das empresas estatais como motor para uma onda de investimentos é muito bem-vinda. E a Petrobras será uma delas.
No dia 14 de setembro a petroleira formalizou um acordo com a TotalEnergies e a Casa dos Ventos. O objetivo dessa aliança é avaliar e incentivar oportunidades de negócios em energias renováveis no Brasil, com ênfase em energia eólica, energia solar e hidrogênio verde.
Segundo Jean Paul Prates, presidente da estatal, a ideia inicial é usar os parques eólicos offshore (marítimos) que ainda serão construídos no Brasil para a produção de hidrogênio verde. A construção deverá receber apoio e financiamento do New Development Bank (NDB), também conhecido como Banco dos Brics.
Segundo o diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, Mauricio Tolmasquim, a empresa está comprometida em se tornar referência na mudança de paradigma de uma petroleira. “Há um potencial enorme que ainda podemos explorar usando bases e premissas mais sustentáveis.”
Paredão legislativo
Mas para que tudo isso dê certo como sonha Haddad ainda há um obstáculo estratégico. Reside nas mãos dos deputados e senadores uma série de medidas legislativas para regular alguns pontos da nova economia.
Para o ministro da Fazenda, entre as urgências estão a discussão sobre crédito de carbono (hoje sob cuidados do Senado) e o Projeto de Lei (PL) do Combustível do Futuro que está na Câmara junto com a regulamentação para emissão de títulos verdes.
Haddad chegou a fazer um apelo público ao Legislativo, e Arthur Lira, que estava nos Estados Unidos, aproveitou seus lugares de fala para mostrar ao mundo que o Legislativo e o Executivo no Brasil estão falando a mesma língua. “Avançar com estes temas é prioridade no Parlamento”, disse ele em um evento organizado pela Fiesp em solo americano.
Outro tema citado por Lira foi o projeto de regulação da geração de energia em alto-mar. “Embora ainda exista espaço para o crescimento de geração eólica em terra, convém olhar para um horizonte ampliado, para investimentos de longo prazo no setor energético.”
Essa disposição toda, no entanto, não acompanha o comportamento do PP, seu partido, que votou em massa em textos que afastam o Brasil de uma agenda sustentável. O marco temporal e a flexibilização do agrotóxico são exemplos de pautas em que o PP votou a favor com, em média, 90% de seus representantes.
Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um grande avanço para atração de investimento foi desenhado na Casa que comanda. A inclusão de benefícios fiscais para empresas que investirem em transição energética e produção limpa.
A vantagem foi pleiteada pela própria Fiesp que, na figura de seu presidente, Josué Gomes, defende que uma neoindustrialização é bem-vinda, mas desde que seja possível marchar em direção à ela. Em um jantar de empresários e a comitiva brasileira, Gomes se mostrou animado com as expectativas do Brasil neste ramo, e chegou a dizer que o mundo caminha para o protagonismo do cone sul do mundo.
Construção de narrativa
A ida de representantes dos Três Poderes à Nova York não foi um acaso. Lula queria fazer de seu retorno à ONU um evento que mostrasse ao mundo que o Brasil está unido. E funcionou.
O discurso teve o habitual tom conciliador do presidente e passou a mensagem sobre como estão as coisas no Brasil. Nas terras de Tio Sam ele ficou no cerimonial. Encontrou Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e depois Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia.
Foram 14 compromissos oficiais de Lula em três dias e um recorde de encontros comerciais que envolveram os cinco ministros brasileiros que o acompanhavam.
Marina Silva, que nos últimos meses bambeou no comando da Pasta após a retirada de seu guarda-chuva de secretarias de fiscalização do meio ambiente, foi a voz da credibilidade brasileira.
Se Haddad foi o fiador do capital, Marina era a garantia de sustentabilidade. De acordo com o chefe da Fazenda, os encontros marcaram o fim de um projeto de estudos que começou no governo de transição, e inicia agora fase de execução. “Vamos atrair capital privado, incluindo parcerias público-privadas (PPPs) e incentivar a qualificação de investimentos como net-zero [produtos que comprovadamente tenham emissões líquidas zero de carbono].”
Decisões similares já foram tomadas nos parlamentos dos Estados Unidos, no Reino Unido e no Japão. Todos unidos e entendendo que, parafrasendo Belchior, você pode não sentir ou não ver, mas uma nova mudança, em breve, vai acontecer. Que o Brasil seja um dos primeiros a rejuvenescer.
ENTREVISTA
Patricia Ellen, cofundadora da Aya Earth Partners e ex-secretária de desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo
O que o Brasil precisa fazer para ser protagonista na economia de baixo carbono?
É muito importante que a gente entenda que o Brasil não é só o detentor das maiores florestas, mas também um grande protagonista em energia verde no mundo. A gente vai ter que aumentar a produção de energia. A eólica em mais de 20 vezes nos próximos 20 anos. Então a resposta curta para essa pergunta é transformar o Brasil no maior polo de negócios verdes do mundo. E, aqui em Nova York, esse foi o tom.
Estamos bem posicionados?
Hoje estamos muito bem na nossa matriz energética, também já somos reconhecidos mundialmente como celeiro de alimentos do mundo. Agora precisamos avançar na fabricação de produtos e serviços verdes no País. E, para isso, precisamos entrar no debate de acordos bilaterais. Cooperação internacional de produção, importação, exportação, principalmente a parte de trading.
Como presidente do G20, o que o Brasil pode fazer pela agenda da sustentabilidade?
Essa é a grande oportunidade ao Brasil, que vai ter a chance de se lançar com uma proposta de agenda global. O mundo tem três desafios: climático, energético e de segurança alimentar. O Brasil é o único país que pode ter soluções globais para os três problemas, então a posição de protagonismo é única, não só de articulação do debate na teoria, mas também na prática.
Como fazer parte da economia verde e não ficar apenas recebendo doações?
As coisas mudaram muito. Há um senso de urgência do mundo. A Assembleia Geral este ano está bem diferente. Há a percepção de que não é uma ajuda assistencialista climática que vai fazer diferença agora. Falamos de US$ 1,7 trilhão de investimentos na nova economia de baixo carbono. O Brasil precisa estar aberto para receber esse investimento. Estamos com a faca e o queijo na mão para entrar na mesa de negociação com esse olhar global e também fazendo a produção de valor agregado.
Como o mundo entende a dupla Haddad e Marina?
Eles estiveram juntos em muitos eventos e isso é simbólico. Eu participei de alguns encontros com investidores e com representantes de governos de outros países — e isso não passou despercebido. Essa união do meio ambiente com a economia deixou muito clara a mensagem que o Brasil quer passar para o mundo.
Como garantir incentivos para a transformação enérgica sem descuidar da responsabilidade fiscal?
É a parte mais simples, porque a gente tem capacidade rápida de dobrar nossa capacidade energética com o que nós temos nas hidrelétricas e energia solar e eólica. O governo pode apoiar muito com regulação, com o BNDES, com programas e políticas, mas também com esse estímulo para que investidores internacionais façam a produção e o consumo de energia no Brasil. Todas as empresas globais precisam reduzir a sua pegada de carbono e a gente pode acelerar esse processo com uma parte da produção.
Como você imagina que chegaremos à COP-30? O que precisa ser feito até lá?
Precisamos começar agora fazendo uma presença muito boa, como foi aqui na ONU e na COP-28. A COP-30 será a COP das entregas. E o Brasil pode dar esse exemplo para o mundo, liderando esses debates. O Brasil tem uma oportunidade única de criar o modelo aqui de reconvocar o mundo para uma agenda global.