Economia

Juros: queda da Selic aponta para algum horizonte? Especialistas comentam

Novo corte de 0,5 ponto percentual confirma trajetória de queda da Selic e descola o Banco Central brasileiro do caminho adotado pelas autoridades monetárias dos EUA e da Europa, onde os juros foram mantidos ou elevados

Crédito: Aloisio Mauricio/FotoArena

Campos Neto, do Banco Central: menor Selic em 16 meses (Crédito: Aloisio Mauricio/FotoArena)

Por Jaqueline Mendes

RESUMO

• Taxas internacionais se ajustem ao risco da inflação, principais BCs não derubam juros
• Brasil segue na redução da Selic, com o menor patamar em 16 meses
• Especialistas apontam cenário mais positivo para a economia em 2024
• Mas acreditam que a taxa ainda é elevada para os padrões atuais

 

Três autoridades monetárias, três decisões distintas. Depois de o Banco Central Europeu (BCE) anunciar dia 14 de setembro alta de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros do continente, para 4% ao ano, o americano Federal Reserve (Fed) decidiu na quarta-feira (20) manter inalterados os juros na faixa entre 5,25% e 5,50% ao ano, enquanto no Brasil o Comitê de Política Econômica (Copom), do Banco Central, cumpriu, no mesmo dia, a decisão de cortar em 0,5 ponto percentual a Selic no País, para os atuais 12,75%. Mas o que significam esses olhares tão diferentes para a economia? Timing. O Brasil, que começou mais cedo a subir os juros básicos, conseguiu antecipar o andamento da inflação e blindar, até certo ponto, os efeitos corrosivos da alta dos preços na renda dos brasileiros.

SELIC
– 0.50(12,75%)

“Os juros no Brasil, assim como na Europa e nos Estados Unidos, estão se ajustando ao cenário de inflação e percepção de risco em cada contexto doméstico”, afirmou o economista Drausio Giacomelli, estrategista-chefe de mercados emergentes do Deutsche Bank.

E, por isso, o horizonte parece menos nebuloso para o Brasil. Com o PIB crescendo mais do que esperado e o cenário internacional oferecendo oportunidades de novos negócios, a decisão do Copom foi unânime, ainda que o relatório reforce que ainda há necessidade de execução das metas fiscais do País.

Jerome Powell, presidente do Fed, ao manter por unanimidade os juros no maior patamar em 22 anos também escolhe o ritmo de aterrisagem (Crédito:Chip Somodevilla)

Logo depois do corte da Selic, Banco do Brasil e Caixa anunciaram a queda ­— quase imperceptível — de suas taxas. O BB informou que a redução de 0,04 ponto percentual ao mês, conforme as características da linha. O crédito consignado para o setor público, por exemplo, cai de 1,23% para 1,19% ao mês.

No consignado do INSS, a taxa cai do patamar atual de 1,75% para 1,71% ao mês. Já a Caixa informou que, desde a quinta-feira (21), a taxa média no consignado passou de 1,61% ao mês para 1,55%. Uma mudança que deve ser acompanhada pelos bancos privados.

FED = 0,0 (5,25% A 5,50%)

Apesar de ter pouco efeito prático sobre os juros na ponta, o corte da Selic consolida a trajetória de queda para os próximos meses e traça um cenário mais positivo para 2024, segundo especialistas ouvidos pela DINHEIRO.

Na avaliação do economista Wagner Moraes, CEO da A&S Partners e especialista em macroeconomia, a decisão do Copom de derrubar a Selic para o menor patamar em 16 meses é correta porque o núcleo inflacionário vem perdendo força gradativamente. “Embora ainda esteja um pouco elevado para os padrões atuais, e o crescimento econômico avança paulatinamente, as expectativas estão melhorando”, afirmou.

Christine Lagarde, presidente do BCE, teve de elevar a taxa básica para domar a alta generalizada dos preços na Europa (Crédito:Divulgação)

Na economia real, diz Moraes, o efeito do corte é criar um ambiente mais convidativo para o consumo e o investimento ao criar esse ambiente menos inóspito. “Assim haverá um aumento da demanda agregada, que pode impulsionar o crescimento do PIB”, disse.

Entra nessa conta também os efeitos de longo prazo. Para o governo, o melhor deles é a redução do endividamento público. Segundo o BC, cada queda de 0,5 ponto percentual reduz em R$ 22 bilhões o custo da dívida. Isso significa o dobro do orçamento que o governo tem para o programa Minha Casa, Minha Vida, “Desafoga o governo e aumenta a capacidade de pagamento”, disse Moraes.

Com uma inflação de 6,1% no primeiro semestre, a União Europeia patina para voltar à meta de 2% definida pelo Banco Central Europeu

De forma geral, mais importante do que a nova taxa de juros, é a sinalização da convergência entre as expectativas de controle fiscal, retomada da economia e controle da inflação.

Segundo Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), esse processo exige serenidade. “O recado é que o Copom admite reancoragem parcial das expectativas, mas com moderação.” Forma-se, na percepção dele, um horizonte de normalização gradual da taxa real de juros.

Esse horizonte, no entanto, pode estar longe ou perto, dependendo do ponto de vista. Para o Sebrae o ritmo da queda deixa a desejar.

Décio Lima, presidente da entidade, afirma que a Selic ainda está descolada dos indicadores positivos da economia.

“O BC está baixando a taxa de juros em doses homeopáticas, enquanto a economia brasileira dá fortes sinais de crescimento.”
Décio Lima, presidente do Sebrae

Lima segue: “Estamos diante de uma projeção de crescimento para o PIB, de 2,5% para 3,2%, tivemos superávit considerado o maior da história.”

Ele explica que a combinação de juros altos e inflação acaba por diminui o poder de compra das famílias, o que afeta diretamente a sobrevivência das empresas, impactando a geração de empregos e renda. “É um ciclo que precisa ser quebrado”, disse o presidente do Sebrae.

O corte da Selic não tem efeito imediato, mas consolida a trajetória de queda para os próximos meses e traça um cenário mais positivo para 2024 (Crédito:Danilo Verpa)

Pelo mundo

E se por aqui nós discutimos qual o melhor ritmo para pousar o avião dos juros básicos, o mundo enfrenta outros dilemas.

A Europa vive a décima alta consecutiva da taxa básica, situação similar a que o Brasil passou em 2022, quando os resquícios da pandemia ainda pressionavam os preços. A Europa, hoje, faz a mesma coisa. Com uma inflação de 6,1% no primeiro semestre, a União Europeia patina para voltar à meta de 2% definida pelo BCE, comandado por Christine Lagarde.

O Fed, ao manter por unanimidade os juros no maior patamar em 22 anos, também escolhe o ritmo de aterrisagem antes de tomar uma decisão mais brusca.

Segundo relatório do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), assinado por Jerome Powell, o país mostrou alguma resiliência no controle de preços, mas ainda há possibilidade de novas altas caso surgam novos problemas no caminho.

Isso significa que resto do mundo, incluindo o Brasil, precisa ficar atento. Para Wagner Moraes, CEO da A&S Partners a estabilidade nos EUA não significa calmaria, ou estabilidade. “Isso pode influenciar os rumos dos investidores e dos bancos centrais em todo o mundo.” E Roberto Campos Neto está de olho.