Internacional

O futuro da Argentina com o fator milei

Líder nas pesquisas presidenciais, candidato de extrema-direita diz que vai tirar a Argentina do Mercosul, romper com a China e fechar o Banco Central. saber como tais medidas podem tirar o país do sufoco, só ele deve saber

Crédito: Tomas Cuesta

Por Jaqueline Mendes

A história mostra que tempos difíceis costumam levar ao poder candidatos de discursos fáceis, libertários e radicais. Quanto mais distinto do establishment, melhor. Adolf Hitler, Benito Mussolini, António Salazar e Jair Bolsonaro chegaram ao comando pelo legítimo voto popular, por mais antissocial e extremista — como aniquilação dos rivais, apologia à tortura e opressão de minorias — que seus discursos tenham sempre deixado claro. A Argentina, em profundo atoleiro econômico e social, vive processo semelhante. O líder nas pesquisas de intenção de voto é o economista Javier Milei, ultraneoliberal que chega a ser exótico de tão criativo em ideias. A começar pelo fato de que, segundo ele, recebe por telepatia conselhos de seu falecido cachorro, morto em 2017. Mas é no mundo real que Milei parece representar os maiores riscos à Argentina. Autodenominado anarcocapitalista, o candidato promete acabar com o Banco Central do país, dolarizar a economia, privatizar todo o sistema público de saúde e educação (e torná-lo não obrigatório), extinguir o sistema de previdência e seguridade social, tirar a Argentina do Mercosul e romper toda relação comercial com os “comunistas” da China. Tudo isso sob o argumento de que seu programa será uma “motosserra” para cortar gastos públicos.

Aos 52 anos, Milei lidera as pesquisas de intenção de voto para o primeiro turno, em 22 de outubro, mas a decisão de quem será o próximo presidente argentino deve ficar para o segundo turno, em 19 de novembro. Levantamento da consultoria Analogías, divulgado em 7 de setembro, mostra que Milei tem 31,1% dos votos. Na vice-posição aparece Sergio Massa, atual ministro da Economia, com 28,1%. Patricia Bullrich tem 21,2%. Na Argentina, para ser eleito em primeiro turno, o candidato precisa receber, ao menos, 45% dos votos válidos ou ter, no mínimo, 40% dos votos com 10 pontos percentuais de vantagem em relação ao segundo colocado.


Enquanto Milei lota eventos de campanha, o atual presidente, Alberto Fernández, tenta se aproximar de Lula para emplacar seu sucessor, Sérgio Massa, nas eleições de outubro (Crédito:Luis Robayo)
Nelson Almeida

RISCO Seja bravata de campanha ou promessa de revolução na economia argentina, a eventual vitória de Milei representa risco real para os parceiros no campo do comércio internacional, em especial o Brasil. É o que afirma o economista João Ferraz, da Compagnie Française d’Assurance pour le Commerce Extérieur (Coface) no Brasil. “Ele promete antagonismo com as principais lideranças de esquerda da América do Sul, caso de Lula.”No entanto, ele acredita que, dada a importância do Brasil para a Argentina (é o principal parceiro comercial do país), há chances de Milei recuar em alguns embates para evitar mais danos à já combalida economia. “Mas iniciativas que o governo Lula tenta retomar junto ao país, como a Unasul e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), perderão forças.”

US$ 44 bilhões é a dívida do governo argentino com o FMI. Para pagar, só forçando um ajuste fiscal, como MIlei quer

O tema Mercosul poderá ser o primeiro teste de Milei. Se eleito, ele promete nomear a economista Diana Mondino como chanceler. E ela já afirmou que não pretende sair do bloco. O grupo sofre pressão por parte do Uruguai para uma flexibilização de suas regras. A proposta do governo uruguaio, que busca autorização para fazer acordos comerciais isolados com países de fora do grupo, deve receber apoio de Milei. O candidato afirma que pretende focar sua política externa no estreitamento de laços com países como Israel e Estados Unidos. Qualquer semelhança com o ex-presidente brasileiro não é mera coincidência.

Para Diogo Catão, CEO da Dome Ventures, a vitória de Milei, se confirmada, deve elevar a incerteza no país. Isso porque ele tem conseguido angariar nomes fortes do empresariado na Argentina, mas suas propostas ainda são encaradas com ceticismo por parte deles. “Ainda há muitas dúvidas quanto à viabilidade de seu plano de governo”. Na avaliação de Vladimir Maciel, coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE), mais do que qualquer discurso, Milei, se eleito, terá de agir rapidamente para conter déficit público, hiperinflação, crise cambial, desestruturação das cadeias produtivas a empobrecimento da população. E não importa se é só um braveteiro com discurso questionável. Ele já assumiria o país com o relógio em contagem regressiva.