Games: Fantasy e bets embolam meio de campo no Congresso
Marco Legal dos Games tem gerado discussão acalorada no Congresso Nacional. Setor de jogos eletrônicos critica entrada de jogos fantasia, que podem virar bets
Por Beto Silva
Há uma luta escancarada no universo dos jogos eletrônicos. O setor de games, que estava acuado meses atrás, partiu para a ofensiva diante do avanço no Congresso Nacional do projeto de lei 2.796/2021, considerado o Marco Legal dos Games. O oponente é o segmento de fantasy games, que entrou na briga depois que um jabuti — como é conhecida uma emenda despropositada — foi apresentado para ser votado junto do texto original. O que era para ser uma proposta sobre videogames virou uma discussão mais ampla sobre fantasy games, uma modalidade que carece de definição detalhada, pois dão prêmios a partir de palpites virtuais dos participantes sobre desempenho de atletas reais — dois exemplos conhecidos são o Cartola e o Rei do Pitaco. Não se enquadram muito no mundo game, nem tampouco nas bets.
E aqui entra um importante elemento do debate: as casas de apostas. Sabe quando você avança na trilha de um joguinho, pula obstáculos, corre dos perigos, está perto do seu objetivo e, do nada, tem que encarar um chefão antes de ir para a próxima fase? Então, podemos considerar que as bets são esse tal de chefão, aquele personagem surpresa que estava oculto e aparece no final.
Os críticos do projeto de lei afirmam que o jabuti abre brecha para os fantasy games virarem casa de apostas, um mercado que deve movimentar US$ 25 bilhões neste ano no Brasil, segundo a Gmattos Consultoria.
Os defensores to texto rechaçam a teoria e dizem que a regulamentação do segmento vai criar empregos e gerar receita à União por meio de impostos. A luta está escancarada.
O jabuti entrou na proposta quando ela ainda tramitava na Câmara dos Deputados, onde foi aprovada em outubro do ano passado. Em tese, o projeto tem um bom design, pois prevê incentivos tributários ao setor de desenvolvimento e produção dos jogos eletrônicos, que passam a estar sob as mesmas regras de tributação dos equipamentos de informática.
Na prática, não é bem assim, segundo Rodrigo Terra, presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games (Abragames), que reúne o setor contemplado na proposta original.
Segundo ele, mesmo sem o jabuti, o texto já tinha problemas, pois a categoria não foi ouvida para ter suas demandas atendidas. “É um projeto capenga”, disse, ao apontar as principais falhas, na visão da entidade:
• não há classificação indicativa para softwares;
• o tratamento de importação de itens é inadequado, já que boa parte da indústria produtora de games está fora do País;
• a citação apenas de programadores na propositura contempla apenas 30% do pessoal do setor, deixando descobertos designers, engenheiros de software e especialistas em som.
Indagado sobre os pontos positivos, foi taxativo. “Não sei existe algo que se salve.” Sobre a argumentação de haver benefícios fiscais, Terra rebate. “Não está claro. Não há indicação de caminhos. Nem sequer há indicação para criar uma Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). E temos a discussão de uma ampla Reforma Tributária, que não sabemos se vai contemplar o setor de games”, afirmou o presidente, ao enfatizar a crítica na falta de debate sobre o Marco Legal. “Começou de fato uma discussão semana passada, em sessão temática do Senado, e agora tem se intensificado.”
Nesses debates, especialistas e acadêmicos da área de jogos eletrônicos afirmaram desconhecer o conceito de fantasy games trazido pela emenda do projeto de lei.
Segundo o senador Flávio Arns (PSB-PR), que defende mais discussão sobre o tema por se tratar de uma categoria conceitualmente nova no Brasil e por envolver recompensas monetárias, além de um forte componente de sorte, é necessário o aprofundamento sobre esse fenômeno recente.
“O projeto de lei mistura duas coisas diferentes: jogos eletrônicos, conceito já bem estabelecido no Brasil, e jogos de fantasia. As duas coisas devem ser tratadas separadamente em projetos distintos”
Senador Flávio Arns
Arns conseguiu, juntamente de outros senadores, conter o avanço da proposta, que agora será debatida na Comissão de Educação e Cultura do Senado antes de ser levada a plenário. A obstrução foi considerada uma vitória para o setor.
Além da possibilidade de os fantasy games virarem bets, outro problema debatido é o acesso de crianças e adolescentes às apostas. Relator do projeto, o senador Irajá (PSD-TO) afirmou que existe uma grande confusão acerca da propositura e que os fantasy games “não têm nada a ver com aposta esportiva ou jogo de azar”.
Ele chegou a propor a retirada dos games do Marco Legal dos Games para votar apenas a questão dos fantasy. Para Irajá, o projeto pode gerar 70 mil empregos diretos e R$ 40 bilhões por ano no aumento da arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais.
A luta está em curso. Vai ganhar quem tiver mais poderes especiais para atingir os adversários. Façam suas apostas.