Tecnologia

Acessibilidade em softwares

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Por Victoria Ribeiro

Foi durante a infância, com jogos no Windows 95, que o americano Paul Chiou começou a desenvolver seu interesse pela tecnologia. Quando criança, consoles como Playstation e Nintendo 64 eram proibidos em sua casa, mas com o computador era diferente. Era utilizado para os deveres de casa e, às vezes, para jogar alguns games escondido de seus pais. Essa é uma parte relevante da história. A outra, e mais decisiva, é a que Chiou está paralisado do pescoço para baixo desde que sofreu um acidente aos 15 anos. Doutorando em ciência da computação na Viterbi School of Engineering, da University of Southern California (USC), em Los Angeles, tem pesquisa focada em encontrar e corrigir problemas ligados à inacessibilidade do teclado em aplicativos da Web e Android. “Muita atenção tem sido dada a temas como segurança, mas pouca à acessibilidade”, disse Chiou. “Acredito que todo desenvolvedor de software tem a obrigação de tornar seu produto mais acessível.”

Sua escolha pela Viterbi foi natural, já que a faculdade vinculada à USC é pioneira em soluções para a restauração da visão de cegos, recuperação da memória de quem sofre de Alzheimer e criação de robôs socialmente assistenciais, que ajudam idosos com derrame ou crianças com autismo. Além do doutorado em andamento, Chiou faz parte do ecossistema global GitHub, uma das maiores plataformas mundiais de códigos e projetos open source. Com mais de 100 milhões de desenvolvedores, o GitHub tem ampliado a discussão em torno da acessibilidade e da inclusão no universo dos softwares.

Um trabalho feito, especialmente, pelo engenheiro de softwares Ed Summers, que adiciona sua vivência como pessoa com deficiência visual ao cargo de primeiro Líder de Acessibilidade da plataforma. “A inclusão por meio da tecnologia é parte fundamental de uma sociedade mais igualitária e acolhedora”, disse Summers. Ele lembra que há mais de 1 bilhão de pessoas com algum tipo de deficiência no mundo. “E mesmo assim encontramos preconceitos e obstáculos que impedem a nossa participação plena e igualitária em diversas áreas da vida.” Para Summers, sua participação no GitHub, por si só, já pode ser considerada como uma das estratégias da plataforma na luta pela acessibilidade. Isso porque sua presença oferece insights sobre as necessidades dos usuários com todos os tipos de deficiências, não apenas a visual.

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“A inclusão na tecnologia é parte fundamental de uma sociedade mais igualitária e acolhedora” Ed Summers, Líder de Acessibilidade do GitHub

 

Segundo dados de 2022, o Brasil é o terceiro país com maior crescimento de usuários no GitHub — fora os Estados Unidos. São mais de 3 milhões de desenvolvedores locais, sendo que 924 mil ingressaram apenas no ano passado. Em meio a esse boom, a inclusão de pessoas com deficiência no processo de desenvolvimento é considerada, por Summers, como um dos caminhos para a construção de uma sociedade mais justa. Para ele, esses desenvolvedores podem ajudar a construir novas tecnologias ou fazer melhorias significativas para transformar as já existentes e torná-las mais acessíveis. “Tudo de que precisam são ferramentas que as permitam iniciar essa jornada e integrar seus conhecimentos valiosos, aprimorando o potencial da tecnologia para transformar vidas”.

SOLUÇÕES No caso do projeto de Chiou, ele usa uma combinação de tecnologias personalizadas para permitir que qualquer usuário com deficiência faça tudo em um computador, desde escrever a programar e, claro, jogar videogames. O hardware que ele utiliza para interagir com o computador varia dependendo da situação. Quando está na cama, por exemplo, ele usa dois dispositivos que, combinados, se comportam como mouse. Primeiro, um gadget chamado TrackerPro que, a partir de uma câmera, rastreia os movimentos da cabeça para controlar o ponteiro do mouse. Depois, há uma ferramenta de sensor chamada Breeze, que detecta mudanças de pressão a partir de um tubo pelo qual Chiou suga ou assopra para dar cliques referentes ao botão esquerdo ou direito do mouse.

Além de usar experiência para criar uma solução inovadora para resolver a questão da inacessibilidade do teclado, Chiou usou a criatividade para aprimorar sua competição no multiplayer Dota 2. Jogadores fisicamente aptos, explica ele, usam o mouse com uma mão para se movimentar e o teclado com a outra para lançar ‘feitiços’. No seu caso, os ‘feitiços’ são lançados a partir de um interruptor acionado com a língua, solução originalmente usada para que pessoas tirassem fotos quando não pudessem usar as mãos. Embora a interface de entrada de Chiou seja personalizada, ele diz que sua lista de desenvolvedores se baseia em um portfólio disponível a qualquer um, incluindo ChatGPT e GitHub Copilot. “Essas novas IAs definitivamente facilitam as coisas”, afirmou.